terça-feira, 14 de junho de 2011

O Liberalismo - Uma Leitura Selectiva e Desfigurada de Stirner

O liberalismo mais não é do que a ideia de que o Estado, sendo quase nada, é tudo, e que o valor humano do indivíduo consiste em ser cidadão desse Estado mínimo.

O Estado é concebido como uma comunidade de homens livres e iguais, e todos e cada um deveriam dedicar-se ao bem comum, desenvolver-se no Estado, fazer dele o seu próprio objectivo e o seu ideal, ainda que muito pequeno e de acção limtada.

Que significa para os liberais a afirmação de que todos gozamos de "igualdade de direitos políticos"? Apenas uma coisa: que, para o Estado, a minha pessoa não conta, que, para ele, eu sou, como qualquer outro, apenas um homem, sem outro significado relevante.

O Estado tem um sem número de direitos que concede, e é ele a concedê-los porque eles são direitos seus, do Estado, ou seja, são direitos políticos. E, no entanto, é bom que lhe seja indiferente a quem os concede, desde que o beneficiário cumpra os deveres associados aos direitos concedidos.

A igualdade de direitos políticos significa, então, que qualquer um pode adquirir os direitos que o Estado concede, desde que preencha as condições a eles associadas.

A burguesia liberal é a aristocracia do mérito e o seu lema: o mérito deve ser recompensado. A liberdade é, então, o mérito, algo que se merece, e o mérito ganha-se servindo para algo ou a alguém. A liberdade é a servidão.

Por outras palavras, a liberdade política afirma que a polis, o Estado, é livre; a liberdade religiosa que a religião é livre, tal como a liberdade de consciência quer dizer que a consciência é livre. Não quer dizer, nem diz, que eu sou livre. Essa liberdade não é a minha liberdade, mas a liberdade de um poder que me domina; significa que, pelo menos, um dos meus opressores, o Estado, a religião, a consciência moral, é livre.

Dispor de liberdade individual, significa, neste contexto, que não tem de se responder perante ninguém, perante outra pessoa, mas perante a Lei. Nenhuma forma de limitação de alguém por um outro poderá ser aceite, ou seja, tem de instaurar-se a livre concorrência. Só a causa, a razão, o direito justificam a limitação de alguém por um outro (por exemplo, o rico que limita pelo dinheiro - uma causa - aquele que não tem meios), mas não a pessoa.

O Estado trata também de forma igual todos os seus filhos; entre si, cada um que trate de se arranjar com os outros, isto é, de entrar na concorrência e mostrar o seu mérito.

O homem liberal professa uma moral que está initimamente ligada à sua essência. A sua primeira exigência é a de que se deve ter um trabalho, uma profissão honesta, uma boa conduta moral. São imorais o ladrão, o salteador e o assassino, mas também o jogador de azar, o homem sem recuros e sem emprego, o leviano. A todos eles falta a solidez do negócio, uma vida respeitável, o rendimento certo, etc.; como a sua existência não assenta numa base segura, eles pertencem àquela perigosa raça de indivíduos solitários ou isolados, ou marginais, que não oferecem quaisquer garantias e não têm nada a perder, que o mesmo é dizer, nada a arriscar.

Enganar-nos-íamos, todavia, redondamente se acreditássemos que estes liberais têm o desejo de eliminar a miséria com todas as suas forças. Pelo contrário, o homem liberal socorre-se sempre da convicção incomparavelmente consoladora de que os bens de fortuna estão desigualmente distribuídos, e assim continuarão, de acordo com os sábios desígnios de Deus.

Para os bons burgueses é indiferente saber quem protege o seu princípio, se um rei absoluto ou contitucional, se uma república, etc., desde que alguém o proteja. E qual é esse princípio que esse protector deve respeitar e fazer respeitar? Não é certamente o do trabalho, nem o do nascimento, mas o da mediania, o da medida certa: um pouco de nascimento, um pouco de trabalho, ou seja, uma posse que dê lucro. O que não se aceita é o excesso, o extremismo, o radicalismo: direito hereditário, sim, mas apenas sob a forma do que se possui por hereditariedade; trabalho, sim, mas pouco, ou nenhum trabalho próprio, antes o trabalho do capital e dos súbditos trabalhadores.

Para fundar este princípio de mediania, o Estado começou por pagar bem aos seus servidores, para que os possidentes pudessem pagar mal aos seus, sem perigo.

E agora? Pague-se mal a todos, porque afinal o perigo está em que haja quem possa concorrer sem aviso prévio, reduzindo o campo de manobra à aristocracia do mérito mediano.

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