terça-feira, 30 de setembro de 2014

Eclaircie - Victor Hugo

Eclaircie

Les contemplations 

L’Océan resplendit sous sa vaste nuée. 
L’onde, de son combat sans fin exténuée, 
S’assoupit, et, laissant l’écueil se reposer, 
Fait de toute la rive un immense baiser. 
On dirait qu’en tous lieux, en même temps, la vie 
Dissout le mal, le deuil, l’hiver, la nuit, l’envie, 
Et que le mort couché dit au vivant debout : 
Aime ! et qu’une âme obscure, épanouie en tout, 
Avance doucement sa bouche vers nos lèvres. 
L’être, éteignant dans l’ombre et l’extase ses fièvres, 
Ouvrant ses flancs, ses seins, ses yeux, ses coeurs épars, 
Dans ses pores profonds reçoit de toutes parts 
La pénétration de la sève sacrée. 
La grande paix d’en haut vient comme une marée. 
Le brin d’herbe palpite aux fentes du pavé ; 
Et l’âme a chaud. On sent que le nid est couvé. 
L’infini semble plein d’un frisson de feuillée. 
On croit être à cette heure où la terre éveillée 
Entend le bruit que fait l’ouverture du jour, 
Le premier pas du vent, du travail, de l’amour, 
De l’homme, et le verrou de la porte sonore, 
Et le hennissement du blanc cheval aurore. 
Le moineau d’un coup d’aile, ainsi qu’un fol esprit, 
Vient taquiner le flot monstrueux qui sourit ; 
L’air joue avec la mouche et l’écume avec l’aigle ; 
Le grave laboureur fait ses sillons et règle 
La page où s’écrira le poème des blés ; 
Des pêcheurs sont là-bas sous un pampre attablés ; 
L’horizon semble un rêve éblouissant où nage 
L’écaille de la mer, la plume du nuage, 
Car l’Océan est hydre et le nuage oiseau. 
Une lueur, rayon vague, part du berceau 
Qu’une femme balance au seuil d’une chaumière, 
Dore les champs, les fleurs, l’onde et devient lumière 
En touchant un tombeau qui dort près du clocher. 
Le jour plonge au plus noir du gouffre, et va chercher 
L’ombre, et la baise au front sous l’eau sombre et hagarde. 
Tout est doux, calme, heureux, apaisé ; Dieu regarde. 

juillet 1855.

par Victor Hugo

Estado da Saúde nos USA

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Colóquio Internacional - Metamorfoses do Espaço Público, Ética, Política e Educação

<Cartaz_PPS_Out2014_V2.pdf>

A Filosofia em Sofrimento nos Dias de Hoje, tal como Eu e o meu Cão


Nuno Crato, o Ministro da Educação Mais Incompetente dos Últimos 40 Anos

O ministro Cardia foi responsável pela "normalização" da educação após o verão quente. Não foi simpático, foi discutível o que fez, mas não foi delirantemente incompetente. O ministro Couto dos Santos fez asneira vasta, sobretudo no que diz respeito ao sistema de avaliação dos alunos, de que ainda sofremos as consequências nefastas nos dias de hoje. Mas foi ministro por pouco tempo, pelo que não teve oportunidade de mostrar mais incompetência. A ministra Ferreira Leite esqueceu-se de alguns aspetos fundamentais de gestão do quotidiano no Ministério da Educação. Mas teve a sorte de reagir rapidamente após alertas dos serviços que a apoiavam. Nem por isso, deixou de ter uma visão própria da Idade da Pedra sobre o ECD.
Maria de Lurdes Rodrigues, mulher inteligente, fez a burrice de se rodear de uma equipa de secretários de estado, diretores regionais e até de diretores de escola, verdadeiramente medíocres, sem ideias e violentamente conformistas, que lhe diziam que estava tudo bem nas escolas, quando qualquer professor sabia que isso só se podia dizer por quem quisesse agradar à senhora ministra. Mas tinha ideias, algumas erradas e algumas certas.
Nuno Crato, pelo contrário não só não tem ideia nenhuma útil, como tem algumas cientificamente erradas. Escreveu um livro pateta sobre o "eduquês" que animou estupidamente muitos professores, cansados de "reformas" absurdas, e guindou-se a ministro. Felizmente, desde o primeiro dia fui um crítico insolente desse livro pobre, errado e absolutamente dessintonizado de qualquer problema da educação. Critiquei-o, porque não lhe encontrei sequer um pouco de humor, como, nos finais dos anos 70, encontrei num livrinho conservador e reacionário de um autor canadiano, cujo nome me iludiu indecentemente (E. Morin). Não era o Edgar Morin que eu conhecia, mas quando folheei o livro, senti-me tentado a comprá-lo, sem pensar, só para saber que raio de AVC tinha atacado um autor que eu admirava muito. Felizmente era outro, o canadiano.
Pois bem, Nuno Crato não só se revelou uma nulidade em termos de ideias, como se situa abaixo de zero no que concerne a gestão do quotidiano do Ministério da Educação. O seu comportamente não revela só ideias erradas, revela também uma astronómica ignorância. A sua equipa compete com ele no oportunismo e na incompetência.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Salsicha Educativa (artigo "Expresso")

De onde vem a "salsicha educativa" de Passos? A resposta está em Marx

Expressão utilizada pelo primeiro-ministro num discurso a propósito de Educação foi ouvida com surpresa. Fomos à procura da origem do conceito.
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De onde vem a 'salsicha educativa' de Passos? A resposta está em Marx

Esta segunda-feira, ficámos a saber pelo primeiro-ministro que o sistema educativo em 
Portugal é uma fábrica de salsichas - um conceito, à primeira vista, transformador de 
professores em operários e de alunos em enchidos e que surgiu pela pena de Karl Marx, 
numa leitura do escocês Neil Smith, professor universitário que se sentia nesse ambiente, 
onde "alguns de nós são as salsichas, alguns de nós enchem a tripa com a carne, 
alguns de nós só manejam as máquinas e alguns são os gerentes".
O geógrafo e antropólogo não se importava especialmente com a imagem que, no i
nício do século passado, já era usada em relação a algumas escolas inglesas e cuja 
raiz é negativa, sem ofensa para as fábricas de enchidos de carne picada temperada. 
Neil Smith estava mais preocupado com um fenómeno que lhe parecia global e que 
por isso exigia uma solução à altura. A sua inquietação principal era, aliás, quem 
iria governar essa fábrica que tem imensas filiais locais. Mas nunca restringiu a questão 
à simples "salsicha educativa", como o fez Passos Coelho, embora possa ser uma 
maneira de combater a ideia dos estudantes de que a maioria da matéria é 
"chouriço educativo".
Passos versou assim esta segunda-feira, na sessão solene de abertura do ano letivo 
do Conselho Nacional de Educação, em Lisboa: "Sabemos melhor do que ninguém que 
aumentar a chamada salsicha educativa não é a mesma coisa que ter um bom resultado 
educativo. Foi assim que, no passado, a generalização de novos graus de ensino não 
corresponderam a um salto qualitativo mais exigente no produto escolar. Temos muitos 
mais alunos a frequentar o ensino básico e secundário, esperamos poder vir a ter 
significativamente mais alunos a frequentar o ensino superior, mas é importante que 
o resultado final corresponda a uma melhoria da qualidade do ensino que é prestado."
Mas quem é que usa esta expressão? Se Passos diz "a chamada salsicha educativa" 
é porque já ouviu alguém falar nela. Numa rápida busca na Net, verifica-se que em 
português a estreia parece pertencer-lhe e que no resto do mundo fala-se na questão 
levantada por Neil Smith, mas apenas na "fábrica de salsichas educativa", embora 
se saiba de antemão que, se numa verdadeira fábrica de salsichas se produzem os 
tais enchidos de carne picada e temperada, numa escola formam-se estudantes. 
Por esta ótica, o aluno é a salsicha. No caso da expressão usada pelo líder do 
governo português, como não soa muito bem dizer "aluno educativo", talvez a salsicha 
seja a própria escola, o que faria do Estado e dos privados proprietários de 
estabelecimentos de ensino fabricantes de salsichas.

A educação é cada vez mais uma mercadoria e as escolas fábricas
"Quem governa a fábrica de salsichas?" é o título do artigo escrito por Neil Smith em 2002, 
dois anos antes da sua morte prematura, publicado na revista Antipode e inspirado 
num parágrafo de "O Capital", de Karl Marx, que, numa tradução livre, dizia: "Um professor 
é um trabalhador produtivo, quando, além de trabalhar a cabeça dos alunos, se esfalfa 
para enriquecer o proprietário da escola. E essa relação não se altera, lá porque o 
capitalista investiu numa fábrica de ensinar em vez de numa fábrica de salsichas".
Os sistemas universitários de Estocolmo a Sidney, de Seul a São Paulo - dizia o professor 
escocês no início deste século -, preocupavam-se, nos anos 1970, em fornecer um 
ensino público. Agora, correm a reinventar-se como "emblemas" de organizações 
empresariais. Trata-se, no seu ponto de vista, de uma corrida global, cujos efeitos 
se começaram a fazer sentir na última década do século XX. Foi o avanço do 
neoliberalismo, da modificação das relações comerciais, que levou ao mercantilismo 
no ensino, à transformação da educação em mercadoria com os olhos postos 
num alvo: o lucro.
A "nova" forma de encarar a escola ganha espaço à medida que a relação entre o capital 
e o Estado se torna mais íntima e o Estado faz uma retirada estratégica de algumas 
das suas "antigas" incumbências sociais, sustentava Neil Smith. O professor escocês 
acreditava que valia a pena lutar pela fábrica de salsichas, uma vez que, se as 
universidades dessem um passo atrás, teriam dificuldade em desempenhar a sua 
missão, em especial na parte de investigação. Todavia, seria preciso que, globalmente, 
se erguessem conjuntos de vozes que pusessem em causa os proprietários, os operários 
e os produtos das filiais.
Passos Coelho, assumindo-se como neoliberalista, parece estar consciente de todo 
este processo: não só aceita completamente o conceito - a utilização da expressão 
no seu discurso surge sem qualquer apreciação ou dúvida -, como está disposto a 
engordá-lo, se assim se pode dizer quando se trata de enriquecer uma salsicha 
educativa. Fica-se a saber quem manda na fábrica, apesar de o ministro desta 
indústria ter demonstrado algumas dificuldades na colocação de "enchedores de tripa".


Ler mais: http://expresso.sapo.pt/de-onde-vem-a-salsicha-educativa-de-passos-a-resposta-esta-em-marx=f890583#ixzz3EA5zYjYv

sábado, 13 de setembro de 2014

Educação OCDE

Palitos e Mastigações

Esta minha quietude física, forçada, gerou em mim várias inquietudes não forçadas. Uma delas partilho-a aqui com quem queira. Do conteúdo do que dissesse o nosso primeiro já eu me tinha desvinculado há muito, por falta de qualquer substância que lhe pudesse atribuir. A sua "aderência à realidade" é como a daqueles pneus que aderem de tal modo ao piso que o carro não anda. Colam, mais do que aderem. O homem colou-se. Sabe lá o que é aderir e o quanto a "aderência" implica necessariamente alguma "desaderência" para poder funcionar e andar depressa. Veja-se o caso dos WRC. Pois bem, não é isso. É mais uma dúvida. Tendo o homem uma voz tão bem colocada, por que raio de razão não seguiu a carreira de radialista? A esta hora, sempre que fosse a uma praia dos pobrezinhos, seria inundado por fãs a pedir-lhe autógrafos, como uma península por todos os lados menos por um (o da sua mulher que não é fã, nem quer coisas dessas), em vez de por energúmenos que querem a sua demissão. Não sendo o conteúdo, é o quê? Será a sua postura comunicacional geral: gestos, mastigações, etc.
Tendo-me dedicado, não a ouvir o que diz (que não interessa), mas a prestar atenção ao que faz, reparei que o nosso primeiro fala com os portugueses (nem que sejam só 20) como aqueles senhores que atendem os seus servos sempre à hora das refeições. Falam com eles sempre a mastigar qualquer coisa: um naco de boroa, um pedaço de bolo, ou uma tira de toucinho, tanto faz. Deste modo são passadas três mensagens, qual delas a mais importante isso fica ao vosso critério:

  1. Os senhores estão sempre muito ocupados. Trabalham a todas as horas e até à hora de almoço têm de despachar com os seus criados.
  2. Os senhores são atenciosos. Atendem os seus servos mesmo à hora sagrada da refeição.
  3. Os senhores são gente trabalhadora. Logo que o servo tenha dito ao que vinha, ala que se faz tarde, e o senhor precisa de empurrar o naco com uma pinga. Não oferece nada porque é frugal.
Então, o nosso primeiro fala assim, como um senhor que, atenciosamente, atende o seu servo às horas das refeições. Como um colonizador atenderia um seu escravo. Só lhe falta o palito nos dentes, a bailar de um lado para o outro. E um "sombrero".
"Está a almoçar? Desculpe lá. É que a vaca vai dar bezerros mais logo." Voz cava e bem colocada: "Não tem de se preocupar; estou mesmo a acabar. Então os bezerros vão nascer. Folgo muito. Olhe, já agora, pode apanhar um cacho de uvas da ramada do lado esquerdo para levar à sua Ermelinda. Os bagos que caiam ao chão pode levá-los aos seus filhos que bem devem andar precisados de uma guloseima. Não colha do lado direito que foram pulverizados com caga-já.  Quando houver novidades, passe por cá, que já devo estar a cear e, portanto, posso atendê-lo. Vá lá à sua vida. E não se lembre de dizer que vem daqui." que o mesmo é dizer: "não se esqueça de cantar as minhas glórias e a minha generosidade. As uvas, não se esqueça, do lado esquerdo que do lado direito têm caga-já".
É assim que fala o nosso primeiro: sempre a mastigar... e a engolir (não vá alguém pensar que está só a morder os dentes de raiva).

À hora da ceia lá está ele. Não é esta a primeira, nem a última. Lindo quadro pode, então, ser visto. O nosso primeiro ao centro. Decididamente, falta-lhe o palito nos dentes a balouçar. É preciso falar urgentemente com quem cuida da sua imagem. Ao seu lado direito (do lado esquerdo de quem vê) "a do farto regaço". Ao colo da "do farto regaço", embalado, com ar feliz, a chuchar no dedo, o nosso vice-primeiro. Os comensais estão todos dispostos, de forma a que a fotografia apanhe, de todos, a tacha arreganhada. Ninguém quer fazer, desta vez, figura de emplastro (isso, fazem eles a toda a hora em outras ocasiões). No fundo do quadro, conferindo-lhe a beleza em falta, uma fazenda de ar bucólico: cores suaves e doces de uma seara de trigo, emoldurada por ramadas de vinhas viçosas e gulosas. Os servos da gleba trabalham a terra. Magros, famintos. Alguns são piegas. Outros estão a mandar o mastigador à merda. No lado esquerdo da imagem, vê-se uma pequena escaramuça. O Aristides, que tinha ido colher as uvas para a sua Ermelinda, levanta os braços, impedindo que um desnaturado qualquer lhe roube o cacho de uvas. "Foi o senhor que mas deu. Sai daí. Só te posso dizer que as daquele lado estão cheias de caga-já". Um servo que corria para aquele lado estacou de repente. Abriram-se dois buracos na terra debaixo dos seus pés. Logo o palerma que vinha no seu encalço aproveitou para lá depositar umas sementes de girassol. Assim como assim, aquilo era trabalho, empreendedorismo, inovação, etc.

Ao nosso fotógrafo, pede-se-lhe agora que alargue o ângulo da sua objetiva. Assim faz. Vê-se agora claramente, à frente da mesa da ceia, dois leprosos, cada um com a sua trombeta nova em folha e a brilhar, e um cão sarnento. Os leprosos procuram apanhar as migalhas. O seu sonho é saltar para a mesa e comer coisas ainda inteiras e não mastigadas. O cão lazarento está lá para guardar a porta de intrusos e para impedir os leprosos de acreditarem que alguma vez conseguiriam ficar de frente, tacha arreganhada, para o fotógrafo. O cão sarnento lembra: "Fui eu que organizei esta ceia e todas as outras que se seguirão. Não me cansarei de o proclamar aos quatro ventos. Não precisei de andar na escola para aprender a coçar as pulgas. Aquele copinho de leite que ali vês, sentado ao centro, está lá porque fui eu que o lá pus. Fui eu que lhe cocei as pulgas. Se vós, leprosos, quereis ocupar algum daqueles lugares, só tendes que vos portar como eu digo. Já sabeis que fui eu que mandei afinar as vossas trombetas. Estão afinadas. Agora, não as desafineis. O resto, deixai comigo que sei coçar as minhas próprias pulgas e as dos outros, se for preciso. O que me faz falta é aprender a cantar." E recomeçou: "Grândolaa, vila moreena..." "Cala-te lá", disseram os leprosos em uníssono.

Um bater de palmas. O nosso primeiro quer ouvir o bobo. "Venha o do abrunho e que se cale o cão sarnento que não é tenor. Somos amigos, tenho muita consideração por ele, mas a amizade e a consideração também têm limites". E engoliu o que disse, ou então foi uma tira de toucinho frito.

E aqui se reproduz o poema do "do abrunho". O vice-primeiro embalado pela "do farto regaço" já dormia a sonhava sem os recalcamentos da sua vida. E pensava: "será que, se me puser em posição de sacrifício, o ar doloroso, de missionário, ela vai continuar a embalar-me? Não. É melhor não. Já sei o que vai acontecer. Vira-se logo, e, depois, a missionária é ela". Vamos ao poema, aqui reproduzido como pode ser, mas não como certamente merece.

(Som de piano e viola acústica em ritmo binário. uma voz rouca, mas afinada)
Noite escura
Dia claro
Chave na fechadura
Eu truz, truz
Tu traz, traz.

(rufo de bateria. Metais a impor ritmo ternário de valsa. Baixo a confirmar. Voz uma oitava acima, desafinada. Bateria ao jeito dos Maroon Five)

Tu traz, traz
E a noite escura
Eu truz. truz
E o dia claro

Chave, chave
Fechadura na chave
E a lua no alto
E eu cá embaixo

Porta aberta
Porta fechada
Luz no céu
A chave caeu.

(voz rouca, afinada. ritmo binário. Piano)

Noite escura
Dia claro
Chave na fechadura
Eu truz, truz
Tu traz, traz.

Palmas. O vice-primeiro acordou e lembrou-se da lavoura, dos ranchos folclóricos, e dos velhinhos. O nosso primeiro recomeçou a mastigar e a engolir. O cão sarnento uivou. Fez-se silêncio. Um sorriso brilhou-lhe nos lábios. E então pôde ver-se com toda a clareza: o palito do primeiro estava nos dentes do cão. Que falta lhe faz o palito... Mais do que o sombrero. Questão de imagem!

Chico o Nosso Homem em Lisboa


Chico notre homme à Lisbonne (version courte) por tapaconnu

pinky and the brain-brainstem

Decadência Alucinada e Alucinante

O exercício do poder e a luta por ele estão a tornar-se (se calhar sempre foram) numa droga alucinogénea.
O governo poupa-se a governar para além das questões do défice e da dívida. Toma umas medidas descoordenadas e sem nexo num plano global de governação nos domínioda educação, da saúde, da segurança social, do poder local, etc. Por outras palavras, não só não faz nada nesses domínios que tenha qualquer utilidade no futuro, como mostra não ter ideias sobre eles. A rede Citius que está a falhar na reforma da justiça não é a única rede que está a falhar. Tal como na Citius, as redes analógicas fundamentais de comunicação entre poder local, educação, saúde, transportes, etc. estão em completa falência. A grande reforma do Estado seria restabelecer e dar funcionalidade a essas redes indispensáveis ao desenvolvimento das sociedades. As digitais podem vir mais tarde ou ao mesmo tempo. Mas com um plano inteligente e global.
A gravidade desta incompetência política é brutalmente amplificada pelos debates daqueles que pretendem exercer o poder. É que mantêm exatamente o mesmo tipo de discurso inútil e compulsivamente esquisóide.
Independentemente de todos os erros (só na Educação são detetáveis uma série deles), e não relevando possíveis situações mais ou menos fraudulentas (houve seguramente muita campanha maldosa também), o governo de Sócrates, em qualquer desses domínios, foi muito mais rico e interessante do que é o atual e são os seus opositores.
Haveria que parar esta decadência alucinada. Com provincianismo, não creio que a coisa se resolva.

O Toxicoindependente

O Chaplin já retirou o nódulo. Foi no hospital veterinário. Agora está aqui, ao meu lado, a procurar o meu colo porque agora é a minha vez de o acalmar. Aquilo deve estar a doer. Está, portanto, a tomar um anti-inflamatório analgésico que o alivia. Ontem, para não me esquecer de lhe dar a dose da noite (de 12 em 12h toma metade de um comprimido), embrulhei uma metade num lenço de papel e pu-la no bolso da camisa. Acordou de imediato, farejou o ambiente e descobriu a droga no bolso da camisa. O pobre não conseguia deixar de gemer para que lhe desse o comprimido. Será isto a toxicoindependência? Só sentir a imperiosa necessidade de um analgésico por o ter farejado? Era a segunda vez que o ia tomar... A toxicodependência seria, então, nesse caso, essa capacidade bípede para inventar futuros, a que os humanos se dedicam desde tempos imemoriais. Talvez...

Un tramway nommé Désir

Maria João Pires

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Sócrates segundo Xenofonte


Sócrates


Sabemos através, não de Platão, mas de Xenofonte que Sócrates discutia com os seus dicípulos questões de técnica política do mais variado teor: as diferenças entre diferentes tipos de constituições, a formação de instituições e de leis políticas, os objectivos da actividade de um estadista e a melhor preparação para ela, o valor da união política e o ideal da legalidade como a mais alta virtude do cidadão.
Sabemos, pela mesma fonte, que Sócrates foi um crítico da democracia tal como ela era praticada na Grécia do seu tempo: criticava a mecanização do processo político eleitoral, através do sorteio com favas e do princípio democrático da maioria nas leis da assembleia do povo. Foi também um acérrimo crítico da tirania, nomeadamente a levada a cabo pelo seu antigo discípulo Crítias. Este chegou mesmo a proibir Sócrates de se dedicar ao ensino, sob uma velada ameaça de morte.
Para Sócrates, toda a educação deve ser política. Tem necessariamente de educar o Homem para uma de duas coisas: para governar ou para ser governado.
O Homem educado para governar, segundo ele, tem de aprender a antepor o cumprimento dos deveres mais prementes à satisfação das necessidades físicas. Tem de se sobrepor à fome e à sede. Tem de se acostumar a dormir pouco, a deitar-se tarde e a levantar-se cedo. Nenhum trabalho o deve assustar, por árduo que seja. Não se deve deixar atrair pelo engodo dos sentidos. Tem de se endurecer para o frio e para o calor. A este esforço pedido a quem deseje ser governante chama Socrates ascese.
Mas o ascetismo socrático não é a virtude monacal, mas sim a virtude do homem que deseja governar. Ascese é um conceito que equivale ao noso termo formação, que, para os governantes, deve ser de abstinência e autodomínio. 
Por outro lado, Sócrates faz do problema da liberdade um problema ético. Considera livre o homem que representa a antítese daquele que vive escravo dos seus apetites. Este aspecto só tem interesse relativamente à liberdade política, na medida em que implica a possibilidade de um cidadão livre ou um governante ser, no sentido socrático do termo, escravo. Sócrates não propôs qualquer alteração da realidade social onde o conceito de homem livre se opunha simplesmente ao de escravo.
O autodomínio e a liberdade seriam, então qualidades a desenvolver no cidadão grego e no governante. Mas estas qualidades devem estar ao serviço da virtude política.
Nos primeiros diálogos de Platão, assistimos a debates sempre inconclusivos sobre o que é ser justo, o que é ser corajoso, o que é ser piedoso. Na verdade, se compaginarmos os relatos de Platão com os de Xenofonte, percebemos que, para Sócrates, a virtude do justo, por exemplo, ainda não é virtude, se não estiver assegurado que é honesto, corajoso, etc. A virtude do corajoso ou do honesto ainda não é virtude, se lhe faltar a virtude do justo, etc.
A virtude do Homem é, então, a virtude política: a busca desta virtude é o verdadeiro caminho socrático.
Ninguém deveria ser chamado a governar a Pólis, se não fosse virtuoso. Note-se que o virtuoso de Sócrates não tem nada a ver com o rei filósofo de Platão. É simplesmente aquele que, por ascese, isto é, por formação, se eleva à virtude política, porque é honesto, é justo, é corajoso, etc. e sabe colocar a sua virtude ao serviço da Cidade.

Totalitarismo na Escola - Filme

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Propaganda Terms in the Media and What They Mean - Noam Chomsky

Joan Baez - Diamonds and Rust

Patxi Andion - Manuela (1971-1973)

Cartografia e Imprecisão

Cartografia e Imprecisão

Revolução ou Revolta II

-Para alguns, o poder de dominar o outro encontraria os seus fundamentos, não naquele que domina, mas na obediência do outro, o servo, que, identificando-se com o senhor, teria a ilusão de participar, com esforço mínimo, no exercício do poder. Isto tornaria o poder possível e legítimo, pois aquele que obedece fá-lo-ia de sua livre vontade. Mas numa alienação, isto é, numa submissão à vontade particular de um outro, não encontraremos nunca qualquer tipo de legitimidade pois aquilo que obriga a obedecer não é nunca legítimo se considerarmos que o caráter fundamental do que é legítimo for a obrigação a que se conforma livremente um sujeito que se torna o seu próprio legislador. Da preguiça e da covardia não se deduz nunca a autonomia como nos diz Rousseau.

(Jorge Barbosa, 2014)

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Revolução ou Revolta?

- A esperança anima aqueles que adotam o ponto de vista do Estado como princípio e única fonte da ordem. É-lhes possível sonhar com uma revolução que altere a ordem, que endireite o que está torto: esta revolução é uma tarefa acabada de uma vez por todas: amanhãs cantarão. É o otimismo.
 - A esperança não é a característica essencial quando se adota o ponto de vista de um tecido social gangrenado, formado por uma legião de poderes que devoram qualquer esperança de justiça numa sociedade que destrói as liberdades que deveria proteger, destruição levada a cabo por uma multiplicidade de “piolhos” que se tomam por caciques de aldeia ou mandarins da cidade. Só nos restam revoltas pontuais para tentar melhorar este ou aquele aspeto destruindo este ou aquele poder, mas este é um combate contra a Hidra: a tarefa é infinita pois as revoltas não alcançarão nunca a totalidade da legião de poderes, e o esforço da revolta é ele próprio gerador de um novo poder.
(Jorge Barbosa, 2014)

domingo, 7 de setembro de 2014

Conversas de Costas para as Paredes

As conversas de cu para a parede do governo (que não quer ser enfrentado mas também se defende das alternativas) têm, sobretudo a respeito das "reformas", um denominador comum: incompetência política.
Muitos estabelecimentos escolares já foram extintos e outros agrupados, o mesmo aconteceu a muitas autarquias, a estabelecimentos e serviços de saúde, a tribunais e por aí fora.

Afinal qual é o problema?

É que estas alterações, para serem eficazes e sobretudo eficientes, deveriam fazer parte de um plano comum. Não faz sentido reorganizar o parque escolar, sem reorganizar a dimensão e competências das autarquias, por exemplo. O mesmo se diga relativamente aos centros de saúde, tribunais, segurança social, etc.
Ver todos estes assuntos como se não alimentem funções e orgânica em comum é sinal de incompetência política e de amadorismo governativo. Na minha modesta opinião.

Educação na Suécia - O Erro da Ideologia Uniformizadora

Ouço e leio frequentemente opiniões de comentadores que começam por alertar os ouvintes e leitores para o facto de não perceberem do assunto sobre que opinam e até de não estarem a par dele.  Não é esse o meu caso. Nos finais dos anos 60 do século XX, tive acesso, através do consulado da Suécia no Porto (o Sr. Jervell), a publicações de propaganda da política social "revisionista" de Olof Palm (entretanto assassinado) na Suécia.
Mais tarde, já após o 25 de Abril, por um conjunto de coincidências que não vêm agora ao caso, participei em várias ações ligadas ao Acordo Luso Sueco para promoção da educação especial em Portugal.
Mais tarde ainda, tive o privilégio de receber no Porto mais do que uma delegação de professores da Suécia, da Finlândia, da Dinamarca para troca de experiências e conhecimentos. Estas trocas continuaram em diversos formatos que agora também parecem não ser relevantes.
A minha ideia aqui é tão só a de reforçar a minha posição de conhecedor do assunto em muitas das suas dimensões.
Na propaganda de Olof Palm, percebe-se o empenho do governo sueco na organização de um Estado capaz de responder diretamente aos problemas das pessoas (diziam as revistas), ao nível da educação, da saúde,da segurança social, etc. A prioridade eram as pessoas, a "única verdadeira riqueza" da Suécia.
Esta mesma posição era reforçada pelos professores e técnicos que acompanhavam em Portugal o Acordo Luso Sueco.
Já nos encontros de intercâmbio posteriores, os nórdicos (suecos e finlandeses, sobretudo) queixavam-se de alterações no seu modelo social e os suecos, nostalgicamente, reviam heranças da sua história da educação nas escolas que, comigo, visitavam no Porto. Embora estivessem enganados, neste aspeto muito particular porque a herança era norueguesa, até os equipamentos de parqueamento de pranchas de Ski em escolas portuguesas (absolutamente inúteis) os comoviam. Queixavam-se basicamente do início da destruição do seu Estado social.
Agora, podem ler-se notícias que dão conta da insatisfação dos suecos com a privatização de escolas públicas. O rendimento dos alunos reduziu drasticamente.
Do outro lado da barreira, encontrei os holandeses. O seu sistema educativo era suportado por escolas e serviços privados de natureza confessional. Compreendia o embaraço dos meus colegas, sempre apressados em acrescentar que as escolas calvinistas aceitavam alunos católicos. Nas zonas urbanas é assim mesmo, mas nas rurais isso é feito alimentando as rivalidades, que, na Holanda, estiveram muito longe de não serem sangrentas ao longo da História. O calvinismo adotou modalidades fundamentalistas verdadeiramente vergonhosas, mesmo na época em que foi desencadeado, tal como o catolicismo e a Santa Inquisição.
O que é que me parece errado na Suécia? Muito simples: que alguém, em nome de uma moda qualquer, tenha desprezado uma História e uma Cultura que se vinha instalando com sucesso, embora com necessidade (certamente) de reformulações. Do mesmo modo, seria absurdo e completamente errado destruir o sistema educativo holandês, nacionalizando a rede escolar. Pode precisar de reformulações, mas elas não podem, não devem, destruir a cultura e os seus fundamentos. Sem vergonha.
Em Portugal, já seria um grande avanço se os decisores políticos percebessem que a globalização pode conter e deve conter em si mesma as diferenças com origem local e comunitária.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

OS ALUNOS SÃO A INSPIRAÇÃO DOS PROFESSORES.

OS ALUNOS SÃO A INSPIRAÇÃO DOS PROFESSORES.
Leia-se o seguinte excerto de um texto que vou escrevendo sobre "poder e força": "A capacidade de agir encontra o seu pleno exercício no Sujeito autor das suas representações e mestre das suas ações (autónomo). Um tal sujeito torna-se o paradigma do Estado centralizador no qual tudo converge e tudo emana de uma única cabeça, de uma capital. Marx retira daqui o conceito de Estado, princípio centralizado que exerce o poder porque está na sua origem. Não nos encontramos muito distantes da tripartição da alma e do estado em Platão."
Sem conhecer o meu pensamento não expresso no excerto, fica difícil, impossível mesmo, compreender os meus fundamentos para a passagem do sujeito para o Estado, deste para Marx e de Marx para Platão.
O que é que me falta? Alunos. Os alunos são a inspiração dos professores.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Poder e Força

 "- Esta relação da afirmação de si com o poder permite compreender o fascínio exercido pelo indivíduo por todas as formas sociais de poder: os indivíduos, prisioneiros da opinião, confundem o visível com o inteligível e sucumbem à ilusão de aumentar o seu ser (como um gato em pose de ataque) através de um parecer que parece garantido pelo exercício de uma escolha e de uma decisão ligada à sua função: servir-se, em vez de servir e submeter alguém ao seu domínio é acreditar que o poder desregulado permite que alguém se afirme na servidão. É também acreditar que fazemos mandando fazer. Todos estes comportamentos ruinosos para a justiça a para o indivíduo procedem de uma confusão entre o poder e a força, e afogam-se numa desmesura que pretende impor uma ordem, espalhando a desordem da usurpação do poder."
(Jorge Barbosa, 2014)

Direito de Resistência

"Je voudrais dire deux mots sur le droit de résistance, parce que je découvre avec stupeur que personne n'est vraiment profondément conscient du fait que la reconnaissance de ce droit (la civil disobedience en l'occurrence) constitue l'un des éléments les plus anciens et sacrés de la civilisation occidentale. L'idée qu'il existe un droit supérieur au droit positif est aussi vieille que cette civilisation elle-même. Ce conflit entre deux Droits, toute opposition qui dépasse la sphère privée le rencontre. L'ordre établi détient le monopole légal de la force et il a le droit positif, l'obligation même d'user de cette violence pour se défendre. En s'y opposant, on reconnaît et on exerce un droit plus élevé. On témoigne que le devoir de résister est le moteur du développement historique de la liberté, le droit et le devoir de la désobéissance civile étant exercé comme force potentiellement légitime et libératrice. Sans ce droit de résistance, sans l'intervention d'un droit plus élevé contre le droit existant, nous en serions aujourd'hui encore au niveau de la barbarie primitive."
(Conférence : Le problème de la violence dans l'opposition, Juillet 1967, Herbert Marcuse)

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Coisa Curiosa

Hoje, aconteceu-me uma coisa curiosa. O meu cartão de cidadão caducou. Decidi renová-lo hoje mesmo, antes que me venha a fazer falta. Acontece que esta não é melhor semana para andar por aí a renovar cartões. Mesmo assim, por comodidade, recorri a uma cadeira de rodas e desloquei-me a um serviço de resgisto predial e de registo civil. De imediato, uma senhora, funcionária do SNS, alertou para a minha prioridade, coisa de que abdiquei porque não havia razão para isso e acho que não se deve abusar. A funcionária que me devia atender alertou para o facto de naquele serviço não haver prioridades para o registo civil, porque aquele era um serviço de registo predial (o registo civil tinha de ser marcado previamente por telefone). Não havia praticamente ninguém à minha frente, pelo que este problema era ocioso, a não ser que a dita senhora (mestre de qualquer coisa, como sentiu necessidade de dizer) se opusesse a essa prioridade. Primeira coisa estranha: um problema inútil, quer pela senhora ciosa das prioridades, quer por mim nas tintas para elas, tendo em conta a sua inutilidade.
Mas a coisa continuou: por comodidade, eu continuei na cadeira de rodas. Na altura de assinar, a funcionária, preocupada com a minha condição, perguntou-me se sabia escrever... Nessa altura, leu o meu nome completo e apercebeu-se de que ela tinha sido auxiliar numa equipa que eu tinha coordenado (dirigido), onde lhe foram dadas todas as condições para estudar e progredir para um serviço de secretariado. A cara dela não me era estranha. Nem me era estranha a ideia de que cadeira de rodas, para muitos, significa limitações muito para além do que o bom senso pode indicar.
O que fez então essa funcionária? Levantou-se, veio cumprimentar-me efusivamente e atrasou ainda mais o seu trabalho. Valha-lhe Deus. É boa pessoa, mas tem de ser um pouco mais sensata.