terça-feira, 7 de julho de 2009

ABRIR OS OLHOS II


O Ministro das Finanças, talvez o ministro menos dado a fantasias deste governo de Portugal, declarou com satisfação que a participação dos salários da função pública no PIB desceu 1,6%. Disse-o com a satisfação de quem acha que cumpriu um dever patriótico.

Eu até estaria de acordo com ele, se a participação dos salários em geral no PIB não tivesse baixado igualmente. Na verdade, o que esta redução da participação dos salários na riqueza nacional significa é um considerável aumento das desigualdades, face à apropriação de riqueza por conta do capital. Perante a crise do capital, das finanças, fica óbvio que a concentração de riqueza nas instituições, que lucram com a redução da riqueza afecta ao trabalho, é um perigo para as próprias instituições financeiras. O capital não subsiste sem trabalho; o capital deveria, portanto, valorizar o trabalho e ter orgulho nisso.

A ganância das instituições financeiras e dos accionistas não é coisa nova: pelo contrário, é a sua postura natural. O que aconteceu, e continua acontecendo, é uma desregulação da ganância. Mais do que da desatenção das entidades de regulação da actividade financeira e especulativa, essa desregulação tem origem na fragilidade negocial dos assalariados, dos trabalhadores por conta de outrem. Manter o emprego tornou-se mais importante do que ser bem pago...

Assim, na zona euro, o crescimento teria sido nulo já em 2002, não se desse o caso de as famílias assalariadas se endividarem. A conservação do poder de compra das famílias assalariadas deixou de ser assegurada pelo trabalho e passou a ser apoiada pela actividade financeira e especulativa. Esta estratégia, se fosse de curta duração, poderia ter ajudado a redefinir o sistema de distribuição da riqueza. Mas ela foi prolongada por interesses obsessivos no lucro financeiro. Com efeito, a participação dos salários na riqueza nacional não deixou de descer em toda a União Europeia desde 2002. O resultado, na Europa, como nos Estados Unidos onde se passou o mesmo, é o que se vê. A perda de capacidade de endividamento das famílias, não sendo compensada com o aumento da sua participação na riqueza, isto é, com aumentos de salários, conduziu inevitavelmente à redução do crescimento económico.

No meio disto tudo, veio a descobrir-se aquilo que dificilmente seria descoberto, se a crise não explodisse como explodiu: que a concentração de riqueza é sempre acompanhada de desonestidades. Mas sempre foi assim...

Os desonestos devem pagar pelos crimes e abusos que cometeram. Mas o mais importante é que os governos assumam a sua missão de garantir uma justa distribuição da riqueza nacional. Essa é a única forma eficaz de regular "o mercado", sem revoluções ou revoltas sociais.

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