quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Tratado Plítico - Espinosa

A soberania, qualquer que seja a sua expressão, esbarra sempre na opiniào dos súditos, da qual tenta apossar-se através da propaganda''', mas que não deixa jamais de se apresentar como ameaça e de se desenvolver como potência que resiste, através da permanente alteração dos afetos e da variação das potências individuais.
Nenhum contrato anula a natureza. Nenhuma sociedade pode pensar-se a partir de uma ideia de indivíduo abstratamente reduzido a um átomo de racionalidade. Daí o modo incisivo como Espinosa esclarece, logo em 1674, na conhecida carta a ]arig ]elles, comerciante, amigo e destinatário de vária outra correspondência, o que o separa do autor do Leviatã:
"tal, mesmo que justamente, recupera o direito a defender a sua vida, se
necessário contra o soberano, uma vez que o contrário seria incoerente
com a razão que justifica o pacto, ou seja, o acréscimo das garantias de
sobrevivência. Mais do que uma refutação radical de Hobbes, parece haver
aqui, sobretudo, uma diferente concepção da natureza humana e, por
conseguinte, daquele reduto essencial que é impossível de transferir por
pactos#.
14. Espinosa aponta como exemplo extremo o da história dos judeus, cuja religião os tentava integrar através de rituais, de tal modo que eliminava toda a espontaneidade no quotidiano e na vida em geral, ordenando tudo, desde o modo como se devia fazer a barba ou comer, até a forma como lavrar, semear ou ceifar: "o objetivo das cerimônias foi, portanto, fazer com que os homens não fizessem nada por sua própria deliberação, mas tudo a mando de outrem". TFP, capo v, G Ill, 75-76, trad., cit., p. 198. O próprio Hobbes, num registro obviamente diferente, já alertava para "as doenças de um Estado que derivam do veneno das doutrinas sediciosas" CLez;iatã,

"Quanto à diferença entre mim e Hobbes, acerca da
qual me interroga, ela consiste em que eu mantenho sempre
intacto o direito natural e sustento que, em qualquer urbe,
não compete ao supremo magistrado mais direito sobre os
súditos senão na medida em que ele supera em poder o súbdito,
coisa que tem sempre lugar no estado natural. I';

Quer isto dizer, antes de mais, que para Espinosa o direito que cada um possui - governante ou governado, soberano ou súdito, estado ou indivíduo - não é mais nem menos que a sua potência ou capacidade de afirmar e realizar o que deseja. Na medida em que a natureza, sendo o todo, não conhece ordenação exterior nem limites de espécie alguma, também cada uma das suas partes nào conhece senão os limites que as restantes lhe possam  impor. A formulação do TP não deixa dúvidas: "Por direito de natureza eu entendo as próprias leis da natureza, ou as regras segundo as quais todas as coisas sâo produzidas, quer dizer, a própria potência da natureza". 
É por isso que o direito natural da natureza inteira e, por conseguinte, o de cada indivíduo estende-se até onde se estende a sua potência.  O direito natural não corresponde, pois, a nenhuma ordem cosmológica ou teológica previamente dada, à qual o relacionamento entre os indivíduos tivesse de submeterse. 

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