terça-feira, 8 de julho de 2008

VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL DOS PROFESSORES - segundo MEL AINSCOW


A valorização profissional dos professores



Como podemos, então, ajudar os professores a organizar as suas salas de aula, de forma a assegurarem uma aprendizagem de sucesso a todos os seus alunos? Existe uma ampla fonte de recursos relacionados com esta questão e que provém dos inúmeros trabalhos de investigação que têm sido realizados em relação à eficácia do trabalho dos professores (e.g. Bennett, 1991; Fuller e Clark, 1994; Hopkins et al., 1994; Porter e Brophy, 1988). Podemos também basear-nos no conhecimento que temos de professores excepcionais que têm sido capazes de criar ambientes educativos em que os diferentes alunos, com os mais diversificados percursos de escolarização, conseguem participar, para os quais conseguem contribuir e experimentar sentimentos de sucesso. No entanto, a minha preocupação nesta comunicação não diz respeito às características da eficácia mas, antes, à procura de formas de fazer avançar a prática.

Ao longo destes últimos seis anos, aproximadamente, tenho tido o privilégio de trabalhar lado a lado com colegas de muitos países na prossecução desta tarefa. O nosso trabalho tem sido realizado no contexto do projecto da UNESCO de formação de professores, " Necessidades Especiais na Sala de Aula" (Ainscow, 1993a e 1993b; 1994a e 1994b; Ainscow et al., 1995). Trabalhando em conjunto, temos tentado desenvolver estratégias, quer a nível da formação inicial, quer da formação contínua, que sejam capazes de ajudar os professores a adoptar formas de trabalhar que tenham em conta todos os alunos da classe, incluindo os que apresentem dificuldades de aprendizagem.

A partir desta experiência extensiva, que implicou cerca de 50 países, descobrimos que alguns factores são especialmente importantes. Talvez de forma surpreendente, verificámos que a existência de recursos materiais, embora muito útil, constitui muito raramente o factor-chave. Muito mais relevante é a forma como a tarefa é conceptualizada. A este respeito parecem ter importância as seguintes estratégias para a valorização profissional dos professores:

* Oportunidades de considerar novas possibilidades

* Apoio à experimentação e reflexão

Vou considerar cada uma separadamente.

Ao encorajarmos os professores a explorarem formas de desenvolver a sua prática, de modo a facilitar a aprendizagem de todos os alunos, estamos, porventura, a convidá-los a experimentarem métodos que, no contexto da sua experiência anterior, lhes são estranhos. Consequentemente, é necessário empregar estratégias que lhes reforcem a autoconfiança e que os ajudem nas decisões arriscadas que tomaram. A nossa experiência diz-nos que uma estratégia eficaz consiste em implicar a participação dos professores em experiências que demonstrem e estimulem novas possibilidades de acção.

No âmbito do Projecto da UNESCO, damos especial relevo à aprendizagem a partir da experiência. Tendo isto em mente, organizamos seminários, orientados por pessoas altamente competentes na organização de sessões em que os participantes têm oportunidade de experimentar uma diversidade de estratégias de aprendizagem activa. Deste modo, são levados a considerar a vida na sala de aula a partir do ponto de vista dos alunos e, ao mesmo tempo, relacionar estas experiências com a sua própria prática na escola.

As sessões do seminário dão ênfase a três factores-chave que parecem ter grande influência na criação de salas de aula mais inclusivas. A primeira relaciona-se com a importância da planificação para a classe, como um todo. A este respeito, na educação especial, cometemos um erro táctico ao colocarmos uma ênfase exagerada na planificação individual. Embora isto possa ter sido apropriado quando o nosso trabalho se realizava em contextos limitados e separados, torna-se, em grande medida, impraticável no âmbito da integração na escola regular. Neste caso, a preocupação central do professor tem a ver com a planificação das actividades que dizem respeito à classe, no seu conjunto. Pode também argumentar-se que uma sobre-valorização da planificação individual do tipo daquela que tem sido dominante no sector das necessidades educativas especiais, distrai a atenção em relação a outros factores contextuais que podem ser utilizados para estimular e apoiar a aprendizagem de cada elemento da classe. Isto leva-nos ao segundo factor-chave.

Para além de realizar uma planificação que abranja todas as crianças, concluímos que é útil que os professores sejam estimulados a utilizar de forma mais eficiente os recursos naturais que podem apoiar a aprendizagem dos alunos. Refiro-me, de forma particular, a um conjunto de recursos que estão disponíveis em todas as salas de aula e que, no entanto, pouco têm sido utilizados: os próprios alunos. Em cada classe os alunos representam uma fonte rica de experiências, de inspiração, de desafio e de apoio que, se for utilizada, pode insuflar uma imensa energia adicional às tarefas e actividades em curso. No entanto, tudo isto depende da capacidade do professor em aproveitar esta energia. Isto é, em parte, uma questão de atitude, dependendo do reconhecimento de que os alunos têm a capacidade para contribuir para a respectiva aprendizagem; reconhecendo igualmente que, de facto, a aprendizagem é, em grande medida, um processo social. Isso pode ser facilitado através da ajuda concedida aos professores no desenvolvimento das competências necessárias para organizarem classes que encorajem este processo social de aprendizagem.

Neste ponto, podemos aprender muito com alguns países em desenvolvimento onde as limitações de recursos levaram a reconhecer o potencial do "poder dos pares", através do desenvolvimento dos programas "criança-a-criança" (Hawes, 1988). O interesse sentido recentemente em muitos países ocidentais pelo trabalho de grupo cooperativo levou, também, ao desenvolvimento de habilitações que capacitam os professores a criar ambientes mais ricos sob o ponto de vista educativo (e.g. Johnson e Johnson, 1994). Contudo, a introdução destas estratégias parece exigir mais do que o conhecimento de técnicas. O que é importante é a capacidade de resposta dos professores ao feedback dado pelos alunos, à medida que se desenvolvem as actividades na classe.

Isto leva-nos ao que consideramos como o terceiro factor-chave da criação de salas de aula mais inclusivas, i.e. a improvisação; por outras palavras, a capacidade de modificar planos e actividades à medida que ocorrem, em resposta às reacções dos alunos na classe. É essencialmente através deste processo que os professores podem encorajar uma participação activa e, ao mesmo tempo, ajudar a personalizar para cada aluno a experiência da aula.

Esta orientação acompanha o pensamento actual no mundo da formação dos professores em que se aceita, de forma crescente, que a prática se desenvolve a partir dum processo fundamentalmente intuitivo, através do qual os professores ajustam os seus planos de aula, a sua actuação e as suas respostas à luz do feedback dos elementos da sua classe. (Huberman, 1993). As mudanças na prática, quando ocorrem, parecem muitas vezes envolver pequenos ajustamentos, à medida que os professores aperfeiçoam os seus repertórios, em resposta a circunstâncias imprevistas, i.e. o que Schon (1987) refere como "surpresas". Raramente ocorrem mudanças globais, uma vez que os professores se mostram relutantes em abandonar formas de trabalhar que provaram ser eficazes em ocasiões anteriores. Tal como já sugeri, as mudanças significativas representam um enorme risco para qualquer professor e, além disso, trata-se dum risco que tem de ser corrido diante duma audiência observadora e potencialmente ameaçadora: a classe. No entanto, num sentido mais positivo, são as reacções desta mesma audiência que podem estimular o ajustamento, o qual parece ser um factor importante e necessário no desenvolvimento da prática.

Para além de se sublinhar a importância de se dar aos professores oportunidades de considerarem novas possibilidades, a outra estratégia que considerámos útil consiste no apoio à experimentação na sala de aula através de formas que encorajem a reflexão sobre as actividades. A chave desta estratégia situa-se na área do trabalho em equipa. Encorajamos, especificamente, os professores a formarem equipas e/ou partenariados em que os respectivos membros concordem em se ajudar uns aos outros a explorar aspectos da sua prática. Em geral, verificámos que é preferível que as equipas sejam constituídas por grupos de professores que trabalham com alunos do mesmo grupo etário ou que ensinam as mesmas matérias. Por exemplo, pode-lhes ser sugerido que seleccionem um tema de trabalho ou um tópico e que considerem como pode aquele ser planificado de forma a incorporar estratégias que foram previamente discutidas nas reuniões da equipa. Encorajam-se, igualmente, os professores a formar partenariados de ensino que podem apoiar-se uns aos outros no processo de desenvolvimento daquilo que foi previamente planeado. O papel dos membros destas equipas de partenariado consiste em estar em conjunto na sala de aula, durante determinados períodos de experimentação, algumas vezes ensinando em simultâneo ou, ocasionalmente, observando-se uns aos outros de forma mais sistemática, de modo a proporcionar um feedback e um apoio à medida que são exploradas novas possibilidades. Estas formas de apoio na classe têm-se revelado extremamente eficazes como meios de facilitar o aperfeiçoa­mento das práticas de sala de aula, o que confirma as conclusões de outros estudos. (e.g. Joyce e Showers, 1988).

Através de todos estes processos de trabalho em equipa e em partenariado é dada uma forte ênfase àquilo que Gitlin (1990) chama "diálogos". Estes vão muito além de simples discussões, de modo a criar formas de interacção que encorajem o aparecimento de formas alternativas de encarar tarefas e problemas particulares. Isto conduz-nos ao que Aoki (1984) chamou "uma aventura crítica", em que uma comunidade de professores, envolvida numa acção de aperfeiçoamento, utiliza as suas múltiplas perspectivas como oportunidades para uma reciprocidade de interpretação. Durante estes diálogos, os professores são estimulados e empreender formas de reflexão sobre a eficácia daquilo que fazem com os seus alunos, a qual está para além da simples consideração sobre o facto de serem ou não bem sucedidos. Ajudam, antes, os professores a considerar o porquê daquilo que fazem, quais as influências que levaram a estas respostas e, como resultado disso, que outras possibilidades foram encaradas.

Esta forma de reflexão crítica, realizada em colaboração com os colegas, é especialmente importante na área das necessidades educativas especiais. Neste ponto, a nossa tradição levou-nos a conceptualizar o trabalho duma forma relativamente estreita, em que foram excluídas muitas possibilidades que poderiam ter gerado melhores oportunidades para as crianças que pretendemos ajudar. Especificamente, as nossas tradições levaram-nos a olhar para o nosso trabalho fundamentalmente em termos técnicos. (Heshusius, 1989; Iano, 1986). Isto conduziu à preocupação de encontrar os métodos de ensino e os materiais "certos" para os alunos que não respondem às estratégias estabelecidas. Nesta formulação está implícito o ponto de vista de que as escolas são organizações racionais que oferecem um conjunto de oportunidades apropriadas; que os alunos que experimentam dificuldades o fazem por causa das suas limitações ou desvantagens; e que eles, consequentemente, têm necessidade de uma forma qualquer de intervenção especial (Skrtic, 1991). A minha ideia é que, através destas concepções, que levam a procurar as respostas para as crianças consideradas como especiais, somos levados a ignorar vastas oportunidades de aperfeiçoamento das práticas pedagógicas.

Aceito, evidentemente, que é importante identificar estratégias úteis e prometedoras. No entanto, pretendo argumentar que é errado assumir que a utilização sistemática da repetição de determinados métodos conduzirá a uma aprendizagem eficaz, especialmente se se tratar de populações que têm sido objecto de maus tratos ou exclusão escolares. Esta sobrevalorização dos métodos tem servido, muitas vezes, para desviar a atenção de questões mais importantes, tais como: "porque é que numa determinada sociedade, ou numa escola, alguns alunos não conseguem aprender?"

Consequentemente, é necessário passar de uma visão estreita e mecanicista do ensino para uma outra de características mais vastas e que tome em consideração factores contextuais mais alargados, incluindo dimensões comunitárias e organizacionais (Skrtic, 1991). Em particular, é importante que, enquanto educadores, rejeitemos o que Bartolome (1994) refere como "métodos fetichistas", de modo a criar um ambiente educativo determinado pela acção e pela reflexão. Desta forma, pelo facto de se libertarem da adopção acrítica das chamadas estratégias eficazes, os professores podem começar a reflectir sobre os processos que lhes permitirão recriar e inventar métodos de ensino e materiais, partindo das realidades contextuais que podem limitar ou expandir as possibilidades de desenvolvimento da aprendizagem. Em particular, é importante que os professores tenham presente que os métodos são construções sociais que se baseiam e reflectem ideologias que podem impedir-nos de compreender as implicações pedagógicas das relações de poder no seio da educação.

Enquanto professores, devemos lembrar-nos que as escolas, tal como outras instituições da sociedade, são influenciadas pelas percepções do status socioeconómico, da raça, da língua e do sexo. Consequentemente, é necessário questionar a forma como estas percepções influenciam a dinâmica da classe. Deste modo, os métodos actuais, caracterizados por uma discussão restrita, devem ser ampliados de forma a revelar o quão profundamente a orientação baseada na deficiência influencia o modo como encaramos a "diferença". Como professores, devemos estar constantemente vigilantes e perguntar em que medida esta orientação influenciou a nossa percepção dos alunos que acabaram por ser considerados como especiais.

As estratégias de ensino não são desenvolvidas nem imaginadas no vazio. A elaboração, selecção e utilização de determinada abordagem ou estratégia de ensino nasce das percepções acerca da aprendizagem e acerca dos alunos. Defendo que mesmo os métodos pedagogicamente mais avançados correm o risco de se tornar ineficazes nas mãos de educadores que, implícita ou explicitamente, subscrevem um sistema conceptual que encara alguns alunos, na melhor das hipóteses, como limitados e com necessidade de recuperação, ou, na pior das hipóteses, como deficientes e sem possibilidade de recuperação. Nos últimos anos, de facto, o modelo baseado na deficiência tem sofrido imensas críticas no sector da educação especial (e.g. Ainscow, 1991; Barton, 1993; Dyson, 1990; Fulcher, 1989; Oliver, 1988). Consequentemente, temos assistido a uma mudança de pensamento que transfere as explicações sobre os insucessos educativos das características das crianças e respectivas famílias para o processo da escolarização. Isto tem levado à introdução de abordagens baseadas num ponto de vista interactivo. No entanto, acabei por convencer-me que, apesar das boas intenções, as abordagens baseadas nesta perspectiva fazem, muitas vezes, surgir uma versão mais suave, mais liberal e portanto mais restrita do modelo baseado na deficiência que considera as crianças especiais como tendo necessidade de educação especial, i.e. de abordagens pedagógicas que não se justificam para as outras crianças. Assim, apesar dos movimentos em prol da integração das crianças ditas com necessidades educativas especiais, com uma ênfase nas abordagens tais como a diferenciação curricular e um apoio adicional na sala de aula, a orientação baseada na deficiência continua a estar profundamente enraizada em muitas escolas e salas de aula.

Paralelamente, as abordagens educativas desenvolvidas no âmbito do projecto da UNESCO, com a ênfase colocada na aprendizagem activa e no trabalho cooperativo de grupo, podem ajudar a criar ambientes mais adequados à aprendizagem, em que os alunos são tratados como indivíduos, embora, ao mesmo tempo, tomem parte em experiências que encorajam a maior realização possível. No entanto, quando estas abordagens são aplicadas de forma acrítica, podem conduzir a formas de trabalhar que continuam a manter, em relação a certas crianças, os pontos de vista baseados na deficiência. Assim, é necessário ajudar os professores a aperfeiçoar-se como profissionais mais reflexivos e mais críticos, de modo a ultrapassarem as limitações e os perigos das concepções baseadas na deficiência. Só deste modo poderemos assegurar que os alunos que sentem dificuldades na aprendizagem possam ser tratados com respeito e olhados como alunos potencialmente activos e capazes; só assim, poderemos utilizar as respostas dadas por estes alunos como estímulos ao aperfeiçoamento dos professores.

Assim, em resumo, tenho vindo a reconhecer que a forma mais apropriada de ajudar os professores a responder às dificuldades educativas implica a inclusão e a exploração da influência dum conjunto de factores contextuais nos conceitos e nas práticas profissionais. Deste modo, é possível sensibilizar os professores a novas formas de pensar que lhes desvendarão novas possibilidades para o aperfeiçoamento da sua prática na sala de aula. Isto implica que não nos limitemos a preocupar-nos com métodos e materiais, e que levemos os professores a tornar-se pensadores reflexivos e a sentirem a confiança suficiente para experimentarem novas práticas, à luz do feedback que recebem dos seus alunos. Isto também exige da sua parte que se libertem da orientação baseada na deficiência, a qual continua a exercer uma poderosa influência. Consequentemente, o processo de reflexão deve incluir uma preocupação com as próprias concepções dos professores e um exame sobre a forma como estas são moldadas por contextos factuais mais vastos.

Assim, embora a reflexão seja uma condição necessária para a formação profissional, não é suficiente. Tem de ser acrescida por confrontações com pontos de vista alternativos. Daí a necessidade de se criarem oportunidades para realizar experiências de demonstração de formas diferentes de trabalhar em colaboração com os colegas.

À luz desta conceptualização, considerei importante, no meu trabalho, empenhar-me em programas de valorização profissional de professores situados dentro das escolas e das salas de aula. À medida que procuro ajudar os professores a desenvolverem uma forma mais reflexiva de responder, através da sua prática, às dificuldades educativas, realizo quanto é necessário considerar a forma como os factores organizacionais influenciam as suas percepções, as suas atitudes e as suas respostas. Em particular, preciso de adoptar modos de trabalhar que encorajem formas de colaboração, as quais incluam um compromisso com pontos de vista alternativos. Isto leva-nos à questão do aperfeiçoamento das escolas.

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