sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A EXCELÊNCIA E A DIFERENÇA

A EXCELÊNCIA E A DIFERENÇA (PUBLICADO EM: November 07, 2007 11:16 PM por Contracorrente Arquivado em: Educação)

Após vinte cinco anos a pregar no deserto, decidi, há um ano, abandonar definitivamente o ensino, porque me convenci de que era completamente impossível introduzir no sistema qualquer medida que fosse minimamente inteligente. Com efeito, o sistema só está preparado para adoptar medidas estúpidas e irracionais, as únicas que colhem o aplauso das nossas elites.



Mas se, com a estupidez, tenho ainda alguma condescendência, com a hipocrisia não tenho nenhuma. Por isso, desafio as pessoas que gostam de dar palpites sobre a Educação, inclusive a ministra, o primeiro-ministro e o Presidente da República, a responderem à seguinte questão: são ou não são favoráveis à escolaridade obrigatória?



É bom não esquecer, a título de exemplo, que a Academia de futebol do Sporting só consegue excelentes resultados porque pode seleccionar os melhores praticantes a nível nacional. Porque, se fosse obrigada a receber todos os praticantes do concelho de Alcochete e a aguentá-los lá até aos juniores, os resultados não seriam os mesmos. Obviamente. Por muito boas que sejam as instalações, por muito bons que sejam os treinadores, por muitos treinos que tenham, não se consegue fazer um Figo ou um Cristiano Ronaldo de um “perna-de-pau”. Sem matéria-prima não há resultados. O mesmo se passa nas nossas escolas.



Ora, quem é a favor da escolaridade obrigatória, não pode ter um discurso do género «quem sabe passa, quem não sabe chumba» em que está subjacente uma ideia de exigência, excelência e de rigor que é a negação pura da escolaridade obrigatória, porque pressupõe a existência de objectivos para cada disciplina antecipadamente fixados para cada ano de escolaridade.



As pessoas, em geral, e as nossas elites, em particular, confundem escolaridade obrigatória com a obrigação de ir à escola. São duas coisas completamente diferentes. A escolaridade obrigatória, ao contrário da obrigação de ir à escola, impõe que a escola se adapte ao tipo de alunos que recebe de forma a ser capaz de dar resposta às suas necessidades. Na escolaridade obrigatória, não pode haver objectivos antecipadamente fixados. Os objectivos têm de ser fixados tendo em conta cada aluno em concreto, consoante as suas capacidades, aptidões, nível de conhecimentos e ritmo de aprendizagem.



Ser exigente não é impor uma fasquia igual para todos os alunos. Não se pode exigir a um aluno aquilo que ele não pode dar. Se um aluno não consegue saltar um muro de meio metro de altura, não se pode colocar a fasquia a dois metros, mesmo que essa seja a altura que a maioria dos colegas da sua turma é capaz de saltar. Mas é precisamente isso que se faz nas nossas escolas. E depois admiram-se de que haja abandono escolar. Pudera! É como na fábula da raposa e da cegonha: se convidamos uma pessoa para vir comer à nossa casa, não lhe podemos pôr a comida num recipiente em que ela não consegue comer.



Além disso, a colocação de fasquias de conhecimento por anos de escolaridade, com base no aluno médio, tem um efeito perverso, uma vez que elimina precocemente indivíduos cujas capacidades ainda não desabrocharam completamente. Com efeito, é totalmente falsa a ideia de que as qualidades e as capacidades dos alunos podem ser comparadas nas mesmas idades. Ou seja, o facto de um aluno aos dez anos ser um aluno brilhante e outro da mesma idade ser um idiota não significa que, aos dezoito anos, as posições não se possam inverter completamente. Não é impossível que um aluno que só salte meio metro, quando os seus colegas saltam dois, possa vir, dentro de dois ou três anos, a saltar mais do que os seus colegas, se tiver o acompanhamento adequado. Agora não se pode é atirar o desgraçado para um canto da sala porque o professor não tem tempo para lhe dedicar, uma vez que só tem duas horas de aula por semana, tem um programa a cumprir e a maioria dos alunos da turma está numa fase muito mais adiantada. Ora, ninguém gosta de fazer o papel de burro… A reacção natural será o de passar a fazer o papel de insolente: «eu não faço, não é porque não saiba, mas porque não quero».



No entanto, por aquilo que eu leio e ouço, a maioria dos professores e as nossas elites são contra a escolaridade obrigatória. Defendem, antes, uma escola onde todos devem ser obrigados a ir mas onde só devem ficar aqueles que correspondam às expectativas do aluno médio tipo. Os restantes deverão reprovar tantas vezes quantas as necessárias até se convencerem de que o seu lugar não é ali. Acontece que as reprovações acabam por provocar o efeito precisamente contrário ao pretendido.



Com efeito, as reprovações dos alunos com menos aptidões, para além de não resolverem o problema destes alunos (que, o mais certo, se houver rigor, é reprovarem, de novo, no próximo ano), só servem para desestabilizar, por completo, a turma onde irão ser integrados no ano seguinte, tornando-a ainda mais heterogénea e qualitativamente pior. Ou seja, a turma que receber os alunos reprovados fica logo à partida coxa. Com a agravante de os alunos reprovados, por serem mais velhos, acabarem por liderar a turma, com toda a carga negativa que isso tem, com prejuízo evidente dos melhores alunos e da qualidade do ensino. As reprovações na escolaridade obrigatória têm o mesmo efeito numa turma que as pedras num carrinho de mão: quanto maior for a carga de pedras, mais dificuldade tem o professor de andar com o carrinho.



Por isso, das duas uma: ou defendemos a escolaridade obrigatória com todas as consequências que isso implica ou defendemos a ida obrigatória à escola para que se seleccionem os melhores.



Quem defende a segunda solução, deve defender a exclusão por faltas e as reprovações de quem não atinja os objectivos mínimos antecipadamente fixados para cada disciplina e anos de escolaridade. Mas quem defender esta solução tem de ter também a coragem de defender que os alunos excluídos e reprovados abandonem o ensino. Ninguém tem o direito de humilhar, durante vários anos, uma criança ou um jovem exigindo-lhe, logo à partida, aquilo que sabe que ele não pode dar.



Por outro lado, quem defende (como eu) a escolaridade obrigatória, tem de defender uma escola preparada para dar resposta a todos os alunos que recebe, tendo em conta as suas capacidades, aptidões, nível de conhecimentos e ritmos de aprendizagem. Tem de ser uma escola para todos: para os super, para os médios e para os mais limitados. E o sucesso desta escola tem de ser medido por aquilo que acrescenta a cada aluno e não pelo resultado dos seleccionados para os exames finais.

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