domingo, 10 de março de 2013

Fazer-se ouvir e ser-se escutado

Há quem critique o Presidente da República por não falar, ou não falar o suficiente. Mas depois, quando ele fala, ficam esses críticos calados. Pois bem, eu não sou desses. Não porque tenha algo de importante para dizer, mas tão só porque me sinto na obrigação de dizer alguma coisa.
Disse, então, o Presidente que "aqueles que fizeram ouvir a sua voz têm de ser escutados".
Ora, esta frase é muito mais profunda ou complexa do que aquilo que possa parecer à primeira vista. Pelo menos duas interpretações são possíveis:

  1. Primeira interpretação: "aqueles que fizeram ouvir a sua voz têm de ser escutados" é uma evidência do tipo da frase "o triângulo tem três lados". Neste caso, aqueles que se fizeram escutar também têm de ser ouvidos, tal como uma figura de três lados é um triângulo, tanto quanto um triângulo é uma figura de três lados. E está tudo bem, neste caso.
  2. Segunda interpretação: se o que o Presidente quis dizer foi que "se alguém fez ouvir a sua voz, então tem de ser escutado", tal como poderíamos dizer "se está a chover, então o chão está molhado", a coisa fica mais complexa. É que, neste caso, ela não quer dizer que quem tem de ser escutado é quem se fez ouvir, tal como o facto de o chão estar molhado não quer dizer forçosamente que tenha chovido. Pode ser escutado até só quem não se fez ouvir, como por exemplo, o próprio Presidente que estaria a ser escutado sem ter de se fazer ouvir.
Não se pense portanto que estas afirmações presidenciais podem ser desprezadas. Elas devem, pelo contrário, ser levadas muito a sério, como eu faço, como estou a fazer agora mesmo. Na minha opinião, deveria mesmo ser organizado um Congresso para esclarecer o complexo pensamento do Presidente.
Em todo o caso, só há duas coisas que se fazem ouvir:
  1. uma é "não aguento mais";
  2. a outra é "ai aguentas, aguentas"
Por prudência, e tendo em conta que a única que tem alguma possibilidade de corresponder a algum saber sobre alguma coisa é "não aguento mais", porque aqui o sujeito fala de si mesmo (na frase 2, o sujeito fala de outros, que desconhece completamente), a única coisa de jeito que se faz ouvir é justamente "não aguento mais". Tudo o resto é treta para adormecer crianças.
Há por aí alguém que esteja a escutar isto? 
Talvez seja melhor não me fazer ouvir, pode ser que alguém me escute.

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