sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Multiplicador orçamental de Eichengreen é o dobro do de Gaspar


POLÉMICA CONTINUA

Multiplicador orçamental de Eichengreen é o dobro do de Gaspar

1,6 é o cálculo dos académicos Barry Eichengreen, de Berkeley, e Kevin O'Rourke, da Universidade de Oxford, para o "multiplicador da austeridade". O FMI tinha "chocado" recentemente os políticos e os técnicos apontando para um intervalo entre 0,9 a 1,7. Vítor Gaspar afirmou hoje estar a ser usado em Portugal um multiplicador de 0,8 .

Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)
21:38 Quarta feira, 24 de outubro de 2012
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O multiplicador orçamental deve estar próximo de 1,6, segundo divulgam Barry Eichengreen e Kevin O'Rourke, dois académicos reputados. Ou seja, no contexto da atual Grande Recessão iniciada em 2008, por cada euro que os governos nos países desenvolvidos cortam nos seus orçamentos anuais o efeito negativo no produto deverá estar próximo de 1,6 euros. Uma poupança de um euro nas contas públicas gera uma machada no PIB muito superior aos 50 cêntimos que implicitamente os governos e instituições internacionais tomavam em consideração.
Numa coluna no blogue europeu "Vox" (Voxeu.org), intitulada "Medindo o Multiplicador, Lições da História ", Eichengreen, professor de Economia e Ciência Política na Universidade da Califórnia em Berkeley, e O´Rourke, professor de História Económica, um irlandês atualmente a lecionar no All Souls College da Universidade de Oxford, em Inglaterra, avançam com este cálculo. E afirmam que não ficaram "chocados" com a revelação e penitência feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), através de agora famosa "caixa técnica" (a páginas 41 a 43 do capítulo 1) do ""World Economic Outlook" ", assinada pelo conselheiro económico do Fundo, Olivier Blanchard, e pelo investigador Daniel Leigh. Este último já em julho de 2011 havia chamado a atenção para o efeito negativo das políticas de austeridade no quadro da atual Grande Recessão, e em particular para um choque ainda mais acentuado na economia quando os ajustamentos se baseiam na receita fiscal, sobretudo depois do primeiro ano. Neste último caso, o efeito negativo pode ser de 1,29.

"Os políticos europeus que erraram têm dificuldade em recuar"


Eichengreen e O'Rourke suspeitam que os responsáveis europeus, ainda que "expressando choque e ultraje em relação à descoberta desconfortável feita pelo FMI, estavam também conscientes do que se estava a passar 'aqui' [na zona euro], muito antes do Fundo ter trazido o assunto à atenção mundial".
E concluem sobre este aspeto político: "A questão agora que foram forçados a enfrentar publicamente o problema, é saber se estão finalmente preparados para traduzir a consciência do assunto em ação".
Os dois académicos foram mais longe do que os cálculos recentes do FMI para um grupo de 28 países desenvolvidos desde 2009 publicados no último "World Economic Outlook" divulgado este mês em Tóquio na reunião da instituição liderada por Christine Lagarde. O estudo de Eichengreen e O´Rourke, realizado com Miguel Almunía, Agustín Bénétrix e Gisela Rua, baseia-se num conjunto de 27 países (incluindo Portugal) no período de 1925 a 1939, incluindo a Grande Depressão, da última vez que a política monetária se baseou em taxas de juro próximas de zero por cento e a situação do sistema bancário estava disfuncional, segundo sublinham os autores. Os resultados da investigação já haviam sido publicados no artigo "From Great Depression to Great Credit Crisis: similarities, differences and lessons" em abril de 2010 na revista "Economic Policy", pelo que estavam disponíveis já há mais de dois anos.
Barry Eichengreen salientou ao Expresso quatro pontos básicos do estudo:
# "O que é importante para o multiplicador é se as taxas de juro estão próximas do nível mais baixo de zero por cento. A última vez que isto aconteceu nos países desenvolvidos foi nos anos 1930";
# "Os anos 1930 são o paralelo mais próximo que temos do atual ambiente nos países desenvolvidos em que os bancos centrais não conseguem contrabalançar a política orçamental expansionista (ou contracionista) aumentando (ou baixando) as taxas de juro";
# "Quando os consumidores e os bancos enfrentam constrangimentos de liquidez - quando não conseguem pedir emprestado - a política orçamental é provavelmente mais eficaz, e o multiplicador será maior. Eis outra razão para esperar um multiplicador mais elevado nos anos 1930 e hoje";
# "Muitos líderes europeus eram inicialmente ignorantes ou estavam em estado de negação sobre o facto de que as suas políticas de austeridade orçamental mergulhariam as economias europeias em recessão profunda. Eles estão agora associados politicamente a essas políticas, por isso, apesar de conhecerem o erro dos caminhos tomados, têm dificuldade em recuar".
Vítor Gaspar, ministro das Finanças, admitiu hoje, perante os deputados da Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, que, na atual proposta de Orçamento de Estado para 2013, foi levado em linha de conta um "multiplicador de cerca de 0,8 pontos", o qual "foi significativamente maior que os anteriores". Mesmo assim está abaixo do limite mínimo do intervalo referido pelo FMI e é metade do sugerido por este estudo de Eichengreen e O´Rourke.
Maior nos dois sentidos

Os académicos analisaram as políticas de aumento de despesa - ou seja, o contrário da austeridade - ligadas à defesa na época, que funcionou, então, como principal variável de política orçamental.
A conclusão, dizem os autores, é que o multiplicador orçamental é "muito maior" quando "as taxas de juro não respondem ao impulso orçamental, quer porque estão no limite mais baixo ou por outras razões". E é maior nos dois sentidos - quer no da expansão económica, como visavam as políticas orçamentais re-armamentistas dos anos prévios à 2ª Guerra Mundial, quer no da contração quando se aplicam políticas de austeridade, como por exemplo as políticas extremas aplicadas na Alemanha pelo chanceler Heinrich Bruning, conhecido como o "chanceler da fome", entre março de 1930 a maio de 1932.
Regressando à atualidade, as políticas de austeridade para além de não serem sequer "expansionistas" ou mesmo estagnantes, são fortemente contracionistas nos países desenvolvidos. O que estaria a atrasar nomeadamente a resolução da crise das dívidas soberanas na zona euro e a provocar a recaída na recessão este ano em todo o espaço da moeda única (prevendo-se uma recessão ligeira de 0,4%). O facto é que, o que se julgava uma crise curta conduzindo a uma retoma. tornou-se uma trajetória declinante na zona euro após o pico da crise: recessão de 4,3% em 2009, crescimento de 2% em 2010, abrandamento para 1,4% em 2011, e previsão de contração de 0,4% este ano.


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