sábado, 2 de abril de 2011

A Insuportável Ligeireza do Debate ou o Apelo ao Vómito

Abriu a época do apelo ao voto.
Nas condições em que se deu início a esta campanha e pela forma como está a decorrer, para mim, os dirigentes partidários não estão a fazer um apelo ao voto, mas um honesto, sincero e responsável apelo ao vómito.
Há aqueles que afirmam agora que apoiam o governo se este decidir pedir ajuda ao FMI. Isto é:
  • Reprovaram o Plano de Estabilidade e Crescimento porque, entre outras coisas, foi apresentado na Europa, antes de ser apresentado no Parlamento, e agora acham que um qualquer Plano, igual ou pior, deve ser negociado directamente com as instituições europeias, sem debate prévio ou posterior no Parlamento. Aprovam, assim, aquilo que reprovam.
Há aqueles que acham que os orçamentos da CP e de outras empresas públicas fazem parte do orçamento geral do Estado que é aprovado há mais de quarenta anos sem a inclusão dessas empresas e, que, por isso, quem não o fez foi desonesto e mentiroso.
Não sabem distinguir a realidade das convenções estatísticas. Não percebem sequer que a nova convenção estatística, que leva à inclusão de orçamentos que nunca foram sequer discutidos, muito menos aprovados, no Parlamento, só tem a vantagem de favorecer, não mais do que por um ano económico, o governo (e as suas contas) que decida privatizá-las.
É, portanto, uma convenção pseudo-técnica com uma agenda ideológica indisfarçável, mas que, podendo criar resistências no povo eleitor, é simulada por uma operação plástica que estica a pele até ao ponto em que um sorriso do povo arraste inevitavelmente consigo uma perna que lhe dê um pontapé no rabo.
Quem se apresenta deste modo ao povo, está, de facto, a fazer uma apelo ao vómito. Mas, desta vez, honesto sincero e responsável.

Há aqueles que atiraram para o lixo a matriz ideológica com que ganharam as eleições e fizeram "reformas estruturais", por exemplo, na educação, que são, na melhor das hipóteses, reformas centradas, não na melhoria da educação, mas da administração do Estado, como se fosse possível e desejável uma boa administração de escolas sem qualidade. Uma boa administração de uma coisa má é, por via da necessidade das coisas, uma solução péssima, mesmo pior do que uma má administração.

Há aqueles que, governando numa matriz ideológica crente nas funções do Estado como garante da liberdade, da justiça e da igualdade, promoveram reformas na linha da anarquia mitigada, insistentemente proposta pelos crentes em ideologias libertárias.
Não entendem a diferença que existe entre:
  • aqueles que defendem a promoção do equilíbrio da liberdade com a justiça e a igualdade, ou então, se agruparmos a justiça e a igualdade, entre a liberdade e a equidade, certos de que esse equilíbrio implica perdas e ganhos em cada um desses valores, e de que, em suma, a política e a vida em sociedade implicam "jogo limpo" (fairness) consciente e deliberado;
  • e aqueles outros que subordinam a justiça e a igualdade (ou equidade, ou ainda jogo limpo) à liberdade individual, à livre iniciativa sem regras nem constrangimentos a priori, demasiado crentes numa justiça a posteriori.
E, praticantes de uma política pragmática, conduziram o país, como muitos estão a conduzir o Planeta para uma anarquia mitigada por estados justicialistas e policiais, sem outra função que não seja a de impedir a revolta dos mais fracos.

São estes os que fazem apelo ao voto. Pois, a mim, só estão a conseguir fazer um violento apelo ao vómito, pela "insustentável leveza", ou insuportável ligeireza com que vendem a sua propaganda.

Não estamos em tempos de stalinismo, leninismo, trostkismo, maoísmo, mas, pela mesmíssima razão que é a de que o tempo é outro, não estamos em tempos de liberalismo que o mesmo é dizer de anarquia mitigada (isto é, à letra: sem governo para aquilo que interessa a todos, o bem-estar e a dignidade, mas com governo que evite a "desordem pública" que os "sem mérito" poderiam provocar).

Para este tempo, precisamos de políticos muito diferentes da miséria que governa a Europa:
  • Não precisamos de uma Chanceler alemã que, para evitar perder as eleições, adia decisões políticas que poderiam ter evitado o agravamento da crise na Grécia, na Irlanda e em Portugal, e que, mesmo assim, as está merecidamente a perder todas.
  • Não precisamos de um Presidente francês que se aguenta à carga com um défice de 6% previsto para 2011, para não perder eleições, e que, mesmo assim, as está a perder à grande e à francesa.
  • Não precisamos de um Presidente português que disse o que disse na sua tomada de posse, para depois dizer que aquilo que disse não era aquilo que queria dizer, como se não soubesse dizer aquilo que quer dizer.
  • Não precisamos de um líder da oposição em Portugal que limpa graciosamente a toalha da mesa antes de pegar no copo para beber água.
  • Não precisamos de um 1º Ministro de Portugal que se atira para a piscina sem saber nadar e se põe a pedir socorro e a dizer que o afogam.
  • Não precisamos de um líder que fala da lavoura como se soubesse pegar numa enxada e que lavra como as meninas do Sado com as unhas dos pés, e que fala da polícia como se estivesse ele próprio em risco de pegar em armas.
  • Não precisamos de trotskistas, nem de stalinistas, nem de leninistas.
Não sei muito bem do que precisamos, mas desta gente não precisamos seguramente.

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