Na verdade, não discuto o apreço que é nutrido por Manuela Ferreira Leite no seu círculo de amigos e fans. Acredito mesmo, convictamente, que esse apreço é merecido e que a mais alta comenda, que lhe foi atribuída, fica muito aquém do reconhecimento que lhe é devido pelos amigos e fans.
Mas que fez ela de meritório por Portugal? Foi ministra da Educação? Sim, mas que fez ela nessa qualidade? Ocupou esse lugar no período decadente do cavaquismo e nem tempo teve para fazer o que quer que fosse de politicamente estruturado, admitindo que tivesse alguma ideia sobre o que devia fazer. A culpa não foi sua, é certo. Mas a distinção entre aquilo que fez e nada não é tão evidente quanto deveria ser.
Foi ainda ministra das Finanças. E o que fez ela nessa qualidade? Na verdade, também não lhe foi dado tempo para resolver problema algum. O chefe do seu governo foi acometido por uma necessidade prepotente de emigrar e fazer pela vidinha, e o governo caiu. A ministra das Finanças poderia vir a fazer algo de útil, mas não fez nada.
Foi a primeira mulher líder de um partido político em Portugal. O que fez ela nessa qualidade? Foi a eleições, perdeu e deixou de ser líder: basicamente, nada.
Acredito que o mérito que lhe é atribuído pelos seus amigos e fans tem todo o fundamento: ela será uma pessoa de brilhantíssimas qualidades. Dando-se o caso de ter sido condecorada pelo Estado português, o que está em causa não é, todavia, o reconhecimento que merece dos amigos, mas que tipo de obra dela deve ser reconhecida como de mérito para as actuais e/ou futuras gerações.
Pode ser que, agora comendadora, se dedique a esclarecer o seu pensamento político e venha a deixar obra reflexiva para o futuro, já que obra de acção parece estar fora das suas possibilidades. Só que a comenda deveria ter-lhe sido atribuída depois disso.
Ora, o problema da actual geração de políticos é bem ilustrado pela atribuição da comenda a Manuela Ferreira Leite.
Os políticos constróem a sua auto-estima, o seu narcisismo (segundo Freud, indispensável aos políticos, como aos gatos, às mulheres e aos comediantes), tendo como referência o seu círculo fechado de amigos e de fans. Convencem-se a si mesmos de que estão preparados para governar o País, porque ouviram os papás a futurarem esse destino, depois os colegas de turma e, mais tarde, os seus correlegionários.
O compadrio (aquele que não é completamente desonesto) na política, nos negócios, nas comendas e medalhas é alimentado, justamente, por esses cículos de auto-elogio e de auto-promoção. Tal como Sócrates, Passos Coelho faz parte dos políticos, gerados nesta fábrica de compadres, amigos e fans.
A Passos Coelho não desejo felicidades, porque sei que será feliz, enquanto o seu grupo de amigos e fans precisar de promoção para si mesmo e acreditar que Passos Coelho ainda está em posição de lha garantir.
O caso de José Sócrates já se me afigura diferente. Depois de passar por esse magnífico período de felicidade de grupo, ou de compadrio, parece que vai estudar Filosofia para França. A ele, sim, desejo sinceramente as maiores felicidades, porque precisa. Mais do que aprender, Sócrates decidiu correr o risco de romper com a sua auto-estima, de a pôr à prova de um modo radical, atirando-se para o mundo sem a rede do elogio fácil e perigoso dos amigos e fans. Vai fazer-se, se me é permitido dizê-lo assim, um homenzinho.
Deixa o país entregue a um outro que ainda não se fez: a um pinóquio que só sabe orientar-se se tiver um grilo ao ouvido, amigo e condesecndente. Sócrates já fez esse papel. Agora, vai tentar ser um político de verdade, e não apenas um boneco de pau, construído por um pai estremoso. Pena que o seu percurso não tenha sido o inverso.
Il se peut que ce ne soit pas comme ça (frase que Sócrates poderá ouvir, não para riscar um caminho, mas para explorar um outro como possível), mas pode acontecer que seja.
Esperemos, entretanto, nós que o futuro nos prepare políticos que não sejam pinóquios na fase de precisarem de um grilo, porque, relativamente ao presente, estamos conversados:
- Sócrates começa agora o caminho dos não medalháveis.
- Passos Coelho inicia agora o caminho dos medalháveis.
- A infelicidade de Sócrates poderá ser o início da sua felicidade.
- A felicidade de Passos Coelho poderá ser o início da sua infelicidade.
- A nossa, felicidade ou infelicidade, tem pouco a ver com qualquer um deles, pelo menos para já.
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