terça-feira, 16 de julho de 2013

À Lareira

Sentado em frente ao fogo quente da lareira, dormitava embebedado pela música suave e insinuante da chuva que, desde há várias horas, inundava os jardins e hortas, despertando a cobiça dos caracóis e de toda a restante bicharia, a quem a natureza determinou, com superior sabedoria, que só teriam direito a pastagem nos dias em que as ervas e caules das tronchudas se enternecessem com água caída dos céus. Para os carneiros, touros, burros e gado congénere, foram reservados os outros dias.
Esta decisão, sábia como sabemos, foi tomada pela natureza numa altura em que os estudos para a criação do homem iam muito avançados. Já vários ensaios tinham sido levados a cabo, dando origem às variadas espécies de macacos e gorilas ainda sobreviventes.
Investigações posteriores levaram muitos autores a pensar que o homem seria descendente desses simpáticos animais. Mas não, se por descendência se entender a sequência de paternidades e maternidades.
Pelo contrário, o homem é o resultado de um conjunto de experiências mal sucedidas com vista à criação de um ser perfeito. A última, a que deu origem ao homem actual, criou um bicho de tal modo preocupante que a natureza cancelou o programa em curso, desistindo definitivamente da sua ideia de criar o tal ser perfeito.
Ora, nessa altura, todos os animais pastavam nos mesmos prados e nos mesmos dias e até às mesmas horas.
Não viria daí qualquer problema, não fossem os bois, os carneiros, os burros e seus congéneres responsáveis pela morte por esmagamento de quantidades astronómicas de caracóis.
Um dia, reunidos de emergência, os caracóis decidiram que prefeririam morrer de fome a ter que morrer debaixo das patas de qualquer burro, que aparecesse a trote ou a galope, na pradaria.
A natureza, sempre previdente, promulgou então a famosa Lei da Repartição das Pastagens no Tempo e no Espaço.
Caracóis, Camelos, Lagartos, Burros, Elefantes, Girafas, Grilos, e toda a restante bicharada aclamaram, no maior referendo alguma vez realizado, a natureza como sua rainha.
E assim tem sido até aos dias de hoje.
Durante a festa, que decorreu logo a seguir à publicação dos resultados do referendo e que animou todo o mundo conhecido e por conhecer, nasceu o primeiro homem.
Por desatenção, ou por aquela fraqueza que ataca os poderosos, levando-os a não prestar o cuidado devido a pormenores insignificantes, a natureza esqueceu-se de incluir o homem naquela, como em todas as restantes Leis promulgadas. Este lamentável esquecimento é a única explicação plausível para a busca incessante do conhecimento das Leis da natureza, a que o homem se tem dedicado desde então com um insucesso confrangedor, apesar dos nomes pomposos de Filosofia, Ciência, ou outros, com que auto-mimoseou a sua genuína ignorância.
No início limitou-se a subornar alguns animais, a que depois chamou domesticados, para que lhe lessem e interpretassem as Leis da natureza. Mas fê-lo com tal arrogância que os cães, os gatos, os bois e os outros preferiram, de acordo com o nº 8 do art.º 4º do Dec-Lei sobre a Distribuição da Sabedoria, jurar-lhe fidelidade a ter que revelar aquilo que, para todos, era mais do que evidente: as Leis da natureza não foram feitas para serem conhecidas, mas para serem respeitadas; como, por esquecimento, o homem fora excluído desse compromisso, nunca seria capaz de as respeitar e muito menos de as conhecer. Por isso, estaria condenado, para todo o sempre, a pastar a qualquer hora, em qualquer pradaria, só ou acompanhado, mas sempre sem critério definido.
Enquanto, dormitando em frente à lareira, me entregava a estas reflexões, James, que como todos sabem é meu amigo, embora eu procure, de agora em diante, cada vez mais evitar essa qualificação para não ser repetitivo, incensava a sala com o fumo do seu eterno cachimbo. Media-a ao comprido e ao largo com os seus passos de antigo tropa. De quando em vez, parava. Olhava para o infinito. E tomava notas num canhenho sebento.
A chuva continuava a convidar lagartos, osgas e caracóis a regalarem-se com a fartura tenra da casca nova de roseiras e maracujás recém-plantados.
De súbito:
- Eureka! - gritou.
Acordei estremunhado:
- Quem?
- Como, quem?
- Pensei que tinhas dito o nome de alguém … - e procurei de novo o conforto do sofá - já estava na fase de começar a sonhar…
- Como podes tu sonhar num dia destes?
- Há dias próprios para sonhar? Como os dias próprios para as osgas pastarem?
- As osgas não sonham, meu caro.

O Hommo Pragmaticus

A vida é um tiro de pistola, disparado contra nós, à queima-roupa. Muitas coisas seriam diferentes, se nos tivesse sido dada a oportunidade de nos prepararmos para ela, para a vida. Em sono profundo, fomos levados a visitar um teatro, para cujo palco fomos empurrados, sem aviso prévio. Acordámos, com a pancada que recebemos nas costas, já frente a uma plateia completamente lotada. Se fomos brutalmente tirados a um sono profundo e arremessados para um palco à força, à revelia de todos os direitos, liberdades e garantias, a verdade é que, uma vez diante do público, o palco é todo nosso e a liberdade não tem limites. Agora, temos de nos desenrascar com os holofotes em cima de nós, a luz intensa a ferir-nos os olhos.
Entrar na vida foi uma fatalidade, mas vivê-la é a própria expressão da liberdade. Fomos arremessados para a vida, e isso, para que fomos arremessados, temos de construí-lo por nossa própria conta e risco, temos mesmo de o fabricar, porque não existia para nós quando nos tiraram do sono.
Acontece que, sendo a vida fabricada por nós, por cada homem, ela não se cansa de nos colocar problemas, aqueles que o homem não coloca a si próprio, que lhe caem sobre a cabeça como um balázio disparado pelo seu viver. Estes problemas, os que a vida coloca ao homem, são sempre do mesmo género e da mesma família: uma realidade diferente deveria substituir aquela que está diante dos nossos olhos. Como meteoros desalmados, rasgando os céus, desenfreados, esses problemas nascem, todavia, dos nossos pés que escondem, pousados, o único sítio do universo que não podemos ver. Em bom rigor, os problemas estão em pretender que o que não é passe a ser. São problemas práticos, portanto. Práticos, porque não foram colocados por nós à vida, mas disparados sobre a nossa cabeça por ela.
Pois bem, o nosso herói, o homem pragmático, hommo pragmaticus (fique aqui registada a patente em língua digna), moderno, não por ser idealista, romântico ou racionalista, antes por não saber, ele, nem quem quer que seja, que coisa é verdadeiramente, a não ser que é um homem de hoje, como tem sido de todos os tempos..., o homem pragmático, prossigamos então, no primeiro instante em que pousou os pés no palco da vida, tomou a firme e embriagante decisão de ser um puro homem de acção, um homem para resolver problemas práticos. E não escolheu mal: um puro homem de acção é um animal de puro sangue, é um verdadeiro animal.
O homem pragmático está sempre alerta. Vive nas fronteiras de si mesmo, debruçado para o lado de fora. Vigia as sombras do cosmos e nelas descobre os inimigos, todos sem excepção, a abater. Só lhe interessa, todavia, o que seja visível, tangível. Do círculo só vê a circunferência, aquilo que se vê, precisamente. Uma impertinente dor de dentes ou uma inoportuna angústia íntima podem fazê-lo recuar a atenção da periferia para o interior do círculo, mas só num instante fugaz, que um homem pragmático não se interessa por ninharias.
Como já alguém disse, vede os lírios dos campos, mas deles retirai os olhos rapidamente para ver mais pragmaticamente os macacos nas jaulas do Jardim Zoológico. É espantoso como esses homenzinhos pragmáticos estão em tudo: nada lhes escapa do que acontece ao seu redor. Vivem num perpétuo êxtase, retidos fora de si mesmos pela urgência dos perigos exteriores. Voltar-se para si mesmo seria distrair-se daquilo que se passa fora, e semelhante distracção seria a morte do macaco. A natureza é feroz: não tolera os que dela se distraem. Há que estar com cem olhos, em incessante “quem vem lá”, pronto a receber notícias das mudanças circundantes. Atenção à natureza é vida de acção. O puro animal é o puro homem de acção, o hommo pragmaticus.
O homem pragmático vive numa guarda avançada de si mesmo, agarrado com atenção ao teatro cósmico, deixando para trás de si o seu próprio ser. Entrincheirado, agarrado à baioneta, perscruta com binóculos de primeiríssima qualidade o mundo e tudo à sua volta e só vê dele, porque só elas são visíveis, as fronteiras de cada coisa. Muito raramente, consegue parar, mas nunca consegue reparar, re-parar.
A pergunta que sempre se faz quando se identifica uma nova espécie, neste caso, uma nova, de muitos milhões de anos, espécie de homem, é se os seus elementos têm inteligência. Registe-se aqui, para que conste: o homem pragmático é inteligente. E tal, como todas as restantes espécies de homem, leva a inteligência presa por um alfinete. Pode perdê-la por dez mil reis de mel coado. Mesmo o mais inteligente de todos os homens só o é às vezes, e muito poucas vezes. O mesmo se pode dizer do sentido moral e do gosto estético. No caso específico do homem pragmático, a fome e a sede de beber são psicologicamente mais fortes, têm mais energia psíquica bruta do que a fome e a sede de justiça. Quanto mais elevada for uma actividade do organismo, menos vigorosa, estável e eficiente será no hommo pragmaticus.

A Verdade da Verdade


Numa perspectiva científica rigorosa, um problema só é um problema científico se a ciência assim o entender, isto é, se houver perspectivas de a ciência o poder resolver. Se não, então o problema será do domínio da especulação ou do ocultismo.
Ora, se procuras levar uma vida digna, sobretudo se essa dignidade passar pelo exercício do poder, tens de saber respeitar esse princípio científico. Só tem estatuto de problema aquele a que tu saibas responder. Se, de todos os que te colocarem, não souberes responder a nenhum, deves muito simplesmente ignorá-los a todos porque serão seguramente irrelevantes.
O mesmo se deve dizer relativamente ao problema da verdade.
Antes que comeces a fazer as confusões habituais de gente medíocre, convém que saibas que a verdade é um adereço. Num palco, por exemplo, nenhum adereço deve ofuscar o desempenho dos actores; pelo contrário, os adereço devem realçar o trabalho dos actores. Se algum adereço não cumprir esta missão, é porque é descartável e, em bom rigor, deve ser imediatamente descartado. Há gente medíocre que entende - vá lá saber-se porquê - que a verdade é a figura principal de todos os cenários políticos ou da vida comunitária. Tens portanto de optar: se queres continuar a ser medíocre, continua a pensar que a verdade vale o que quer que seja por si só, mas não te queixes de seres um falhado na vida; se queres ter sucesso, usa a verdade para embelezar os teus actos e se alguma vez, como acontecerá frequentemente, a verdade não servir para isso, aprende a pô-la de lado. A verdade deve estar ao teu serviço e não ao serviço de si mesma. A verdade ao serviço de si mesma é um totalitarismo que tu nunca podes aceitar, pela simples razão de deixares de ser capaz de a controlar.
Esta linguagem, se foste educado como quase todos nós, numa perspectiva de vida medíocre, pode parecer-te estranha. E é, de facto, não porque seja ininteligível, mas porque é uma linguagem de elite, só acessível aos iniciados na ciência da banalidade.
A banalidade é, com efeito, uma ciência exacta que se perfila no horizonte do conhecimento humano como a final e a decisiva modalidade de conhecimento superior do ser humano. Embora seja adereço, como qualquer verdade, a verdade é que não te bastarão as lições que programei para este Tratado para que aprendas a ter sucesso. Mais grave ainda: sendo eu um simples mestre da banalidade, não alcançarei nunca a perfeição nesta ciência, que, no entanto está perfeitamente ao teu alcance. Passa-se comigo algo idêntico ao que se passa com um treinador de futebol: o treinador já não tem fôlego sequer para jogar um jogo a sério durante mais do que cinco minutos, fuma, tem barriga, etc., mas compete-lhe a ele fazer com que os seus jogadores sejam os melhores do mundo. Em ti, que lês este Tratado, deposito toda a esperança num futuro repleto de banalidades.
Voltando à vaca fria, compreenderás então que a verdade, sendo um adereço, deve estar ao teu serviço. De uma forma ainda muito incipiente, esta é já uma prática de sucesso de quase todos os poderosos. Por exemplo, quem não aceita de bom grado que quem revele as verdades de um país, ou de uma comunidade, ou de um serviço, seja considerado traidor? Precisamente, o traidor é aquele que sabe a verdade e a divulga. Muitas vezes, essa verdade é conhecida de toda a gente, mas é guardada como um segredo, um segredo que toda a gente conhece, mas um segredo porque ninguém fala dele. Aplaude-se a condenação do traidor que teve a ousadia de falar de uma coisa que toda a gente sabe, mas que era segredo. Vejamos um caso concreto: qualquer governante tem o direito de dizer que o país está a enriquecer; se o que ele diz é verdade ou mentira, isso é um assunto que não lhe diz respeito: a verdade, como vimos, é aquilo que pode ilustrar a importância do actor, não aquilo que lhe tira a luz. Traidor será aquele, medíocre claro está, que se pergunta em voz alta: Como pode estar o país a enriquecer, se cada vez há mais pessoas a comer os seus próprios dentes para não passar fome? Esta é uma pergunta íntima, subjectiva, sem valor de verdade e que todavia configura alta traição aos superiores interesses do país.
Note-se que, em última análise, a banalidade enquanto ciência tem no seu horizonte, já não tão longínquo como se pensa, garantir a qualquer ser humano a possibilidade de decretar que a soma de 2 com 2 não tem de ter o resultado de 4, pode variar e até pode não dar resultado nenhum. Esta soma pode, se assim se quiser, por vontade política, deixar de existir no cenário das operações possíveis. O mesmo se diga, por exemplo, a respeito do facto de a soma dos ângulos de um triângulo ser equivalente a dois ângulos de um quadrado, qualquer que seja a dimensão de um e de outro. Esta é uma verdade que, como está bem de ver, pode não interessar a toda a gente. E depois como pode uma verdade estar acima de quem manda? Quem manda até pode estar distraído e não saber dela, e de repente alguém atira-lhe com a verdade à cara... Isto não é coisa que se faça. Um dos objectivos mais grandiosos desta emergente ciência da banalidade é garantir que este tipo de desfaçatez desapareça definitivamente nas nossas comunidades mais desenvolvidas.

Resultados da 1ª Fase de Exames Finais de Ensino Secundário em França


À la session de juin 2013, 664 709 candidats étaient inscrits aux épreuves du baccalauréat : 51 % en filière générale, 21 % dans les séries technologiques et 28 % dans la voie professionnelle (avec une diminution de l’ordre de 5% des inscrits par rapport à 2012 due principalement à l’achèvement de la réforme de la voie professionnelle).
À l’issue du premier groupe d’épreuves (c'est-à-dire avant les épreuves de rattrapage), le taux de réussite au baccalauréat général est de 82,5 %, en hausse de  3,4 points par rapport à 2012, celui du baccalauréat technologique est de 73,5 %, en hausse de 4,8 points par rapport à 2012, et celui du baccalauréat professionnel de 70,5 %, en hausse de 1,7 point par rapport à 2012.

Les résultats provisoires s’établissent de la façon suivante :
  • Bac ES : 81,3 % (+ 4,2 points)   
  • Bac L : 79,4 % (+ 6,4 points)   
  • Bac S :  84,3 % (+ 2 points)   
  • Bacs technologiques industriels : 83,8 % (+ 10,5 points)
  • Bacs technologiques tertiaires : 69,7 % (+ 2,7 points)
  • Bac professionnel : 70,5 % (+ 1,7 point)

Il convient de noter qu’à ce stade, il s’agit de résultats provisoires que viendront compléter ceux du second groupe d’épreuves, jeudi 11 juillet.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

A Música que ainda Embala os Portugueses

Pilares de uma Reforma para a Educação


Estamos na fase dos pilares: pilares para negociação, pilares para tudo e para nada. Pois bem, uma reforma da educação tem de assentar em três pilares, como tudo ou quase tudo:

  • O pilar da orgânica (da escola e da administração do sistema)
  • O pilar da missão
  • O pilar da liderança
O pilar de amarração (a trave mestra) é o da missão, ao qual se deve ligar harmoniosamente o da orgânica e, através deste, o da liderança.
Se um "reformista" só consegue equacionar a sua "reforma" a partir de componentes individuais (o que fazer aos professores, o que fazer aos alunos, ou mesmo o que fazer aos programas, etc.), na verdade ainda não entendeu nada, e o melhor seria dar o lugar a quem perceba.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Comunicação do Presidente da República (integral)

Comunicação do Presidente by JORGE BARBOSA

Para Pensar... Continuação da Análise do Pensamento de Espinosa


Não resisto, dadas as circunstâncias, a transcrever mais um excerto do meu trabalho de análise do pensamento de Espinosa (séc. XVII). Que vos faça bom proveito.
"(...) devemos recordar que uma cidade, embora tenha o direito de fazer tudo aquilo que pode fazer, não tem mais direito do que o que ela pode efetivamente ter. Ora, ela não pode tudo: o seu direito é, portanto, limitado. O segundo argumento de Espinosa analisa essa limitação interna do poder público (§ 8, IV, pp. 28-29). A cidade retira o seu poder, ou da dissuasão pelas ameaças que faz, ou da persuasão pelas recompensas que promete. Por conseguinte, tudo o que ela possa querer impor, mas que seja considerado pelos homens ainda pior do que a pior das ameaças possíveis, está na realidade fora do seu poder. Do mesmo modo, ela não pode exigir de nenhum homem sensato um acto que não traga nenhum benefício futuro que possa compensar o mal. O poder político encontra, assim, o seu limite em si mesmo, quando atinge o seu máximo, e não porque tem de fazer face a um outro direito com o qual tem de se operar uma transacção jurídica. Só desta forma, pensa Espinosa, é garantida a faculdade individual de julgar; na verdade, essa faculdade individual de julgar não tem de ser garantida por nada, porque se encontra fora do alcance do poder político. A “liberdade de pensar” não tem que ser defendida dos abusos que a poderiam ameaçar, pois nenhum ser no mundo, indivíduo ou cidade, consegue “abusar” do seu direito: só consegue imaginar que tem mais poder do que o que realmente tem."

terça-feira, 9 de julho de 2013

Excerto de um Trabalho que Estou a Realizar sobre Espinosa (séc. XVII) - Para Pensar


As instituições políticas são de facto racionais, no sentido em que podemos explicar porquê e como têm sucesso ou falham, mas não devem nunca ser condicionadas pelo comportamento razoável (ou não) dos seus utilizadores. O que lhes dá valor é justamente o facto de serem bastante indiferentes às qualidades ou defeitos dos indivíduos podendo, assim, funcionar com a mesma eficácia, quer os homens sejam conduzidos pela razão, quer estejam submetidos às piores paixões. Boas instituições são, assim, capazes de forçar os mais inconstantes a comportar-se como se fossem leais (cap. 1, § 1, IV, pp. 13-14).
Mas, embora o valor das instituições não dependa da sabedoria dos homens, pode acontecer, pelo contrário, que a sabedoria dos homens dependa das instituições políticas, não que elas possam tornar os homens sábios - não é essa a sua função -, mas na medida em que criem as condições, sem as quais a sabedoria não poderia nascer ou desenvolver-se. Podendo, graças às instituições, coexistir de forma durável com os outros, cada um é incitado a conceber a humanidade através de noções comuns, e não através de ideias gerais. A vida em comunidade dá ao indivíduo uma oportunidade para compreender que a razão, através da qual concorda com os outros, é também aquilo que lhe é próprio ao mais alto nível. Ela deve contribuir para reduzir os efeitos maiores da alienação.
Assim, mesmo que as instituições da cidade não sejam feitas por ele, o sábio é aquele que melhor pode aproveitar delas. Sabe ver, na coacção comum que elas lhe impõem, mais do que um mal necessário para a sua segurança, um verdadeiro fundamento da sua liberdade.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Lições da História e de Bom Senso


A história das crises financeiras sugere três lições, afirma-nos Michael Pettis.

1- Os países que enfrentam uma crise de solvência bem real, em regra, levam muito tempo a admitir que não podem pagar a dívida soberana. O estado de negação dura sempre muito tempo. Infelizmente, quanto mais adiam esse reconhecimento, maior os danos que provocam na economia real e no capital humano, e mais dolorosa a reestruturação dessa dívida se torna no final. A razão do adiamento é a ilusão de que apenas sofrem de uma crise temporária de liquidez, e não de uma crise de solvência. Acham que conseguirão manter a rolar a dívida, até que a economia fique melhor e o crescimento depois ajude a pagá-la. Ora, isso quase nunca acontece.
2- Os países que enfrentam uma crise de dívida soberana raramente são capazes de sair dela pelo seu próprio pé. Enquanto Portugal sofrer de um sobreendividamento, a economia portuguesa não conseguirá crescer. Isso acontece porque esse excesso de dívida obriga as empresas, os trabalhadores, os aforradores da classe média a desalavancar e os líderes políticos a envolverem-se numa armadilha, de ajustamento, maus resultados, mais ajustamento, mais empréstimos, mais carga de dívida, mais recessão, mais deflação. Por isso, nenhum país que enfrenta uma crise de dívida foi capaz de retomar o crescimento, antes que a dívida seja reestruturada e parcialmente perdoada. Ora é preferível fazê-lo logo no início, como o Fundo Monetário Internacional reconheceu, recentemente, em relação à gestão da crise grega desde 2010.
3- O debate num país que sofre de uma crise da dívida é sempre um confronto entre os que produzem na economia real e os banqueiros que vivem da economia financeira. Os que produzem querem rapidamente mexer na dívida, desvalorizar a moeda e voltar à normalidade dos negócios. Os banqueiros, por seu lado, sempre argumentam que o país deve comportar-se de forma "responsável", o que significa proteger os credores mais poderosos e estrangeiros, que tenham emprestado o capital. Numa crise da dívida soberana, os interesses dos que produzem e os dos banqueiros são diametralmente opostos. É preciso ter isso em conta na gestão da crise.

Instituiçoes, Democracia e Responsabilidade

Fomos bombardeados nos últimos dias com notícias e comentários sobre a irresponsabilidade de alguns políticos. Fez e continua a fazer sentido. Mas a irresponsabilidade tem outros contornos muito mais sérios e dignos de apreciação.

Não são os governos que, em primeira linha, asseguram a viabilidade de um povo ou de uma nação. Na verdade, só o são em regimes despóticos ou ditatoriais, e, neste caso, essa garantia é conseguida pela imposição, pela coação e não pela liberdade, pelo gosto ou pela conveniência do próprio povo. Nos regimes democráticos, são as instituições democráticas que, em primeiro lugar, desempenham esse papel vital de dar consistência e resiliência às nações, sobretudo em situações de crise.

Quando os governantes fazem apelo ao dinamismo e à inovação e ao empreendedorismo dos cidadãos, e, simultaneamente, minam a confiança dos cidadãos nas suas instituições (educação, saúde, justiça, etc.) ou não sabem o que dizem e muito menos o que fazem, ou estão a propor um caminho de despotismo e de desrespeito pela liberdade e pela democracia. Revelam a sua profunda ignorância ou o seu abjeto cinismo, se, ainda por cima, clamam por essa diluição das instituições democráticas em nome de uma conceção liberal da sociedade.

A democracia parlamentar só pode basear-se na existência de instituições justas: num sistema educativo que responda eficientemente à sua missão, num sistema de saúde que faça o mesmo, etc. Há quem defenda que só numa democracia popular, isto será possível, e portanto a democracia parlamentar (estritamente representativa) não é compatível com instituições justas. Do meu ponto de vista, é ao contrário: a democracia parlamentar só tem sentido se as instituições forem justas.

Nesta ordem de ideias, um governo que baseia uma boa parte da sua argumentação "reformista" na desvalorização das instituições, como a educação, a saúde, a segurança social, a justiça, etc., é um governo que anseia o poder absoluto, por via da desorganização dos próprios pilares da vida em sociedade.

Um governo pode sofrer as crises que quiser, se as instituições de realização da democracia forem respeitadas e conseguirem continuar a desempenhar a sua missão. Mas quando o governo assume tal relevância que é o centro de toda a vida social, uma crise de crianças, sem valor e sem sentido, torna-se num problema mais grave do que aqueles que é necessário resolver. Num altura destas, o povo deveria perceber que está sujeito a um regime de exercício de poder absoluto, centralizado e despótico.

Com efeito, o despotismo (concentração do poder executivo e legislativo numa só pessoa ou num único grupo) é demasiado fácil e tentador num regime de democracia parlamentar, em que o chefe do executivo é também o chefe dos parlamentares. A única forma de combater este depotismo fácil e tentador para governantes obsessivos, é manter instituições sociais e democráticas (porque realizam a democracia real) respeitáveis e respeitadas.

O problema é que os nossos governantes e muitos dos seus seguidores vêem nessas instituições, não uma possibilidade de realização da democracia, mas um obstáculo ao seu poder despótico. E, em vez de se preocuparem em aumentar a sua eficiência, gastam grandes quantidades de energia a denegri-las, isto é, a anarquizar a sociedade.

Do meu ponto vista, não se trata, portanto, de conservar essas instituições com um modelo de funcionamento que se revele inadequado aos tempos atuais. Muito antes pelo contrário. Trata-se de reformar, de melhorar permanentemente essas instituições. Mas, para isso, não é necessário nem conveniente anarquizá-las.

A irresponsabilidade maior dos governos é, portanto, a de destruir a confiança do povo nas suas instituições mais vitais, seja porque baseiam nessa ausência de confiança a sua própria força para governar, seja porque não fazem as reformas que deveriam fazer. Isto sim, é irresponsabilidade. Não houvesse esta forma de irresponsabilidade, e as crises de governos adolescentes seriam só uma grande piada, corrigível antes de produzirem estragos.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA

Pedro Passos Coelho concorda finalmente com eleições antecipadas. Foi isto mesmo o que propôs ao Presidente da República, a quem pediu que marcasse eleições antecipadas, com o máximo de urgência, para 2030.
Questionado por um jornalista, que duvidava de a data proposta poder ser compatível com o conceito de antecipação de eleições, respondeu bem humorado que, ao termo "antecipadas", estava a acontecer rigorosamente o mesmo que já tinha acontecido ao termo "irrevogável": só a pessoa que usa essas palavras sabe o que elas querem dizer, e elas dizem sempre aquilo que essas pessoas querem. "A isto, chama-se governar e exercer o poder", concluiu.
Foi possível ouvir um dos seus assessores a alertar o primeiro ministro que o melhor era não se precipitar a fazer este tipo de declarações, antes de conhecer o parecer do tribunal constitucional: é que ser o governo a determinar o significado das palavras era coisa suscetível de irritar o dito tribunal. De semblante carregado, o Primeiro Ministro retorquiu que, se isso vier a acontecer, então ele demite-se, mas não abandona o país nem o governo, que ele é homem sério e responsável.
Antecipando uma possível objeção, agora em voz alta, o Primeiro Ministro afirmou: "quem determina o significado das palavras sou eu, o primeiro ministro; se digo que me demito do governo, mas não abandono o governo... é isso que devem escrever nos jornais".
E afastou-se rapidamente, evitando mais perguntas dos jornalistas que lhe queriam perguntar se o significado de "jornal" era aquele que estavam a pensar ou se já era outro.

Democracia e Capitalismo Liberal

Políticos e comentadores (tanto de futebol como de política), frequentemente, argumentam a favor do capitalismo liberal defendendo que é um "regime" que sustenta a democracia. Os menos mal informados dizem que é um "regime" compatível com a democracia.
Ora, convém esclarecer as coisas:

  1. O capitalismo liberal é um regime económico que só conseguiu sobreviver em democracia, que é um regime político. Quando, citando parvamente Curchill (como se ele fosse o papa da coisa), se diz que a democracia é o menos mau dos regimes políticos, fica difícil não pensar que o que se quer dizer é que o capitalismo liberal preferiria outro regime, talvez "mais musculado", mas que, não sendo possível, é melhor deixar andar.
  2. É a democracia que viabiliza o capitalismo liberal, e não o contrário. O mérito está na democracia e na liberdade e não no capitalismo. O capitalismo não viabiliza a liberdade, é, pelo contrário, a liberdade que viabiliza (nem sempre bem) o capitalismo.
  3. Nenhum regime económico, nem o capitalismo liberal, é mais importante do que o regime político, e nenhum regime político deve sobreviver, se não promover a realização das pessoas que vivem sob esse regime.
Conclusão: se há que rever alguma coisa, não é seguramente a democracia que deve ser posta em questão, mas aquilo que a está a prejudicar, nem que isso seja o regime económico.



terça-feira, 2 de julho de 2013

A Carta do Portas


1. Apresentei hoje de manhã a minha demissão do Governo ao Primeiro-Ministro.
2. Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer.
3. São conhecidas as diferenças políticas que tive com o Ministro das Finanças. A sua decisão pessoal de sair permitia abrir um ciclo político e económico diferente. A escolha feita pelo Primeiro- Ministro teria, por isso, de ser especialmente cuidadosa e consensual.
4. O Primeiro-Ministro entendeu seguir o caminho da mera continuidade no Ministério das Finanças. Respeito mas discordo.
5. Expressei, atempadamente, este ponto de vista ao Primeiro-Ministro que, ainda assim, confirmou a sua escolha. Em consequência, e tendo em atenção a importância decisiva do Ministério das Finanças, ficar no Governo seria um acto de dissimulação. Não é politicamente sustentável, nem é pessoalmente exigível.
6. Ao longo destes dois anos protegi até ao limite das minhas forças o valor da estabilidade. Porém, a forma como, reiteradamente, as decisões são tomadas no Governo torna, efetivamente, dispensável o meu contributo.
6. Agradeço a todos os meus colaboradores no Ministério dos Negócios Estrangeiros a sua ajuda inestimável que não esquecerei. Agradeço aos meus colegas de Governo, sem distinção partidária, toda a amizade e cooperação.
Paulo Portas
Lisboa, 2 de julho de 2013 

Portas bate com a porta


Governo Portas apresenta demissão
O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, apresentou hoje o seu pedido de demissão ao primeiro-ministro, abrindo assim a porta à queda do Governo. A escolha de Maria Luís Albuquerque para a pasta das Finanças esteve na base da sua decisão.
Um dos motivos que levou o ministro dos Negócios Estrangeiros e líder do CDS, Paulo Portas, a demitir-se terá sido a escolha da até aqui secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, para substituir Vítor Gaspar à frente do Ministério das Finanças.
Portas terá considerado esta nomeação uma oportunidade perdida para iniciar um novo ciclo, defendido pelo CDS, uma vez que Maria Luís Albuquerque seguirá, tudo indica, as mesmas medidas e políticas iniciadas por Gaspar, segundo um comunicado enviado por aquele que passou a ser ontem o número dois do Governo.
A decisão "é irrevogável", adianta o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros num comunicado enviado à Lusa.
Quanto à escolha de Maria Luís Albuquerque, Paulo Portas refere nesse texto que as diferenças políticas que teve com o ministro demissionário das Finanças são conhecidas, e "a sua decisão pessoal de sair permitia abrir um ciclo político e económico diferente".
Por isso, "a escolha feita pelo primeiro-ministro teria de ser especialmente cuidadosa e consensual.(...) Expressei, atempadamente, este ponto de vista ao Primeiro-Ministro que, ainda assim, confirmou a sua escolha [de Maria Luís Albuquerque]. Em consequência, e tendo em atenção a importância decisiva do Ministério das Finanças, ficar no Governo seria um acto de dissimulação. Não é politicamente sustentável, nem é pessoalmente exigível".
"O Primeiro-Ministro entendeu seguir o caminho da mera continuidade no Ministério das Finanças. Respeito mas discordo", acrescenta o comunicado.
Esta é a segunda saída do Executivo em dois dias, depois de Vítor Gaspar se ter demitido ontem.