Jorge Barbosa
A DIFERENÇA EM SI MESMA (Lição de Gilles Deleuze)
A diferença e o fundo obscuro
A indiferença tem dois aspectos: o abismo indiferenciado, o nada negro, o animal indeterminado em que tudo é dissolvido - mas também o nada branco, a superfície tornada calma em que flutuam determinações não-ligadas, como membros esparsos, cabeças sem pescoço, braços sem ombro, olhos sem fronte. O indeterminado é totalmente indiferente, mas as determinações flutuantes também não deixam de ser indiferentes umas em relação às outras. A diferença é intermediária entre estes dois extremos? Ou não seria ela o único extremo, o único momento da presença e da precisão? A diferença é este estado em que se pode falar de A determinação. A diferença "entre" duas coisas é apenas empírica e as determinações correspondentes são extrínsecas. Mas, em vez de uma coisa que se distingue de outra, imaginemos algo que se distingue - e, todavia, aquilo de que ela se distingue não se distingue dela. O relâmpago, por exemplo, distingue-se do céu negro, mas deve acompanhá-lo, como se ele se distinguisse daquilo de que não se distingue. Dir-se-ia que o fundo sobe à superfície sem deixar de ser fundo. De uma parte e de outra, há algo de cruel e mesmo de monstruoso nesta luta contra um adversário inapreensível, luta em que aquilo que se distingue opõe-se a algo que não pode distinguir-se dele e que continua a esposar o que dele se divorcia. A diferença é esse estado de determinação como distinção unilateral. Da diferença, portanto, é preciso dizer que ela é estabelecida ou que ela se estabelece, como na expressão "estabelecer a diferença". Esta diferença, ou A determinação, é igualmente a crueldade. Os platónicos diziam que o não-Uno se distingue do Uno, mas não o inverso, pois o Uno não se subtrai ao que dele se subtrai: e, no outro pólo, a forma se distingue da matéria ou do fundo, mas não o inverso, pois a própria distinção é uma forma. Para dizer a verdade, são todas as formas que se dissipam quando se refletem neste fundo que sobe. Ele próprio deixou de ser o puro indeterminado que permanece no fundo, mas também as formas deixaram de ser determinações coexistentes ou complementares. O fundo que sobe não está mais no fundo, mas adquire uma existência autónoma; a forma que se reflete neste fundo não é mais uma forma, mas urra linha abstrata que atua diretamente sobre a alma. Quando o fundo sobe à superfície, o rosto humano se decompõe neste espelho em que tanto o indeterminado quanto as determinações vêm confundir-se numa só determinação que "estabelece" a diferença. Uma receita barata para se produzir um monstro é amontoar determinações heteróclitas ou sobredeterminar o animal. É bem melhor trazer o fundo à superfície e dissolver a forma. Goya procedia por meio da água-tinta e da água-forte, do acinzentado de uma e do rigor da outra. Odilon Redon procedia por meio do claro-escuro e da linha abstrata. Renunciando ao modelado, isto é, ao símbolo plástico da forma, a linha abstrata adquire toda a sua força e participa do fundo tanto mais violentamente quanto dele se distingue sem que ele se distinga dela. A que ponto os rostos se deformam num tal espelho. Não é a crueldade é somente A determinação, o ponto preciso em que o determinado entretém sua relação essencial com o indeterminado, a linha rigorosa, abstrata, que se alimenta do claro-escuro.
É preciso representar a diferença? os quatro aspectos da representação (quádrupla
raiz)
Tirar a diferença de seu estado de maldição parece ser, assim, a tarefa da filosofia da diferença. Não poderia a diferença tornar-se um organismo harmonioso e relacionar a determinação com outras determinações numa forma, isto é, no elemento coerente de uma representação orgânica? Como "razão", o elemento da representação tem quatro aspectos principais: a identidade na forma do conceito indeterminado, a analogia na relação entre conceitos determináveis últimos, a oposição na relação das determinações no interior do conceito, a semelhança no objeto determinado do próprio conceito. Estas formas são como que as quatro cabeças ou os quatro liames da mediação. Diz-se que a diferença é "mediatizada" na medida em que se chega a submetê-la à quadrupla raiz da identidade e da oposição, da analogia e da semelhança. A partir de uma primeira impressão (a diferença é o mal), propõe-se "salvar" a diferença, representando-a e, para representá-la, relaciona-la às exigências do conceito em geral. Trata-se de determinar um momento feliz 3/4 o feliz momento grego 3/4 em que a diferença é como que reconciliada com o conceito. A diferença deve sair de sua caverna e deixar de ser um monstro; ou, pelo menos, só deve subsistir como monstro aquilo que se subtrai ao feliz momento, aquilo que constitui somente um mau encontro, uma má ocasião. Aqui, portanto, a expressão "estabelecer a diferença" muda de sentido. Ela agora designa uma prova seletiva, que deve determinar quais diferenças podem ser inscritas no conceito em geral e como o podem. Tal prova, tal seleção parece efetivamente realizada pelo Grande e pelo Pequeno. Com efeito, o Grande e o Pequeno não são ditos naturalmente do Uno, mas, antes de tudo, da diferença.
Pergunta-se, pois, até onde a diferença pode e deve ir 3/4 qual grandeza? qual pequenez? - para entrar nos limites do conceito, sem perder-se aquém dele e sem escapar para além dele. Evidentemente, é difícil saber se o problema está sendo, assim, bem formulado: é a diferença verdadeiramente um mal em si? seria preciso levantar a questão em termos morais? Seria preciso "mediatizar" a diferença para tomá-la ao mesmo tempo visível e pensável? deveria a seleção consistir em tal prova? deveria a prova ser concebida dessa maneira e com esse objetivo? Só poderemos responder a estas questões quando determinarmos com maior precisão a suposta natureza do momento feliz.
o momento feliz, a diferença, o grande e o pequeno
Aristóteles diz: há uma diferença que é, ao mesmo tempo, a maior e a mais perfeita, A diferença em geral distingue-se da diversidade ou da alteridade, pois dois termos diferem quando são outros, não por si mesmos, mas por alguma coisa; portanto, eles diferem quando convêm também em outra coisa, quando convêm em género, para as diferenças de espécie, ou mesmo em espécie, para as diferenças de número, ou ainda "em ser segundo a analogia", para as diferenças de género. Qual é, nestas condições, a maior diferença? A maior diferença é sempre a oposição. Mas, de todas as formas de oposição, qual é a mais perfeita, a mais completa, aquela que melhor "convém"? Os relativos dizem-se um do outro; a contradição já se diz de um sujeito, mas para tomar a sua subsistência impossível, e qualifica somente a mudança pela qual ele começa ou deixa de ser; a privação exprime ainda uma impotência determinada do sujeito existente. Só a contrariedade representa a potência que faz com que o sujeito, ao receber opostos, permaneça substancialmente o mesmo (pela matéria ou pelo género). Em que condições, todavia, a contrariedade comunica a sua perfeição à diferença? Enquanto consideramos o ser concreto tomado em sua matéria, as contrariedades que o afetam são modificações corporais que apenas nos dão o conceito empírico acidental de uma diferença ainda extrínseca (extra quid ditatem). O acidente pode ser separável do sujeito, como "branco" e "negro" o são de "homem", ou pode ser inseparável, como "macho" e "fêmea" o são de "animal": segundo o caso, a diferença será dita communis ou própria, mas será sempre acidental, na medida em que vem da matéria. Portanto, só uma contrariedade na essência ou na forma nos dá o conceito de uma diferença que seja ela mesma essencial (differentia essentialis aut propriissima). Os contrários, então, são modificações que afetam um sujeito considerado em seu gênero. Na essência, com efeito, é próprio do gênero ser dividido em diferenças, tais como "pedestre" e "alado", que se coordenam como contrárias. Numa palavra, a diferença perfeita e máxima é a contrariedade no gênero, e a contrariedade no gênero é a diferença específica. Além e aquém, a diferença tende a confundir-se com a simples alteridade e quase se subtrai à identidade do conceito: a diferença genérica é grande demais, instalando-se entre incombináveis que não entram em relações de contrariedade; a diferença individual é pequena demais, instalando-se entre indivisíveis que não têm, igualmente, contrariedade.
Diferença conceptual: a maior e a melhor
Em compensação, parece que a diferença específica responde a todas as exigências de um conceito harmonioso ou de uma representação orgânica. Ela é pura, porque formal; intrínseca, pois opera na essência. Ela é qualitativa; e, na medida em que o gênero designa a essência, a diferença é mesmo uma qualidade muito especial, "segundo a essência", qualidade da própria essência. Ela é sintética, pois a especificação é uma composição, e a diferença se acrescenta atualmente ao gênero que só a contém em potência. Ela é mediatizada, ela própria é mediação, meio termo em pessoa. Ela é produtora, pois o gênero não se divide em diferenças, mas é dividido por diferenças que nele produzem as espécies correspondentes. Eis por que ela é sempre causa, causa formal: o mais curto é a diferença específica da linha reta; o comprimento é a diferença específica da cor preta; o dissociante, o da cor branca. Eis por que ela é também um predicado de tipo tão particular, pois se atribui à espécie, mas, ao mesmo tempo, lhe atribui o gênero e constitui a espécie a que ela se atribui. Um tal predicado, sintético e constituinte, mais atribuidor que atribuído, verdadeira regra de produção, tem, finalmente, uma última propriedade: há-de levar consigo o que atribui. Com efeito, a qualidade da essência é suficientemente especial para fazer do gênero alguma coisa distinta e não simplesmente uma outra qualidade. Portanto, compete ao gênero permanecer o mesmo para si, tornando-se outro nas diferenças que o dividem. A diferença transporta consigo o gênero e todas as diferenças intermediárias. Transporte da diferença, diáfora da diáfora, a especificação encadeia a diferença com a diferença nos níveis sucessivos da divisão, até que uma última diferença, a species ínfima, condense na direção escolhida o conjunto da essência e da sua qualidade continuada, reuna este conjunto num conceito intuitivo e o funde com o termo a ser definido, ela mesma tomando-se uma coisa única indivisível. A especificação garante, assim, a coerência e a continuidade na compreensão do conceito.
A lógica da diferença segundo Aristóteles e a confusão do conceito da diferença com a diferença conceptual
Voltemos à expressão "a maior diferença". Tornou-se evidente que a diferença especifica só muito relativamente é a maior. Absolutamente falando, a contradição é maior que a contrariedade - c sobretudo a diferença genérica é maior que a específica. já a maneira como Aristóteles distingue a diferença da diversidade ou da alteridade nos mostra o caminho: é somente em relação à suposta identidade de um conceito que a diferença específica é tida como a maior. Bem mais, é em relação à forma de identidade no conceito genérico que a diferença vai até a oposição, é impelida até a contrariedade. Portanto, a diferença específica de modo algum representa um conceito universal para todas as singularidades e sinuosidades da diferença (isto é, uma Ideia), mas designa um momento particular em que a diferença apenas se concilia com o conceito em geral. A diáfora da diáfora é também, em Aristóteles, apenas um falso transporte: nunca se vê a diferença mudar de natureza, nunca se descobre um diferenciante da diferença que possa relacionar, em sua imediatidade respectiva, o mais universal e o mais singular. A diferença especifica apenas designa um máximo inteiramente relativo, um ponto de acomodação para o olho grego, e ainda para o olho grego do justo meio, olho que perdeu o sentido dos transportes dionisíacos e das metamorfoses. Ai está o principio de uma confusão danosa para toda a filosofia da diferença: confunde-se o estabelecimento de um conceito próprio da diferença com a inscrição da diferença no conceito em geral 3/4 confunde-se a determinação do conceito de diferença com a inscrição da diferença na identidade de um conceito indeterminado. É o passe de mágica implicado no feliz momento (e disso talvez derive todo o resto: a subordinação da diferença à oposição, à analogia, à semelhança, todos os aspectos da mediação). Deste modo, a diferença fica sendo apenas um predicado na compreensão do conceito. Esta natureza predicativa da diferença especifica é constantemente lembrada por Aristóteles, mas ele é forçado a outorgar-lhe estranhos poderes, conto o de atribuir tanto quanto o de ser atribuído ou o de alterar o gênero tanto quanto o de modificar-lhe a qualidade. Todas as maneiras pelas quais a diferença específica parece satisfazer às exigências de um conceito próprio (pureza, interioridade,produtividade, transporte...) revelam-se, assim, ilusórias e mesmo contraditórias a partir da confusão fundamental.
Diferença específica e diferença genérica
A diferença específica, portanto, é pequena em relação a uma diferença maior concernente aos próprios géneros. Mesmo na classificação biológica, ela se torna totalmente pequena em relação aos grandes géneros: não diferença material, sem dúvida, mas uma simples diferença "na" matéria, operando pelo mais e pelo menos. É que a diferença específica é o máximo e a perfeição, mas apenas sob a condição da identidade de um conceito indeterminado (gênero), Ela é pouca coisa, ao contrário, quando comparada à diferença entre os géneros tomados como conceitos últimos determináveis (categorias), pois estes já não estão submetidos à condição de ter, por sua vez, um conceito idêntico ou gênero comum. Retenhamos a razão pela qual o Ser não é um gênero: é porque as diferenças são, diz Aristóteles. (Seria preciso, pois, que o gênero pudesse ser atribuído às diferenças em si: como se o animal fosse dito, uma vez, da espécie humana, mas, outra vez, da diferença racional, constituindo uma outra espécie… É, portanto, um argumento tirado da natureza da diferença específica que permite concluir haver uma outra natureza das diferenças genéricas. Tudo se passa como se houvesse dois "Logos", diferentes por natureza, mas misturados um no outro: há o logos das Espécies, o logos do que se pensa e do que se diz, que se baseia na condição de identidade ou de univocidade de um conceito em geral tomado como gênero; e há o logos dos Géneros, o logos do que se pensa e do que se diz por nosso intermédio e que, livre da condição, move-se na equivocidade do Ser como na diversidade dos conceitos mais gerais. Quando dizemos o unívoco, não é ainda o equívoco que se diz em nós? Não é preciso reconhecer aqui uma espécie de rachadura introduzida no pensamento, que não parará de crescer numa outra atmosfera (não aristotélica)? Mas, sobretudo, já não é uma nova oportunidade para a filosofia da diferença? Não vai ela aproximar-se de um conceito absoluto, uma vez liberada da condição que a mantém num máximo inteiramente relativo?
Os quatro aspectos ou a subordinação da diferença: identidade do conceito, analogia do juízo, oposição dos predicados, semelhança do percebido
Todavia, não se tem isto em Aristóteles. O fato é que a diferença genérica ou categorial continua sendo uma diferença, no sentido aristotélico, e não cai na simples diversidade ou alteridade, É que um conceito idêntico ou comum subsiste ainda, se bem que de um modo muito especial. Este conceito de Ser não é coletivo, como um gênero em relação a suas espécies, mas somente distributivo e hierárquico: não tem conteúdo em si, mas somente um conteúdo proporcionado aos termos formalmente diferentes dos quais é predicado. Estes termos (categorias) não precisam ter uma relação igual com o ser; basta que a relação de cada um com o ser seja interior a cada um. As duas características do conceito de ser - ter, apenas distributivamente, um sentido comum e ter, hierarquicamente, um sentido primeiro mostram bem que ele não tem, em relação às categorias, o papel de um gênero em relação a espécies unívocas. Mas eles mostram também que a equivocidade do ser é inteiramente particular: trata-se de uma analogia19. Ora, se se pergunta qual é a instância capaz de proporcionar o conceito aos termos ou aos sujeitos dos quais é ele afirmado, é evidente que tal instância é o juízo, pois tem este,
precisamente, duas e apenas duas funções essenciais: a distribuição, que ele assegura com a partilha do conceito, e a hierarquização, que ele assegura pela medida dos sujeitos. A uma, corresponde aquela faculdade que, no juízo, se chama senso comum; à outra, corresponde a faculdade que se chama bom senso (ou sentido primeiro). As duas constituem a justa medida, a "justiça" como valor do juízo. Neste sentido, toda filosofia das categorias toma o juízo como modelo conforme se vê em Kant e até mesmo em Hegel. Mas com o seu senso comum e seu sentido primeiro, a analogia do juízo deixa subsistir a identidade de um conceito, seja sob forma implícita e confusa, seja sob forma virtual. A analogia é o análogo da identidade no juízo. A analogia é a essência do juízo, mas a analogia do juízo é o análogo da identidade do conceito. Eis por que não podemos
esperar que a diferença genérica ou categorial, não mais que a diferença específica, nos
comunique um conceito próprio da diferença. Enquanto a diferença específica se contenta
em inscrever a diferença na identidade do conceito indeterminado em geral, a diferença genérica (distributiva e hierárquica) se contenta, por sua vez, em inscrever a diferença na quase-identidade dos conceitos determináveis mais gerais, isto é, na própria analogia do juízo. Toda a filosofia aristotélica da diferença está contida nesta dupla inscrição complementar, fundada num mesmo postulado, traçando os limites arbitrários do feliz momento.
A diferença e a representação orgânica
Entre as diferenças genéricas e específicas se estabelece o liame de uma cumplicidade na representação. Não que elas tenham a mesma natureza: só de fora o gênero é determinável pela diferença específica, e a identidade dele, em relação às espécies, contrasta com a impossibilidade em que se encontra o ser de formar, com relação aos próprios géneros, uma identidade semelhante. Mas é a natureza das diferenças específicas (o fato de que elas sejam) que funda esta impossibilidade, impedindo que as diferenças genéricas se relacionem com o ser como se se tratasse de um gênero comum (se o ser fosse um gênero, suas diferenças seriam assimiláveis a diferenças específicas, mas já não se poderia dizer que elas "são", pois o gênero não se atribui a suas diferenças em si). Neste sentido, a univocidade das espécies num gênero comum remete à equivocidade do ser nos géneros diversos: uma reflete a outra. Vê-se bem isto nas exigências do ideal da classificação: as grandes unidades 3/4 o determinadas segundo relações de analogia que supõem uma escolha de caracteres operada pelo juízo na representação abstrata e, ao mesmo tempo, as pequenas unidades, os pequenos géneros ou as espécies, são determinadas numa percepção direta das semelhanças, o que supõe uma continuidade da intuição sensível na representação concreta. Mesmo o neo-evolucionismo reencontrará estes dois aspectos, ligados às categorias do Grande e do Pequeno, ao distinguir grandes diferenciações embriológicas precoces e pequenas diferenciações tardias, adultas, intra-específicas ou específicas. Ora, se bem que os dois aspectos possam entrar em conflito, conforme os grandes géneros ou as espécies sejam tomados como conceitos da Natureza, ambos constituem os limites da representação orgânica e requisitos igualmente necessários para a classificação: a continuidade metódica na percepção das semelhanças não é menos indispensável que a distribuição sistemática no juízo de analogia. Mas, tanto de um ponto de vista quanto do outro, a Diferença aparece apenas como um conceito reflexivo. Com efeito, a diferença permite passar das espécies semelhantes vizinhas à identidade de um gênero que as subsume; permite, pois, extrair ou recortar identidades genéricas no fluxo de uma série contínua sensível. No outro pólo, ela permite passar dos géneros respectivamente idênticos às relações de analogia que eles entretêm no inteligível. Como conceito de reflexão, a diferença dá testemunho de sua plena submissão a todas as exigências da representação, que se torna, precisamente graças a ela, "representação orgânica". No conceito de reflexão, com efeito, a diferença mediadora e mediatizada submete-se de pleno direito à identidade do conceito, à oposição dos predicados, à analogia do juízo, á semelhança da percepção. Reencontra-se aqui o caráter necessariamente quadripartito da representação. A questão é saber se sob todos estes aspectos reflexivos a diferença não perde, ao mesmo tempo, seu conceito e sua realidade.
A diferença só deixa, com efeito, de ser um conceito reflexivo e só reencontra um conceito efetivamente real na medida em que designa catástrofes: sejam rupturas de continuidade na série das semelhanças, sejam falhas intransponíveis entre estruturas análogas. Ela só deixa de ser reflexiva para tornar-se catastrófica e, sem dúvida, não pode ser uma coisa sem a outra. Mas, como catástrofe, a diferença não dá, justamente, testemunho de um fundo rebelde irredutível que continua a agir sob o equilíbrio aparente da representação orgânica?
Univocidade e diferença
Só houve uma proposição ontológica: o Ser é unívoco. só houve apenas uma ontologia, a de Duns Scott, que dá ao ser uma só voz. Dizemos Duns Scott porque ele soube levar o ser unívoco ao mais elevado ponto de sutileza, mesmo que à custa de abstração. Mas, de Parménides a Heidegger, a mesma voz é retomada num eco que forma por si só todo o desdobramento do unívoco. Uma só voz faz o clamor dó ser. Não temos dificuldade em compreender que o Ser, embora seja absolutamente comum, nem por isso é um gênero; basta substituir o modelo do juízo pelo da proposição. Na proposição, tomada como entidade complexa, distingue-se: o sentido ou o exprimido pela proposição; o designado (o que se exprime na proposição); os expressantes ou designantes, que são modos numéricos, isto é, fatores diferenciais que caracterizam os elementos providos de sentido e de designação. Concebe-se que nomes ou proposições não tenham o mesmo sentido, mesmo quando designam estritamente a mesma coisa (como nos exemplos célebres: estreia da tarde - estrela da manhã, Israel-Jacó, tranco-branco). A distinção entre estes sentidos é uma distinção real (distinctio realis), mas nada tem de numérico, menos ainda de ontológico: é uma distinção formal, qualitativa ou semiológica. A questão de saber se as categorias são diretamente assimiláveis a tais sentidos ou se deles derivam, como é mais verosímil, deve ser deixada de lado por enquanto. O importante é que se possa conceber vários sentidos formalmente distintos, mas que se reportam ao ser como a um só designado, ontologicamente uno. É verdade que tal ponto de vista ainda não basta para nos impedir de considerar estes sentidos como análogos e esta unidade do ser como uma analogia. É preciso acrescentar que o ser, este designado comum, enquanto se exprime, se diz, por sua vez, num único sentido de todos os designantes ou expressantes numericamente distintos. Na proposição ontológica. portanto, não só o designado é ontologicamente o mesmo para sentidos qualitativamente distintos, mas também o sentido é ontologicamente o mesmo para modos individuantes, para designantes ou expressantes numericamente distintos: é esta a circulação na proposição ontológica (expressão em seu conjunto).
Com efeito, o essencial na univocidade não é que o Ser se diga num único sentido. É que ele se diga num único sentido de todas as suas diferenças individuantes ou modalidades intrínsecas. O Ser é o mesmo para todas estas modalidades, mas estas modalidades não são as mesmas. Ele é "igual" para todas, mas elas mesmas não são iguais.
Ele se diz num só sentido de todas, mas elas mesmas não têm o mesmo sentido. É da essência do ser unívoco reportar-se a diferenças individuantes, mas estas diferenças não têm a mesma essência e não variam a essência do ser 3/4 como o branco se reporta a intensidades diversas, mas permanece essencialmente o mesmo branco. Não há duas "vias", como se acreditou no poema de Parménides, mas uma só "voz" do Ser, que se reporta a todos os seus modos, os mais diversos, os mais variados, os mais diferenciados.
O Ser se diz nutri único sentido de tudo aquilo de que ele se diz, mas aquilo de que ele se
diz difere: ele se diz da própria diferença.
Os dois tipos de distribuição
Sem dúvida, ainda há no ser unívoco uma hierarquia e uma distribuição concernentes aos fatores individuantes e seu sentido. Mas, distribuição e mesmo hierarquia têm duas acepções completamente diferentes, sem conciliação possível; o mesmo acontece com as expressões fogos, nomos, na medida em que elas próprias remetem a problemas de distribuição. Devemos, por um lado, distinguir uma distribuição que implica uma partilha do distribuído: trata-se de repartir o distribuído como tal. É aí que as regras de analogia no juízo são todo-poderosas. O senso comum ou o bom senso, enquanto qualidades do juízo, são, pois, representados como princípios de repartição, eles mesmos declarados como sendo o melhor partilhados. Este tipo de distribuição procede por determinações fixas e proporcionais. assimiláveis a "propriedades" ou territórios limitados na representação. Pode ser que a questão agrária tenha tido uma grande importância nesta organização do juízo como faculdade de distinguir partes ("de uma parte e de outra parte"). Mesmo entre os deuses, cada um tem seu domínio, sua categoria, seus atributos, e todos distribuem aos mortais limites e lotes em conformidade com o destino. Há por outro lado uma distribuição totalmente diferente desta, uma distribuição que é preciso chamar de nomádica, um nomos nómade, sem propriedade, sem cerca e sem medida. Aí já não há partilha de um distribuído, mas sobretudo repartição daqueles que se distribuem num espaço aberto ilimitado ou, pelo menos, sem limites precisos. Nada cabe ou pertence a alguém, mas todas as pessoas estão dispostas aqui e ali, de maneira a cobrir o maior espaço possível. Mesmo quando se trata da seriedade da vida, dir-se-ia haver aí um espaço de jogo, uma regra de jogo, em oposição ao espaço como ao nomos sedentários.
Preencher um espaço, partilhar-se nele, é muito diferente de partilhar o espaço. É uma distribuição de errância e mesmo de "delírio", em que as coisas se desdobram em todo o
extenso de um Ser unívoco e não-partilhado. Não é o ser que se partilha segundo as exigências da representação; são todas as coisas que se repartem nele na univocidade da simples presença (o Uno-Todo). Tal distribuição é mais demoníaca que divina, pois a particularidade dos demónios é operar nos intervalos entre os campos de ação dos deuses, como saltar por cima das barreiras ou das cercas queimando as propriedades. O coro de Édipo exclama: "Que demónio saltou com mais ímpeto que o mais longo salto?". O salto testemunha, aqui, os distúrbios subversivos que as distribuições nómades introduzem nas estruturas sedentárias da representação. O mesmo deve ser dito da hierarquia. Há uma hierarquia que mede os seres segundo seus limites e segundo seu grau de proximidade ou distanciamento em relação a um princípio. Mas há também uma hierarquia que considera as coisas e os seres do ponto de vista da potência: não se trata de graus de potência absolutamente considerados, mas somente de saber se um ser "salta" eventualmente, isto é, ultrapassa seus limites, indo até o extremo daquilo que pode, seja qual for o grau. Dir-se-á que "até o extremo" define ainda um limite. Mas o limite já não designa aqui o que mantém a coisa sob uma lei, nem o que a termina ou a separa, mas, ao contrário,aquilo a partir do que ela se desenvolve e desenvolve toda sua potência; a hybris, a desmedida, deixa de ser simplesmente condenável e o menor torna-se igual ao maior, desde que não seja separado daquilo que pode. Esta medida envolvente é a mesma para todas as coisas, a mesma também para a substância, a qualidade, a quantidade etc., pois ela forma um só máximo, em que a diversidade desenvolvida de todos os graus toca a igualdade que a envolve. Esta medida ontológica está mais próxima da desmedida das coisas que da primeira medida; esta hierarquia ontológica está mais próxima da hybris e da anarquia dos seres que da primeira hierarquia. Ela é o monstro de todos os demónios.
Então, as palavras "Tudo é igual" podem ressoar, mas como palavras alegres, com a
condição de se dizê-las do que não é igual neste Ser igual unívoco: o ser igual está
imediatamente presente em todas as coisas, sem intermediário nem mediação, se bem que as coisas se mantenham desigualmente neste ser igual. Mas todas estão numa proximidade absoluta ali onde a hybris as situa e, grande ou pequena, inferior ou superior, nenhuma delas participa mais ou menos do ser ou o recebe por analogia. Portanto, a univocidade do ser significa também a igualdade do ser. O Ser unívoco é, ao mesmo tempo, distribuição nómade e anarquia coroada.
Impossibilidade de reconciliar a univocidade e a analogia
Não se poderia conceber uma conciliação entre a analogia e a univocidade? Se o ser é unívoco em si mesmo, enquanto ser, não é "análogo", desde que considerado em seus modos intrínsecos ou fatores individuantes (o que acima denominamos expressantes, designantes)? Se é igual em si mesmo, não é desigual nas modalidades que nele se mantêm? Se designa uma entidade comum, não é para existentes que nada têm realmente em comum? Se tem um estado metafísico de univocidade, não tem ele um estado físico de analogia? E se a analogia reconhece um quase-conceito idêntico, a univocidade, por sua vez, não reconhece um quase-juízo de analogia, mesmo que seja para reportar o ser a estes existentes particulares? alas tais questões correm o risco de desnaturar as duas teses que elas tentam aproximar, pois o essencial da analogia, como vimos, repousa numa certa cumplicidade (malgrado sua diferença de natureza) entre as diferenças genéricas e especificas: o ser não pode ser afirmado como um gênero comum sem que se destrua a razão pela qual ele é assim afirmado, isto é, a possibilidade de ser para as diferenças específicas... Portanto, não é de estranhar que, do ponto de vista da analogia, tudo se passe em mediação e em generalidade 3/4 identidade do conceito em geral e analogia dos conceitos mais gerais nas regiões médias do gênero e da espécie.
Assim, é inevitável que a analogia caia numa dificuldade sem saída: ela deve, essencialmente, reportar o ser a existentes particulares, mas, ao mesmo tempo, não pode dizer o que constitui sua individualidade. Com efeito, retendo no particular apenas aquilo que é conforme ao geral (forma e matéria), ela procura o principio de individuação neste ou naquele elemento dos indivíduos já constituídos. Ao contrário, quando dizemos que o ser unívoco se reporta essencialmente e imediatamente a fatores individuantes, certamente não entendemos estes fatores como indivíduos constituídos na experiência, mas como aquilo que neles age como princípio transcendental, como princípio plástico, anárquico e nómade, contemporâneo do processo de individuação, e que não é menos capaz de dissolver e destruir os indivíduos quanto de constituí-los temporariamente: modalidades intrínsecas do ser, passando de um "indivíduo" a outro, circulando e comunicando sob as formas e as matérias. O individuante não é o simples individual. Nestas condições, não basta dizer que a individuação difere por natureza da especificação. Nem mesmo basta dizê-lo à maneira de Duns Scott, que não se contentava, todavia, em analisar elementos de um indivíduo constituído, mas se alçava à concepção de uma individuação como "última atualidade da forma". É preciso mostrar não só como a diferença individuante difere por natureza da diferença específica, mas, antes e sobretudo, como a individuação precede de direito a forma e a matéria, a espécie e as partes, e qualquer outro elemento do indivíduo constituído. Na medida em que se reporta imediatamente à diferença, a univocidade do ser exige que se mostre como a diferença individuante precede, no ser, as diferenças genéricas, específicas e mesmo individuais como um campo prévio de individuação no ser condiciona a especificação das formas, a determinação das partes e suas variações individuais. Se a individuação não se faz nem pela forma nem pela matéria, nem qualitativa nem extensivamente, é por já ser suposta pelas formas, pelas matérias e pelas partes extensivas (não só porque ela difere por natureza).
Portanto, não é da mesma maneira que, na analogia do ser, as diferenças genéricas e as diferenças específicas se mediatizam em geral com relação a diferenças individuais e que, na univocidade, o ser unívoco se diz imediatamente das diferenças individuantes ou
que, ainda no ser unívoco, o universal se diz do mais singular, independentemente de toda mediação. Se é verdade que a analogia nega que o ser seja um gênero comum, e isto porque as diferenças (específicas) "são", o ser unívoco, inversamente, é comum, na medida em que as diferenças (individuantes) "não são" e não têm de ser. Sem dúvida, veremos que elas não são, mas num sentido muito particular: se elas não são, é porque dependem, no ser unívoco, de um não-ser sem negação. Mas, na univocidade, já aparece
que não são as diferenças que são e têm de ser. O ser é que é Diferença, no sentido em que ele se diz da diferença. E não somos nós que somos unívocos num Ser que não o é;
somos nós, é nossa individualidade que permanece equivoca num Ser, para um Ser unívoco.
Os momentos do unívoco: Duns Scott, Espinosa, Nietzsche
A História da Filosofia determina três momentos principais na elaboração da univocidade do ser. O primeiro é representado por Duns Scott. No Opus Oxoniense, o maior livro da ontologia pura, o ser é pensado como unívoco, mas o ser unívoco é pensado como neutro, neuter, indiferente ao infinito e ao finito, ao singular e ao universal, ao criado e ao incriado. Duns Scott merece, pois, o nome de "doutor sutil", porque seu olhar discerne o ser aquém do entrecruzamento do universal e do singular. Para neutralizar as forças da analogia no juízo, ele toma a dianteira e neutraliza antes de tudo o ser num conceito abstrato. Eis por que ele somente pensou o ser unívoco. Vê-se o inimigo que ele se esforça por evitar, em conformidade com as exigências do cristianismo: o panteísmo, em que ele cairia se o ser comum não fosse neutro. Todavia, ele soube definir dois tipos de distinção que reportavam à diferença este ser neutro indiferente. A distinção formal, com efeito, é uma distinção real, pois é fundada no ser ou na coisa, mas não é necessariamente uma distinção numérica, porque se estabelece entre essências ou sentidos, entre ."razões formais" que podem deixai- subsistir a unidade do sujeito a que são atribuídas. Assim, não só a univocidade do ser (em relação a Deus e às criaturas) se prolonga na univocidade dos "atributos", mas, sob a condição de sua infinitude, Deus pode possuir estes atributos unívocos formalmente distintos sem nada perder de sua unidade. O outro tipo de distinção, a distinção modal, estabelece-se entre o ser ou os atributos, de um lado, e, por outro lado, as variações intensivas de que eles são capazes. Estas variações, como os graus do branco, são modalidades individuantes das quais o infinito e o finito constituem precisamente as intensidades singulares. Do ponto de vista de
sua própria neutralidade, o ser unívoco não implica, pois, somente formas qualitativas ou atributos distintos, eles mesmos unívocos, mas se reporta e os reporta a fatores intensivos ou graus individuantes que variam seu modo sem modificar-lhe a essência enquanto ser.
Se é verdade que a distinção em geral reporta o ser à diferença, a distinção formal e a distinção modal são os dois tipos sob os quais o ser unívoco, em si mesmo, por si mesmo, se reporta à diferença.
Com o segundo momento, Espinosa opera um progresso considerável. Em vez de pensar o ser unívoco como neutro ou indiferente, faz dele um objeto de afirmação pura. O ser unívoco se confunde com a substância única, universal e infinita: é posto como Deus sive Natura. E a luta que Espinosa empreende contra Descartes não é sem relação com aquela que Duns Scott conduzia contra São Tomás. Contra a teoria cartesiana das substâncias, totalmente penetrada de analogia, contra a concepção cartesiana das distinções, que mistura estreitamente o ontológico, o formal e o numérico (substância, qualidade e quantidade) Espinosa organiza uma admirável repartição da substância, dos atributos e dos modos. Desde as primeiras páginas da Ética, ele afirma que as distinções reais nunca são numéricas, mas apenas formais, isto é, qualitativas ou essenciais (atributos essenciais da substância única); e, inversamente, que as distinções numéricas nunca são reais, mas somente modais (modos intrínsecos da substância única e de seus atributos). Os atributos comportam-se realmente como sentidos qualitativamente diferentes que se reportam à substância como a um mesmo designado; e esta substância, por sua vez, comporta-se como um sentido ontologicamente uno em relação aos modos que o exprimem e que, nela, são como fatores individuantes ou graus intrínsecos intensos.
Decorrem daí uma determinação do modo como grau de potência e uma só “obrigação”
para o modo, que é desenvolver toda sua potência ou seu ser no próprio limite. Os atributos são, pois, absolutamente comuns à substância e aos modos, se bem que a substância e os modos não tenham a mesma essência: o próprio ser se diz num mesmo sentido da substância e dos modos, se bem que os modos e a substância não tenham o mesmo sentido ou não tenham este ser da mesma maneira (in se e in alio). Toda hierarquia, toda eminência é negada, na medida em que a substância é igualmente designada por todos os atributos em conformidade com sua essência, igualmente exprimida por todos os modos em conformidade com seu grau de potência. Ê com Espinosa que o ser unívoco deixa de ser neutralizado, tornando-se expressivo, tornando-se uma verdadeira proposição expressiva afirmativa.
A repetição no eterno retorno define a univocidade do ser
Todavia, subsiste ainda uma indiferença entre a substância e os modos: a substância espinosista aparece independente dos modos, e os modos dependem da substância, mas como de outra coisa. Seria preciso que a própria substância fosse dita dos modos e somente dos modos, tal condição só pode ser preenchida à custa de uma reversão categórica mais geral, segundo a qual o ser se diz do devir, a identidade se diz do diferente, o uno se diz do múltiplo etc. Que a identidade não é primeira, que ela existe como princípio, mas como segundo princípio, como algo tornado princípio, que ela gira em torno do Diferente, tal é a natureza de uma revolução copernicana que abre à diferença a possibilidade de seu conceito próprio, em vez de mantê-la sob a dominação de um conceito em geral já posto como idêntico. Com o eterno retorno, Nietzsche não queria dizer outra coisa. O eterno retorno não pode significar o retorno do idêntico, pois ele supõe, ao contrário, um mundo (o da vontade de potência) em que todas as identidades prévias são abolidas e dissolvidas. Retornar é o ser, mas somente o ser do devir. O eterno retorno não faz "o mesmo" retornar, mas o retornar constitui o único Mesmo do que devem. Retornar é o devir-idêntico do próprio devir. Retornar é, pois, a única identidade, mas a identidade como potência segunda, a identidade da diferença, o idêntico que se diz do diferente, que gira em torno do diferente. Tal identidade, produzida pela diferença, é determinada como "repetição". Do mesmo modo, a repetição do eterno retorno consiste em pensar o mesmo a partir do diferente. Mas este pensamento já não é de modo algum uma representação teórica: ele opera praticamente uma seleção das diferenças segundo sua capacidade de produzir, isto é, de retornar ou de suportar a prova do eterno retorno.
O caráter seletivo do eterno retorno aparece nitidamente na ideia de Nietzsche: o que retorna não é o Todo, o Mesmo ou a identidade prévia em geral. Não é nem mesmo o pequeno ou o grande como partes do todo ou como elementos do mesmo. Só as formas extremas retornam aquelas que, pequenas ou grandes, se desenrolam no limite e vão até o extremo da potência, transformando-se e passando umas nas outras. Só retorna o que é extremo, excessivo, o que passa no outro e se torna idêntico. Eis por que o eterno retorno se diz somente do mundo teatral das metamorfoses e das máscaras da Vontade de potência, das intensidades puras desta Vontade, como fatores móveis individuantes que não se deixam reter nos limites factícios deste ou daquele indivíduo, deste ou daquele Eu.
O eterno retorno, o retornar, exprime o ser comum de todas as metamorfoses, a medida e
o ser comum de tudo o que é extremo, de todos os graus de potência na medida em que
são realizados. É o ser-igual de tudo o que é desigual e que soube realizar plenamente sua desigualdade. Tudo o que é extremo, tornando-se o mesmo, entra em comunicação num Ser igual e comum que determina o retorno. Eis por que o super-homem é definido pela forma superior de tudo o que "é". É preciso adivinhar o que Nietzsche chama de nobre: empregando a linguagem do físico da energia, ele chama de nobre a energia capaz de se transformar. Quando Nietzsche diz que a hybris é o verdadeiro problema de todo heracliteano ou quando diz que a hierarquia é o problema dos espíritos livres, ele quer dizer uma mesma coisa: que é na hybris que cada um encontra o ser que o faz retornar, como também a espécie de anarquia coroada, a hierarquia revertida, que, para assegurar a seleção da diferença, começa por subordinar o idêntico ao diferente22. Sob todos estes aspectos, o eterno retorno é a univocidade do ser, a realização efetiva desta univocidade.
No eterno retorno, o ser unívoco não é somente pensado, nem mesmo somente afirmado, mas efetivamente realizado. O Ser se diz num mesmo sentido, mas este sentido é o do eterno retorno, como retorno ou repetição daquilo de que ele se diz. A roda no eterno retorno é, ao mesmo tempo, produção da repetição a partir da diferença e seleção da diferença a partir da repetição.
A diferença e a representação orgíaca (o infinitamente grande e o infinitamente
pequeno)
A prova do Pequeno e do Grande nos pareceu falsear a seleção, porque renunciava a um conceito próprio da diferença em proveito das exigências da identidade do conceito em geral. Ela fixava somente os limites entre os quais a determinação tornava-se diferença, inscrevendo-se no conceito idêntico ou nos conceitos análogos (mínimo e máximo). Eis por que a seleção, que consiste em "estabelecer a diferença", pareceu-nos ter um outro sentido: deixar que apareçam e se desenrolem as formas extremas na simples presença de um Ser unívoco mais que medir e repartir foi-mas médias segundo as exigências da representação orgânica. Todavia, seria possível dizer que esgotamos todos os recursos do Pequeno e do Grande, na medida em que eles se aplicam à diferença? Não os reencontraremos como uma alternativa característica das próprias formas extremas?
Perguntamos isto pois o extremo parece definir-se pelo infinito no pequeno ou no grande. O infinito, neste sentido, significa mesmo a identidade do pequeno e do grande, a identidade dos extremos. Quando a representação encontra em si o infinito, ela aparece como uma representação orgíaca e não mais orgânica: ela descobre em si o tumulto, a inquietude e a paixão sob a calma aparente ou sob os limites do organizado. Ela reencontra o monstro. Então, já não se trata de um feliz momento que marcaria a entrada
e a saída da determinação no conceito em geral, o mínimo e o máximo relativos, o punctum proximum e o punctum remotum. É preciso, ao contrário, um olho míope, um olho hipermétrope, para que o conceito incorpore todos os momentos: o conceito é agora o Todo, seja porque estende sua bênção sobre todas as partes, seja porque a cisão e a desgraça das partes nele se refletem para receber uma espécie de absolvição. Portanto, o conceito segue e esposa a determinação de um extremo a outro, em todas as suas metamorfoses, e a representa como pura diferença, entregando-a a um fundamento em relação ao qual já não importa saber se se está diante de um mínimo ou de um máximo relativos, diante de um grande ou de um pequeno, nem diante de um início ou de um fim, pois os dois coincidem no fundamento como um mesmo momento "total", que é também o do esvaecimento e da produção da diferença, o do desaparecimento e do aparecimento.
O fundamento como razão
É de se observar, neste sentido, a que ponto Hegel, não menos que Leibniz, atribui importância ao movimento infinito do esvaecimento como tal, isto é, ao momento em que a diferença se esvaece, momento que é também aquele em que ela se produz. É a própria noção de limite que muda completamente de significação: não designa mais os marcos da representação finita, mas, ao contrário, a matriz em que a determinação finita não pára de desaparecer e de nascer, de se envolver e de se desenrolar na representação orgíaca. Ela já não designa a limitação de uma forma, mas a convergência na direção de um fundamento; não mais a distinção de formas, mas a correlação do fundado e do fundamento; não mais a suspensão da potência, mas o elemento em que a potência é efetuada e fundada. Com efeito, não menos que a dialética, o cálculo diferencial não deixa de ser um caso de "potência" e de potência do limite. Se os marcos da representação finita são tratados como duas determinações matemáticas abstratas, que seriam as do Pequeno e do Grande, observa-se ainda ser totalmente indiferente a Leibniz (como a Hegel) saber se o determinado é pequeno ou grande, o maior ou o menor; a consideração do infinito torna o determinado independente desta questão, submetendo-o a um elemento arquitectónico que descobre em todos os casos o mais perfeito ou o melhor fundado. É neste sentido que se deve dizer que a representação orgíaca estabelece a diferença, pois ela a seleciona ao introduzir este infinito que a reporta ao fundamento (seja um fundamento pelo Bem, que age como princípio de escolha e de jogo, seja um fundamento pela negatividade, que age como dor e trabalho). E se os marcos da representação finita, isto é, o Pequeno e o Grande, são tratados com base no caráter ou no conteúdo concretos que lhes dão os géneros e as espécies, ainda aí a introdução do infinito da representação torna o determinado independente do gênero como determinável e da espécie como determinação, retendo num meio-termo tanto a universalidade verdadeira, que escapa ao gênero, quanto a singularidade autêntica, que escapa à espécie. Em suma, a representação orgíaca tem o fundamento como princípio e o infinito como elemento 3/4 contrariamente à representação orgânica, que guardava a forma como princípio e o finito como elemento. É o infinito que torna a determinação pensável e selecionável: a diferença aparece, pois, como a representação orgíaca da determinação e não mais como sua representação orgânica.
Em vez de animar juízos sobre as coisas, a representação orgíaca faz das próprias coisas expressões, proposições: proposições analíticas ou sintéticas infinitas. Mas porque há uma alternativa na representação orgíaca, ao passo que os dois pontos, o pequeno e o grande, o máximo e o mínimo, se tornaram indiferentes ou idênticos no infinito e a diferença se tornou totalmente independente deles no fundamento? É que o infinito não é o lugar em que a determinação finita desapareceu (isto seria projetar no infinito a falsa concepção do limite). A representação orgíaca só pode descobrir em si o infinito, deixando subsistir a determinação finita; mais ainda, ela só o pode, dizendo o infinito dessa própria determinação finita, representando-a não como esvaecida e desaparecida, mas como evanescente e a ponto de desaparecer, portanto, também como engendrando-se no infinito. Esta representação é tal que o infinito e o finito têm neste caso a mesma "inquietação", que permite precisamente representar um no outro. Mas quando o infinito se diz do próprio finito sob as condições da representação, ele tem duas maneiras de se dizer: como infinitamente pequeno ou como infinitamente grande. Estas duas maneiras, estas duas "diferenças", de modo algum são simétricas. Assim, a dualidade se reintroduz na representação orgíaca, não mais sob a forma de uma complementaridade ou de uma reflexão de dois momentos finitos assinaláveis (como era o caso para a diferença específica e a diferença genérica), mas sob a forma de uma alternativa entre Leibniz e Hegel. Se é verdade que o pequeno e o grande se identificam no infinito, o infinitamente pequeno e o infinitamente grande se separam de novo e mais energicamente na medida em que o infinito se diz do finito. Leibniz e Hegel, cada um deles separadamente, escapam da alternativa do Grande e do Pequeno, mas ambos tornam a cair na alternativa do infinitamente pequeno e do infinitamente grande. Eis por que a representação orgíaca
desemboca numa dualidade que redobra sua inquietação ou que é até mesmo sua verdadeira razão e a divide em dois tipos.
Lógica e ontologia da diferença segundo Hegel: a contradição
Segundo Hegel, parece que a "contradição" suscita muito pouco problema. Ela tem uma função totalmente distinta: a contradição se resolve e, resolvendo-se, resolve a diferença, ao reportá-la a um fundamento. O único problema é a diferença. O que Hegel critica em seus predecessores é o terem permanecido num máximo totalmente relativo, sem atingir o máximo absoluto da diferença, isto é, a contradição, o infinito (como infinitamente grande) da contradição. Eles não ousaram ir até o extremo: "A diferença em geral já é contradição em si... Só quando levado à ponta da contradição o variado, o multiforme, desperta e se anima, e as coisas participantes dessa variedade recebem a negatividade, que é a pulsação imanente do movimento autónomo, espontâneo e vivo… Quando se leva suficientemente longe a diferença entre as realidades, vê-se a diversidade tornar-se oposição e, por conseguinte, contradição, de modo que o conjunto de todas as realidades se torna, por sua vez, contradição absoluta em si". Como Aristóteles, Hegel determina a diferença pela oposição dos extremos ou dos contrários. Mas a oposição permanece abstrata enquanto não vai ao infinito, e o infinito permanece abstrato toda vez que é posto fora das oposições finitas: a introdução do infinito acarreta, neste caso, a identidade dos contrários ou faz do contrário do Outro um contrário de Si. É verdade que somente no infinito a contrariedade representa o movimento da interioridade: este movimento deixa subsistir a indiferença, pois cada determinação, enquanto contém a outra, é independente da outra como de uma relação com o exterior. É preciso também que cada contrário expulse seu outro, que expulse, pois, a si próprio e se torne o outro que ele expulsa. Tal é a contradição como movimento da exterioridade ou da objetivação real, constituindo a verdadeira pulsação do infinito. Nela, portanto, encontra-se ultrapassada a simples identidade dos contrários, como identidade do positivo e do negativo. Com efeito, não é da mesma maneira que o positivo e o negativo são o Mesmo; o negativo é agora, ao mesmo tempo, o devir do positivo, quando o positivo é negado, e o retorno do positivo, quando ele nega a si próprio ou se exclui. Sem dúvida, cada um dos contrários determinados como positivo e negativo já era a contradição, "mas o positivo só é esta contradição em si, ao passo que a negação é a contradição posta". É na contradição posta que a diferença encontra seu conceito próprio, é determinada como negatividade, se torna pura, intrínseca, essencial, qualitativa, sintética, produtora, e não deixa subsistir a indiferença. Suportar, levantar a contradição, é a prova seletiva que "estabelece" a diferença (entre o efetivamente real e o fenómeno passageiro ou contingente). Assim, a diferença é levada até o extremo, isto é, até o fundamento, que não deixa de ser tanto seu retorno ou sua reprodução quanto seu aniquilamento.
Este infinito hegeliano, se bem que ele se diga da oposição ou da determinação finitas, é ainda o infinitamente grande da Teologia, do Ens quo nihil majus... Deve-se mesmo considerar que a natureza da contradição real, enquanto distingue uma coisa de tudo aquilo que ela não é, foi formulada pela primeira vez por Kant, que a faz depender, sob o nome de "determinação completa", da posição de um todo da realidade como Ens summum. Portanto, não há por que esperar um tratamento matemático deste infinitamente grande teológico, deste sublime do infinitamente grande. O mesmo não acontece em Leibniz, pois, pela modéstia das criaturas, para evitar toda mistura de Deus com as criaturas, ele só pode introduzir o infinito no finito sob a forma do infinitamente pequeno.
Neste sentido, todavia, é conveniente hesitar em dizer que ele vai "menos longe" que Hegel. Ele também ultrapassa a representação orgânica na direção da representação orgíaca, se bem que o faça por um outro caminho. Se, na representação serena, Hegel descobre a embriaguez e a inquietação do infinitamente grande, Leibniz descobre, na ideia clara finita, a inquietação do infinitamente pequeno, também feita de embriaguez, de
atordoamento, de esvaecimento e mesmo de morte. Parece, pois, que a diferença entre Hegel e Leibniz está nas duas maneiras de ultrapassar o orgânico. Certamente, o essencial e o não-essencial são inseparáveis, como o uno e o múltiplo, o igual e o desigual, o idêntico e o diferente. Mas Hegel parte do essencial como gênero; e o infinito é o que põe a cisão no gênero e a supressão da cisão na espécie. O gênero é, pois, ele próprio e a espécie, o todo é ele próprio e a parte. Assim, ele contém o outro em essência e o contém essencialmente. Leibniz, ao contrário, no que se refere aos fenómenos, parte do não essencial do movimento, do desigual, do diferente. É o não-essencial, em virtude do infinitamente pequeno, que é agora posto como espécie e como gênero e que, por esta razão, termina na "quase-espécie oposta": o que significa que ele não contém o outro em essência, mas só em propriedade, em caso. É falso impor à análise infinitesimal a seguinte alternativa: é uma linguagem das essências ou uma ficção cómoda? É falso, porque a subsunção sob o "caso" ou a linguagem das propriedades tem sua originalidade própria.
Este procedimento do infinitamente pequeno, que mantém a distinção das essências (na medida em que uma desempenha para a outra o papel do não-essencial), é totalmente diferente da contradição; é preciso também dar-lhe um nome particular, o de "vicedicção". No infinitamente grande, o igual contradiz o desigual, na medida em que o possui em essência, e contradiz a si próprio, na medida em que nega a si próprio ao negar o desigual. Mas, no infinitamente pequeno, o desigual vice-diz o igual e vice-diz a si próprio, na medida em que inclui como caso o que exclui em essência. O não-essencial compreende o essencial como caso, ao passo que o essencial continha o não-essencial em essência.
Lógica e ontologia da diferença segundo Leibniz: a vice-dicção (continuidade e
indiscerníveis)
Deve-se dizer que a vice-dicção vai menos longe que a contradição sob o pretexto de que ela só concentre às propriedades? Na realidade, a expressão "diferença infinitamente pequena" indica bem que a diferença se desvanece em relação à intuição; mas ela encontra seu conceito e é antes a própria intuição que se desvanece em proveito da relação diferencial. Isto é mostrado dizendo-se que dx nada é em relação a x, nem dy em relação a y, mas que dy/dx é a relação qualitativa interna, expressando o universal de uma função separada de seus valores numéricos particulares. Mas, se a relação não tem determinações numéricas, ela não deixa de ter graus de variação correspondendo a formas e equações diversas. Estes graus são como que as relações do universal; e as relações diferenciais, neste sentido, dão-se no processo de uma determinação recíproca, processo que traduz a interdependência de coeficientes variáveis26. Mais ainda, a determinação recíproca exprime apenas o primeiro aspecto de um verdadeiro princípio de razão; o segundo aspecto é a determinação completa, pois cada grau ou relação, tomado como o universal de uma função, determina a existência e a repartição de pontos relevantes da curva correspondente. Devemos ter aqui o grande cuidado de não confundir o "completo" com o "inteiro"; é que, no caso da equação de uma curva, por exemplo, a relação diferencial remete somente a linhas retas determinadas pela natureza da curva; ela já é determinação completa do objeto e, todavia, exprime apenas uma parte do objeto inteiro, a parte considerada "derivada" (a outra parte, expressa pela função dita primitiva, só pode ser encontrada pela integração, que de modo algum se contenta em ser o inverso da diferenciação; da mesma maneira, é a integração que define a natureza dos pontos relevantes anteriormente determinados). Eis por que um objeto pode ser completamente determinado - ens omni modo determinatum - sem dispor, por isso, de sua integridade, a única a constituir sua existência atual. Mas, sob o duplo aspecto da determinação recíproca e da determinação completa, o limite já coincide com a própria potência. O limite é definido pela convergência. Os valores numéricos de uma função atingem seu limite na relação diferencial; as relações diferenciais atingem seu limite nos graus de variação; e, a cada grau, os pontos relevantes são o limite de séries que se prolongam analiticamente umas nas outras. Não só a relação diferencial é o elemento puro da potencialidade, mas o limite é a potência do contínuo, como a continuidade é a potência dos próprios limites. Assim, a diferença encontra seu conceito num negativo, mas um negativo de pura limitação, um nihil respectivum (dx nada é em relação a x). De todos estes pontos de vista, a distinção do relevante e do ordinário, ou do singular e do regular, forma no contínuo as duas categorias próprias do não-essencial. Elas animam toda a linguagem dos limites e das propriedades, constituem a estrutura do fenómeno como tal; veremos, neste sentido, tudo o que a Filosofia deve esperar de uma distribuição dos pontos relevantes e dos pontos ordinários para a descrição da experiência. Mas as duas espécies de pontos já preparam, no não-essencial, a constituição das próprias essências. O não-essencial não designa, aqui, o que é sem importância, mas, ao contrário, o mais profundo, o estofo ou o continuum universal, aquilo de que as próprias essências são finalmente feitas.
Com efeito Leibniz nunca viu contradição entre a lei de continuidade e o princípio dos indiscerníveis. Uma rege as propriedades, as afecções ou os casos completos; o outro
rege as essências, compreendidas como noções individuais inteiras. Sabe-se que cada uma destas noções inteiras (mónadas) exprime a totalidade do mundo; mas cada uma o exprime precisamente sob uma certa relação diferencial e em torno de certos pontos relevantes correspondentes a essa relação. É neste sentido que as relações diferenciais e os pontos relevantes já indicam, no contínuo, centros de envolvimento, centros de implicação ou de involução possíveis, que se encontram efetuados pelas essências individuais. Basta mostrar que o contínuo das afecções e das propriedades de certo modo precede, de direito, a constituição destas essências individuais (o que significa dizer que os pontos relevantes são singularidades pré-individuais e o que de modo algum contradiz a ideia de que a individuação precede a especificação atual, se bem que ela seja precedida por todo o contínuo diferencial). Na filosofia de Leibniz, esta condição é satisfeita da seguinte maneira: o mundo, como exprimido comum de todas as mónadas, preexiste a suas expressões. É bem verdade que ele não existe fora do que o exprime, fora das próprias mónadas mas estas expressões remetem ao exprimido como ao requisito de sua constituição. Neste sentido (como Leibniz o lembra constantemente em suas cartas a Arnauld), a inerência dos predicados a cada sujeito supõe a com possibilidade do mundo exprimido por todos estes sujeitos: Deus não criou Adão pecador, mas, primeiramente, o mundo em que Adão pecou. É a continuidade, sem dúvida, que define a com possibilidade de cada mundo; e se o mundo real é o melhor, é na medida em que ele apresenta como um.
Nota de tradução:(A palavra mônada / mónada pode referir-se a:
Nota de tradução:(A palavra mônada / mónada pode referir-se a:
- Mónade ou mônada - conceito filosófico, introduzido por Giordano Bruno e fundamental na obra de Gottfried Leibniz
- Atman - um dos sete princípios do homem segundo a teosofia
- Mónade (teoria das categorias) - também chamado detripla ou monad, conceito matemático da teoria das categorias
- Mônada (gnosticismo) - em muitas tradições gnósticas, significa "Ser Supremo" e, nesta crença, equivale ao Deus verdadeiro)
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