quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Sócrates segundo Xenofonte


Sócrates


Sabemos através, não de Platão, mas de Xenofonte que Sócrates discutia com os seus dicípulos questões de técnica política do mais variado teor: as diferenças entre diferentes tipos de constituições, a formação de instituições e de leis políticas, os objectivos da actividade de um estadista e a melhor preparação para ela, o valor da união política e o ideal da legalidade como a mais alta virtude do cidadão.
Sabemos, pela mesma fonte, que Sócrates foi um crítico da democracia tal como ela era praticada na Grécia do seu tempo: criticava a mecanização do processo político eleitoral, através do sorteio com favas e do princípio democrático da maioria nas leis da assembleia do povo. Foi também um acérrimo crítico da tirania, nomeadamente a levada a cabo pelo seu antigo discípulo Crítias. Este chegou mesmo a proibir Sócrates de se dedicar ao ensino, sob uma velada ameaça de morte.
Para Sócrates, toda a educação deve ser política. Tem necessariamente de educar o Homem para uma de duas coisas: para governar ou para ser governado.
O Homem educado para governar, segundo ele, tem de aprender a antepor o cumprimento dos deveres mais prementes à satisfação das necessidades físicas. Tem de se sobrepor à fome e à sede. Tem de se acostumar a dormir pouco, a deitar-se tarde e a levantar-se cedo. Nenhum trabalho o deve assustar, por árduo que seja. Não se deve deixar atrair pelo engodo dos sentidos. Tem de se endurecer para o frio e para o calor. A este esforço pedido a quem deseje ser governante chama Socrates ascese.
Mas o ascetismo socrático não é a virtude monacal, mas sim a virtude do homem que deseja governar. Ascese é um conceito que equivale ao noso termo formação, que, para os governantes, deve ser de abstinência e autodomínio. 
Por outro lado, Sócrates faz do problema da liberdade um problema ético. Considera livre o homem que representa a antítese daquele que vive escravo dos seus apetites. Este aspecto só tem interesse relativamente à liberdade política, na medida em que implica a possibilidade de um cidadão livre ou um governante ser, no sentido socrático do termo, escravo. Sócrates não propôs qualquer alteração da realidade social onde o conceito de homem livre se opunha simplesmente ao de escravo.
O autodomínio e a liberdade seriam, então qualidades a desenvolver no cidadão grego e no governante. Mas estas qualidades devem estar ao serviço da virtude política.
Nos primeiros diálogos de Platão, assistimos a debates sempre inconclusivos sobre o que é ser justo, o que é ser corajoso, o que é ser piedoso. Na verdade, se compaginarmos os relatos de Platão com os de Xenofonte, percebemos que, para Sócrates, a virtude do justo, por exemplo, ainda não é virtude, se não estiver assegurado que é honesto, corajoso, etc. A virtude do corajoso ou do honesto ainda não é virtude, se lhe faltar a virtude do justo, etc.
A virtude do Homem é, então, a virtude política: a busca desta virtude é o verdadeiro caminho socrático.
Ninguém deveria ser chamado a governar a Pólis, se não fosse virtuoso. Note-se que o virtuoso de Sócrates não tem nada a ver com o rei filósofo de Platão. É simplesmente aquele que, por ascese, isto é, por formação, se eleva à virtude política, porque é honesto, é justo, é corajoso, etc. e sabe colocar a sua virtude ao serviço da Cidade.

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