Como os mercados tramaram Portugal e o Governo ficou “a ver navios”
Luís Leitão12/04/11 00:05
De acordo com os dados avançados pela comunicação social, a ‘yield' dos títulos de dívida nacional têm estado a bater novos máximos a um ritmo quase diário. Porém, isso não é, por si só, uma garantia de que haja investidores a comprarem e a venderem obrigações e bilhetes do Tesouro. Pelo contrário. A verdade é que o preço das obrigações e a respectiva ‘yield' apresentada nas plataformas de negociação profissional se tratam de valores meramente teóricos colocados por alguém num ecrã da Bloomberg ou da Reuters e para o qual não existe uma verdadeira lógica de mercado.
Isto sucede porque, ao contrário das acções - que são transaccionadas num mercado regulamentado - como uma bolsa de valores, onde o seu preço é formado pela lei da procura e da oferta, os títulos de dívida não. De acordo com algumas estatísticas, mais de 95% das obrigações são transaccionadas fora de bolsa num mercado secundário pouco transparente, denominado de mercado ‘over the counter' (OTC), caracterizado por conter preços de compra (‘bid') e preços de venda (‘ask') mas por não existir preços de fecho que oficializem a concretização de um negócio (‘last'). Na prática, significa que o preço médio dos títulos não é determinado pelos negócios concretizados mas por intenções dos compradores e vendedores. Neste sentido, é perfeitamente plausível desconfiar que, até à data, nenhum investidor comprou obrigações do Tesouro a 5 e a 10 anos acima de 8%, apesar de a Bloomberg avançar que estes títulos estão a cotar com uma ‘yield' média de 10% e 8,7%, respectivamente.
Esta realidade é ainda mais evidente quando se olha para o diferencial de preços de compra e de venda das obrigações nacionais que, de momento, apresentam um dos ‘spreads' mais elevados entre os vários títulos de dívida europeus.
Para se ter uma ideia do absurdo da situação, tenha-se em consideração o diferencial entre preço de compra e de venda dos bilhetes do Tesouro a 6 e 12 meses que, actualmente, é de quase 340 pontos base, quando os congéneres alemães apresentam um ‘spread' inferior a 5 pontos base e os italianos de 2 pontos base. Isto significa que o mercado está disposto a vender bilhetes do Tesouro a 12 meses, por exemplo, a um preço médio de 95,84 (que corresponde uma ‘yield' de 4,529%) e a comprar a um preço de 92,95 (que corresponde uma ‘yield' de 7,921%). Uma exorbitância sem qualquer lógica. O grave da situação é que cada vez que Portugal vai ao mercado para emitir dívida, como sucedeu na quarta-feira com a realização de dois leilões de bilhetes do Tesouro a 6 e 12 meses, são estes os valores de referência dos leilões. E é neste mercado verdadeiramente nebuloso que Portugal e o IGCP, a entidade responsável pela gestão da dívida e da tesouraria do Estado, têm que movimentar-se para salvaguardar o financiamento da República.
Mas quem paga o mal dos mercados são sempre os mesmos
No mundo dos mercados financeiros não há nem bons, nem maus, nem vilões, como alguns responsáveis políticos apregoam diariamente na televisão, numa espécie de ‘remake' da mítica película de ‘western' de Sergio Leone, datada de 1966. Sobretudo porque, no caso do drama das contas públicas lusitanas, "só é cego quem não quer ver", porque os mercados têm pressionado os títulos de dívida nacional nos últimos tempos. E o pior é que os danos colaterais desta política desnorteada e de todo o mal dos mercados são pagos pela parte mais fraca da equação, as famílias. Foi isso que sucedeu a 30 de Março, quando o IGCP anunciou que não haveria qualquer alteração da taxa de remuneração dos certificados do Tesouro subscritos em Abril, por considerar que "os mercados de BT e OT não estão a funcionar de modo eficiente (mercado disfuncional) " e "que os preços no mercado das BT e OT divulgados nas plataformas electrónicas não correspondem à realização efectiva de transacções."
Na prática, o Governo decidiu mudar as regras destes produtos de poupança desenhados em Julho para as famílias a meio do jogo, quando isso passou a ser inconveniente para os cofres do Estado, ainda que não tocando nas rendibilidades já contratadas. Porém, nada aconteceu junto dos investidores internacionais pois, até agora, ainda não houve qualquer indicação por parte dos governantes no sentido de haver lugar a uma reestruturação da dívida nacional que visasse uma de três situações: a extensão do período de pagamento da dívida, a redução ou suspensão do pagamento dos juros, ou mesmo a redenominação do valor do empréstimo - em que os credores em vez de receberem 100% do empréstimo concedido, passam a receber, por exemplo, 70%.
Trata-se assim de situação clara de "um peso, duas medidas", um termo popular celebrado por Sócrates, não do primeiro-ministro do actual Governo em demissão mas do popular filósofo grego.
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