José Gil afirmou, justamente na RTP, que é urgente renovar a linguagem que é habitual ser usada por comentadores e políticos, para promover a melhoria da comunicação entre os portugueses e, com isso, uma maior participação democrática, que possa inibir movimentos de desespero e de descrença na capacidade de os nossos governantes levarem a cabo a sua tarefa com sucesso mínimo.
Ora, tudo indica que a conversa sobre a RTP e o serviço público de comunicação social está a ser perigosamente conduzida para uma decisão autoritária, gerada por défice de atenção com hiperatividade, por impulsos de poder, ou por pavor de o perder. Proponho, então, que clarifiquemos a noção de "serviço público". Este termo (serviço público) pode referir-se a dois conceitos relacionados, mas distintos: por um lado, refere-se a uma "instituição pública", e, por outro lado, a um serviço prestado, por uma organização particular ou pública, de acordo com o interesse geral. Sendo uma instituição pública, isto é, um serviço público, aquilo que pode e deve ser discutido é se esse serviço tem a qualidade que deve caracterizar uma instituição do Estado. Se o termo se refere a um serviço prestado ou a prestar por uma organização, a questão que se coloca é se o Estado reconhece que essa organização ou instituição cumpre todos os requisitos, julgados pertinentes, para desempenhar essa função. As empresas de taxis e as empresas particulares de transportes coletivos encontram-se nesta última situação. Prestam um serviço público, de acordo com regras definidas pelo Estado.
Neste sentido, a SIC e a TVI não prestam menos serviço público do que a RTP. Podemos falar das suas opções, da sua qualidade, etc., mas o que quer que seja que façam, fazem-no em nome de uma concessão, atribuída pelo Estado, àquelas empresas, e não a outras que eventualmente também gostariam de fazer o mesmo. Porque se trata da prestação de um serviço público, faz sentido que seja regulamentado e de autorização condicionada e limitada aos melhores candidatos concorrentes. Por outras palavras, a SIC e a TVI beneficiam de uma concessão para prestação de um serviço público. Nesta linha de pensamento, concessionar a RTP a uma empresa privada, tirando o ponto que diz respeito à utilização ou aluguer dos meios instalados, é o mesmo que privatizar ou concessionar o direito a prestar o serviço de comunicação social, tal como foi feito à SIC e à TVI.
Assim sendo, a questão central é a de saber se Portugal merece e se precisa de ter uma instituição pública de comunicação social. Que o serviço que presta ou venha a prestar se tenha de sujeitar a regras não é coisa nova, nem traz qualquer elemento pertinente ao debate. Confundir-se "serviço público" com "serviço de uma certa qualidade" é alimentar um debate ocioso, na medida em que este debate deve ser permanente, pois não há nada que garanta que o que hoje se diga de qualidade não venha a ser, num futuro mais ou menos próximo, considerado como sem qualquer tipo de interesse. Se nos concentrarmos na questão central - a de saber se Portugal deve ter uma instituição pública de comunicação social - as outras solucionam-se muito mais facilmente.
Do meu ponto de vista, o facto de o debate sobre a qualidade de qualquer serviço público ser permanente, de nunca dever ser concluído, argumenta a favor da existência de uma instituição pública de comunicação social. É que as instituições públicas são precisamente aquelas únicas que se constituem como um bem comum, e só o bem comum pode ser discutido democraticamente. O debate democrático sobre a comunicação social - imparcialidade, qualidade dos programas, etc. - só é possível se um bem comum, um serviço público (ou uma instituição pública) prestar serviços públicos em concorrência com instituições privadas.
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