Fomos bombardeados nos últimos dias com notícias e comentários sobre a irresponsabilidade de alguns políticos. Fez e continua a fazer sentido. Mas a irresponsabilidade tem outros contornos muito mais sérios e dignos de apreciação.
Não são os governos que, em primeira linha, asseguram a viabilidade de um povo ou de uma nação. Na verdade, só o são em regimes despóticos ou ditatoriais, e, neste caso, essa garantia é conseguida pela imposição, pela coação e não pela liberdade, pelo gosto ou pela conveniência do próprio povo. Nos regimes democráticos, são as instituições democráticas que, em primeiro lugar, desempenham esse papel vital de dar consistência e resiliência às nações, sobretudo em situações de crise.
Quando os governantes fazem apelo ao dinamismo e à inovação e ao empreendedorismo dos cidadãos, e, simultaneamente, minam a confiança dos cidadãos nas suas instituições (educação, saúde, justiça, etc.) ou não sabem o que dizem e muito menos o que fazem, ou estão a propor um caminho de despotismo e de desrespeito pela liberdade e pela democracia. Revelam a sua profunda ignorância ou o seu abjeto cinismo, se, ainda por cima, clamam por essa diluição das instituições democráticas em nome de uma conceção liberal da sociedade.
A democracia parlamentar só pode basear-se na existência de instituições justas: num sistema educativo que responda eficientemente à sua missão, num sistema de saúde que faça o mesmo, etc. Há quem defenda que só numa democracia popular, isto será possível, e portanto a democracia parlamentar (estritamente representativa) não é compatível com instituições justas. Do meu ponto de vista, é ao contrário: a democracia parlamentar só tem sentido se as instituições forem justas.
Nesta ordem de ideias, um governo que baseia uma boa parte da sua argumentação "reformista" na desvalorização das instituições, como a educação, a saúde, a segurança social, a justiça, etc., é um governo que anseia o poder absoluto, por via da desorganização dos próprios pilares da vida em sociedade.
Um governo pode sofrer as crises que quiser, se as instituições de realização da democracia forem respeitadas e conseguirem continuar a desempenhar a sua missão. Mas quando o governo assume tal relevância que é o centro de toda a vida social, uma crise de crianças, sem valor e sem sentido, torna-se num problema mais grave do que aqueles que é necessário resolver. Num altura destas, o povo deveria perceber que está sujeito a um regime de exercício de poder absoluto, centralizado e despótico.
Com efeito, o despotismo (concentração do poder executivo e legislativo numa só pessoa ou num único grupo) é demasiado fácil e tentador num regime de democracia parlamentar, em que o chefe do executivo é também o chefe dos parlamentares. A única forma de combater este depotismo fácil e tentador para governantes obsessivos, é manter instituições sociais e democráticas (porque realizam a democracia real) respeitáveis e respeitadas.
O problema é que os nossos governantes e muitos dos seus seguidores vêem nessas instituições, não uma possibilidade de realização da democracia, mas um obstáculo ao seu poder despótico. E, em vez de se preocuparem em aumentar a sua eficiência, gastam grandes quantidades de energia a denegri-las, isto é, a anarquizar a sociedade.
Do meu ponto vista, não se trata, portanto, de conservar essas instituições com um modelo de funcionamento que se revele inadequado aos tempos atuais. Muito antes pelo contrário. Trata-se de reformar, de melhorar permanentemente essas instituições. Mas, para isso, não é necessário nem conveniente anarquizá-las.
A irresponsabilidade maior dos governos é, portanto, a de destruir a confiança do povo nas suas instituições mais vitais, seja porque baseiam nessa ausência de confiança a sua própria força para governar, seja porque não fazem as reformas que deveriam fazer. Isto sim, é irresponsabilidade. Não houvesse esta forma de irresponsabilidade, e as crises de governos adolescentes seriam só uma grande piada, corrigível antes de produzirem estragos.
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