Em Português, temos alguma vantagem para compreender o problema do conhecimento tal como é habitualmente discutido, por dispormos de duas palavras, “saber” e “conhecimento”, que nos facilitam a compreensão de uma distinção muito importante: a distinção entre a atividade de conhecer e o seu resultado, o saber. (Em inglês, só se recorre a uma palavra para os dois conceitos, e esta característica linguística e cultural não é neutra).
No entanto, esta distinção, facilitada na nossa língua por dispormos de duas palavras, torna-se muito complexa e difícil, não por razões lógicas, mas porque em todas as línguas e nos nossos hábitos de expressão somos fortemente influenciados pela tradição realista que sempre esteve presente na tradição filosófica ocidental. É extremamente difícil substituir o conceito de conhecimento como devendo produzir uma imagem do mundo real (imagem incompleta, talvez, mas mesmo assim imagem) pelo conceito de “acção”. Mas é precisamente esta substituição que é necessário fazer para compreender os fundamentos do construtivismo.
Todo o conhecimento é o resultado de uma acção ou de uma série de acções. Uma acção não surge por acaso. A acção dirige-se sempre para um fim - e o fim é necessariamente uma estrutura construída ou por reflexos inatos ou com base nas experiências do agente. Piaget mostrou muito bem como isso funciona no domínio da perceção e também no domínio da concetualização. Nos dois domínios, é o sucesso de uma ação ou operação que nos fornece a medida da sua validade. Neste ponto, o construtivismos aproxima-se claramente do pagmatismo, por exemplo, de William James.
Para se ter sucesso, todavia, não é uma imagem “correta” o que nos faz falta, mas sobretudo uma espécie de mapa que nos permita evitar os obstáculos que o mundo real poderá colocar no caminho das nossas acções. Por outras palavras, trata-se não de fazer uma cópia da estrutura do mundo real, mas sim de construir um mapa de itinerários, através dos quais nos podemos orientar no mundo e alcançar os fins que escolhemos.
Imaginemos uma noite sem luar. Encontramo-nos numa floresta e queremos encontrar o caminho para sair dela. Avançamos lentamente. A cada dois ou três passos, as nossas mãos encontram um obstáculo - uma árvore, uma pedra… - que nos obriga a desviarmo-nos do caminho que pretendíamos seguir. Após um certo tempo, se tudo correr bem, começaremos a ver as estrelas e apercebemo-nos de que finalmente conseguimos deixar a floresta para trás. Se nessa altura nos questionarmos sobre o que realmente sabemos a respeito daquela floresta, só podemos dizer uma coisa que ficamos a saber: um caminho possível de saída, uma forma de a atravessar, de passar por ela. Este saber só foi adquirido, avançando, superando os obstáculos que nos afastavam da saída e tendo em conta os nossos próprios movimentos que nos conduziam pelo caminho possível. É neste preciso sentido que podemos falar do saber que nos permite caminhar através do mundo e da vida, e não como um conjunto de informações, como a tradição aristotélica, consolidada agora pela informática, nos legou.
O que é a filosofia (2013)
Jorge Barbosa
Sem comentários:
Enviar um comentário