domingo, 12 de janeiro de 2014

A Liberdade em Espinosa




O Tratado Telógico-Político é a principal das obras que Espinosa publicou em vida. O seu intento, expressamente afirmado no subtítulo, é demonstrar que a liberdade de pensamento constitui um dispositivo essencial para a manutenção da paz no interior dos Estados. Longe, porém, de limitar esse intento a um simples enunciado estratégico, estabelecendo empiricamente, através de factos históricos ou do seu tempo, uma relação de causa-efeito entre liberdade e paz, Espinosa elabora aquela que é a primeira e, porventura, a mais profunda reflexão alguma vez publicada sobre a democracia, regime que designa como o «mais natural e o que mais se aproxima da liberdade que a natureza concede a cada um».
Durante séculos, o escândalo que semelhante proclamação representou aos olhos de todas as ortodoxias foi enorme. Mesmo em nossos dias, se a encararmos em toda a sua dimensão, não é ainda absolutamente seguro que já o tenha deixado de ser. E por uma simples razão: Espinosa inscreve a liberdade no âmago da natureza humana, para demonstrar que só a partir dela é possível pensar e executar uma política para os homens tal como eles são realmente, invertendo assim a convicção secular e comummente arreigada segundo a qual a política se alicerça numa verdade que teria de se impor aos homens e que determinaria o limite até onde eles podem ser livres. Ao arrepio do contratualismo, que encara toda a política como uma forma de reprimir o «estado de natureza» e vê no Estado uma garantia do não-retorno deste, Espinosa apresenta a democracia como uma forma de realização da própria natureza humana, porquanto as instituições políticas aí aparecem como realização objectiva da liberdade que está inscrita na essência de cada indivíduo: «o fim do Estado é, realmente, a liberdade». 

Da tradução do Tratado Teológico Político, Imprensa Nacional Casa da Moeda.




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