segunda-feira, 20 de julho de 2009
O PRAGMÁTICO, O ORANGOTANGO E O PAPAGAIO
Os rudimentos do intelecto ou do pensamento aparecem nos animais independentemente do desenvolvimento da linguagem, e não têm em absoluto qualquer conexão com os níveis de desenvolvimento da linguagem. Este princípio, enunciado por Kohler, beneficia particularmente a avaliação da inteligência dos nossos irmãos macacos, chimpanzés e orangotangos. Houve mesmo quem chegasse a pensar que o orangotango possuía uma espécie de "ideação superior": Yerques por exemplo. No entanto, o mais provável é que ele tenha confundido a semelhança exterior do comportamento do orangotango com o do ser humano, interpretando-a como a prova da existência de uma "ideação superior" no orangotango.
De qualquer modo, qualquer que seja a interpretação dada à enorme capacidade intelectual do orangotango, a verdade é que ele não consegue desenvolver uma linguagem que se equipare à humana. Falta-lhe a capacidade, que tem o papagaio, de imitar e, portanto, de aprender os sons da língua.
Tivesse, então, o papagaio a inteligência do orangotango, ou o orangotango a capacidade de imitação do papagaio e um e outro seriam dotados de linguagem idêntica à humana.
É claro que a linguagem não surge apenas sob formas vocais: a linguagem não está necessariamente associada a um veículo material específico. Portanto, a possibilidade que tem o orangotango de imitar os gestos, deveria permitir-lhe adquirir uma linguagem de base visual, uma qualquer língua gestual. E não adquire.
O que lhe falta, então? Precisamente a "ideação". Ao contrário do que pensa Yerques, o orangotango tem uma enorme inteligência, mas não tem nem a capacidade de imitação dos sons, nem a de ideação, e, por isso, também não contrói nem aprende signos.
Para que pudesse desenvolver uma qualquer forma de linguagem de signos, o orangotango teria de aprender a imitar sons vocais, ou desenvolver capacidades de ideação, de representação mental, na ausência ou independentemente das coisas representadas, isto é, teria de ter imaginação. E não tem nem uma nem outra.
Acontece que uma espécie animal, sucedânea do homo sapiens sapiens, junta precisamente a inteligência do orangotango às capacidades imitativas do papagaio: o homo pragmaticus. Surge, então, no nosso vastíssimo panorama bio-ecológico, uma nova espécie com capacidades intelectuais e de linguagem acima do que a nossa melhor fantasia poderia imaginar, mas sem a capacidade de ideação. Este homo pragmaticus é facilmente identificável pelas suas propostas inteligentíssimas do tipo da realpolitik. A sua inquestionável superioridade, face ao homo sapiens sapiens, tem vindo progressivamente a ser reconhecida, pelo que muitos dos seus exemplares ocupam hoje lugares importantes na hierarquia do poder.
O homo pragmaticus resulta, portanto, da combinação da imitação dos papagaios com a inteligência dos orangotangos. Destas duas espécies, herda também a configuaração orgânica e anatómica: dos papagaios, herda as asas, e dos orangotangos, o peso (dos conhecimentos e da importância).
Tendo a opção de poder caminhar ou voar, o homo prgmaticus, opta por voar. Só que as asas de papagaio, que herdou, não sustentam o peso que tem. "Pensa", assim, que voa, mas nunca sai do sítio. As aspas em "pensa" previnem o leitor relativamente à imprecisão do conceito. De facto, o pragmaticus não pensa, não tem qualquer hipótese de ideação, mas a sua enorme inteligência e o seu comportamento exterior fazem-nos pensar a nós que sim. Nisto se dinstingue de uma outra espécie sucedânea do homo sapiens sapiens: o homo annalyticus. Este, pelo contráio, segue a doutrina de Watson, segundo a qual pensamento e linguagem são a mesma coisa. Por isso, mesmo não tendo asas, nem inteligência (só pensamento, ou só linguagem, tanto faz), pensando que voa, ou dizendo que voa, voa como se não houvesse amanhã.
Qual será então o futuro do homo sapiens sapiens, perante estes competidores, seus sucedâneos? Não se sabe, verdadeiramente. Com efeito, o homo annalyticus, embora historicamente posterior ao sapiens sapiens, revela deficiências que o colocam decididamente num processo de regressão da espécie humana; já o pragmaticus é, sem qualquer margem para dúvidas, no actual estado dos nossos conhecimentos, uma evolução positiva do sapiens sapiens.
Se este enquadramento teórico tiver fundamento, o mais provável é que o homo sapiens sapiens sofra uma significativa reestruturação, transformando-se naquilo a que se chamará homo extinctus.
Extinctus, neste caso, não significa desaparecido ou morto. Pelo contrário, o extinctus será em tudo igual ao sapiens sapiens, só que surgirá como um relâmpago e desaparecerá ao som do seu trovão. Assim sendo, embora perdure sempre por pouco tempo, quanto mais distante esteja do annalyticus ou do pragmaticus, por mais tempo perdurará o seu brilho.
FAQ:
Pergunta:
O pragmático é mesmo inteligente?
R.: Com certeza. Por vezes temos a impressão de que o pragmático é completamente destituído de qualquer modalidade, ínfima que seja, de inteligência, mas isso resulta tão só do facto de aquilo que diz ou faz não ser comandado pela inteligência, e pelo facto de a inteligência não ser minimamente influenciada pela sua experiência. A sua enorme inteligência está resguardada de qualquer contaminação. Nunca a inteligência interfere nos actos ou palavras do pragmático. Ela é guardada intacta numa espécie de cofre que o pragmático exibe, sempre que alguém duvide dos seus dotes intelectuais. Exibida a inteligência, sempre dentro do cofre, imediatamente é colocada no lugar que, por inerência lhe pertence: à distância de todos os olhares, sejam eles discretos ou indiscretos.
Pergunta:
O analítico é inteligente?
R.: Esta é uma questão que, embora frequente (como indica o termo FAQ), não tem qualquer sentido, aplicada a um analítico. O analítico pensa e vocaliza, o que, para ele, é a mesma coisa. Esta é a sua característica. A inteligência seria um adorno que prejudicaria gravemente as suas competências extraordinárias no domínio do pensamento e das vocalizações.
Pergunta:
O autor deste artigo é pragmático, analítico, ou o quê?
R.: O autor deste artigo é sobretudo O Quê?. Na verdade, se fosse sapiens sapiens, como muitas das suas afirmações poderiam levar a crer, precisaria, no mínimo, de trinta mil milhões e quinhentas e vinte e três teses de doutoramento para começar a balbuciar o início de uma resposta à pergunta. Alguns autores consideram-no um homo extinctus. Neste momento, na ausência do número mínimo indispensável de teses de doutoramento sobre o assunto, não é possível responder à pergunta.
Pergunta:
O autor deste artigo é inteligente?
R.: As dúvidas, levantadas na resposta à pergunta anterior, são ainda mais vigorosas numa tentativa honesta de responder a esta pergunta. Uma coisa é certa: não é estúpido.
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