terça-feira, 9 de junho de 2009

COMPRIMIDO VERMELHO DE "MATRIX"


Os europeus estão com medo. Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, optaram por seguir o discurso securitário da direita conservadora e liberal. Têm medo dos imigrantes, têm medo do desconhecido, têm medo do desemprego, têm medo da crise.
A crise que se vive no mundo capitalista não é uma crise financeira nem uma crise económica; é, sobretudo, uma crise social, com manifestações no domínio financeiro e económico.
Vejamos:
A participação dos salários no PIB em França diminuiu 11% em 25 anos. (Tenho mais facilidade em encontrar estes dados em França...)
Em França, em 2008, 200 mil milhões de euros que deviam ser destinados aos salários, ao financiamento da Segurança Social, à habitação, à investigação... foram parar à esfera financeira.
Na Europa, como explica Patrick Artus, director de estudos na Caisse des Dépôts, "em dez anos, a dívida privada passou de 75% a 145% do PIB. Se as famílias não se tivessem endividado, o crescimento na zona euro teria sido nulo desde 2002."
Desde 2002, na zona euro, o crescimento tem vindo a ser assegurado pela dívida das famílias. Não pelo poder de compra que resulta dos salários.
E, fora da zona euro, um estudo de Buchalet et Sabatier mostra que, sem o aumento do endividamento das famílias, a Grã-Bretanha já teria entrado em recessão em 2002. Mesma coisa, portanto.

Esta fuga para a frente encostou-nos à parede.

Atingimos níveis de endividamento insustentáveis. Com efeito, os salários diminuíram substancialmente em termos reais e aumentou o emprego precário. As famílias já não conseguem endividar-se mais. Consequentemente, todos os países entraram em recessão...
Não nos será possível sair da crise se não conseguirmos reequilibrar a balança salários/lucros do capital. Esta é a questão fundamental, tanto do ponto de vista da justiça social como da eficácia económica. Como escrevia Patrick Artus em 2007, "na zona euro, todos os anos, as empresas retiram ao bolso dos assalariados o equivalente a 1% do PIB a mais do que era habitual em períodos precedentes. Em resultado da perda de poder de negociação dos assalariados, a transferência a favor do lucro é considerável."

Esta perda de poder de negociação dos assalariados tem uma causa fundamental: o medo do desemprego, esse mesmo medo que leva os europeus a optar por uma política securitária, essencialmente proteccionista e xenófoba. A sua opção alimenta a crise, apoiando aqueles que acham que a solução está em cometer os mesmos erros, mas agora de forma mais cuidadosa.

Os que acusam os accionistas de serem demasiado gulosos têm razão, mas accionistas demasiado gulosos sempre houve. Ser guloso, querer o máximo de rendimento, é, há séculos, a própria definição de accionista. A novidade dos últimos 20 anos não é a de os accionistas serem gulosos. A novidade é que conseguiram obter o que pretendiam, não por mérito próprio, mas porque a negociação entre o trabalho e o capital foi desequilibrada. Desequilibrada por medo do desemprego.

Chegou a hora de os europeus escolherem o comprimido vermelho de "Matrix". Chegou a hora de abrir os olhos para a realidade.
E se os partidos de esquerda, nomeadamente o PS, não forem capazes de lutar a favor do reequilíbrio do trabalho e do capital, então não se queixem, nem das abstenções, nem das derrotas.
Merecem-nas.
Merecem mesmo que cuspam nos cadáveres em que se transformarão.

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