segunda-feira, 10 de março de 2008
SÍNTESE DO DEBATE SOBRE O DECRETO-LEI 3/2008, promovido pelo FEEI - FÓRUM DE ESTUDOS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA
SÍNTESE DO DEBATE SOBRE O DECRETO-LEI 3/2008, promovido pelo
FEEI - FÓRUM DE ESTUDOS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Aula Magna do Instituto Piaget de Almada, 1 de Março de 2008.
540 participantes.
Oradores:
- Dra. Luísa Mesquita: deputada independente da Assembleia da República e membro da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência
- Prof. Doutor Luís de Miranda Correia: Professor do Instituto de Estudos da Criança, da Universidade do Minho
- Prof. Doutor David Rodrigues: Professor da Universidade Técnica de Lisboa, Coordenador do FEEI - Fórum de Estudos de Educação Inclusiva.
O FEEI, Fórum de Estudos de Educação Inclusiva é uma entidade científica com mais de 800 membros, que tem como objectivos fundamentais a formação, informação apoio e investigação sobre Educação Inclusiva. Os objectivos deste debate foram: a) estabelecer um diálogo construtivo com todos os intervenientes implicados, directa ou indirectamente, no Decreto-lei 3/2008 e, b) extrair conclusões que apontem caminhos para a aplicabilidade da Lei, que garantam o direito à inclusão de todos os alunos.
Após 4 horas de um debate muito participado, os presentes:
1- Reafirmaram o seu empenhamento na construção de uma Educação Inclusiva em Portugal, como um caminho inadiável e um direito inalienável.
a) A Educação Inclusiva é um direito de todos os alunos, nomeadamente aqueles com Necessidades Educativas Especiais (NEE) e, por isso, é um dever do Estado a sua implementação.
É desígnio da escola que todos aprendam juntos no estabelecimento de ensino da área de residência e, sempre que possível, nas classes regulares, desde que lhes sejam prestados os necessários serviços e apoios. O lugar para esta construção é a escola regular pública, heterogénea e é este o lugar de escolarização de todos os alunos.
b) A Inclusão constrói-se na sala de aula, através das transformações ao currículo, ao ensino e à organização da escola. O professor de EE é, antes de mais, um docente que organiza, coopera e promove essas transformações. Deve elencar e providenciar a remoção de barreiras. A cooperação e o trabalho em equipa, entre os alunos e entre os professores, são traves mestras da Inclusão.
c) O trabalho técnico específico da Educação Especial e as soluções mais segregadas, como as Unidades, ou a Escolas de Referência, poderão ser necessárias, mas deverão ser sempre último recurso e excepções para uma minoria de alunos. Não deverão ser apresentados como “a” forma de educar estas crianças.A Inclusão centra-se no pressuposto de que os eventuais problemas na aprendizagem não devem ser situados no aluno mas no currículo, isto é, nos conteúdos, na organização e nas estratégias. A ênfase deve ser colocada na colaboração entre alunos e professores, estratégias para alunos e professores, trabalho de sala de aula, planificação conjunta, diferenciação e remoção de barreiras à aprendizagem e participação.
d) O Departamento de Educação Especial deveria ter por missão constituir uma equipa de promoção destas mudanças na escola no seu conjunto.
2- Mostraram preocupação pelo o facto dos pressupostos de uma Educação Inclusiva não terem sido claramente consignados e operacionalizados neste Decreto-Lei.
a) Acentua a necessidade de classificar e agrupar alunos por problemáticas, funções e disfunções.
b) Opta por um sistema de unidades e escolas de referência que poderão desenraizar os alunos das suas comunidade e comprometer a formação da sua rede social de apoio.
c) Utiliza uma classificação proveniente da saúde para categorizar deficiências permanentes, em detrimento de uma avaliação educacional que possa conduzir ao delineamento de programas de intervenção.
d) Necessita de definir “Inclusão”, “Educação Especial” e “Necessidades Educativas Especiais”, para permitir uma compreensão clara e sustentada dos respectivos termos e dos próprios princípios da Lei.
e) É um documento centrado no termo “Deficiência” e restrito ao carácter permanente das NEE, desconsiderando as necessidades de milhares de outros alunos (problemas intelectuais, dificuldades de aprendizagem específicas ou severas, problemas comportamentais e outros).
3- Criticaram o facto de um Decreto-Lei estruturante não ter sido fruto de um debate prévio alargado.
a) A investigação tem que promover a acção e as decisões. Foi criticado o facto de o ME não ter considerado como interlocutores/consultores a amplitude das organizações científicas portuguesas, bem como muita da sua investigação realizada recentemente (cf. “Tomada de posição sobre a CIF”, publicado pelo FEEI em Fevereiro de 2007 e subscrita por 18 Instituições do Ensino Superior do nosso país).
b) As decisões políticas tomadas para este sector deveriam ter por base uma avaliação externa independente do sistema vigente.
c) Esta falta de debate, restringiu a participação de pais, especialistas e investigadores com opiniões e posicionamentos diversos e provocou o afunilamento de uma reflexão mais crítica, tão necessária em mudanças desta natureza.
4- Mostraram preocupação por não ser clarificada a forma de financiamento e dotação de recursos nas escolas regulares, bem como o funcionamento de equipas multidisciplinares e a formação adequada dos docentes.
a) Fala-se de investimento na Educação mas, na prática, verificam-se constrangimentos financeiros. O desinvestimento na Educação sairá muito caro ao país, sendo preocupante a falta de planificação em relação à Educação Especial, em termos de dotações financeiras. Mantém-se um assunto “tabú”, que compromete uma educação de qualidade para centenas de milhares de alunos.
b) Consideraram importante reavaliar a formação especializada de docentes, à luz de um modelo de Educação Inclusiva. Formar docentes para a Inclusão não é o mesmo que os formar para funções meramente técnicas ou para uma intervenção numa escola especial. Faltam propostas sobre o que se prevê como formação e como carreira dos Professores de Educação Especial, sobretudo à luz da Reforma de Bolonha.
c) Questionaram as formações curtas (sensibilizações de 50 horas) realizadas pelo ME sobre assuntos e problemáticas muito sensíveis, quando para a especialização em Educação Especial é necessária uma formação muito mais completa. São acções pré-formatadas, que não respeitam a autonomia das entidades formadoras e que estabelecem padrões de conhecimento nivelados por baixo. Formações “instantâneas” como estas já tinham sido desenvolvidas antes pelo ME, no âmbito das Tecnologias da Informação e Comunicação.
d) Deveria ser criado um sistema de colocações que tivesse em conta as necessidades dos alunos e das escolas e não um sistema pré-formatado, computorizado de colocações, muitas vezes desajustadas e que deveriam ser corrigidas, sempre que necessário.
e) Sabendo que a rede dos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) abrange apenas 15% das escolas portuguesas, constata-se que as escolas não têm acesso a equipas multidisciplinares. Os professores de Educação Especial estão, muitas vezes, sozinhos na sua tarefa. Este documento legal não promove estas equipas que são pedra basilar de um atendimento de qualidade.
f) O documento introduz a intervenção do Director de Turma (DT), do Conselho Pedagógico (CP) e do Conselho Executivo (CE) em diferentes etapas da aprovação e coordenação do PEI, que deveriam ser da responsabilidade do docente de Educação Especial. Estes docentes deveriam ser os responsáveis pela aprovação e coordenação dos PEI, estando este aprovado logo após a assinatura dos intervenientes, respeitando, desta forma, a autonomia e competência profissional destes docentes.
5- Propõem a retirada da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) como instrumento base da classificação dos alunos a eleger para a Educação Especial.
a) A CIF diz respeito à saúde e qualquer extrapolação linear para a educação pode ter consequências gravosas. Esta classificação está ainda num processo de adaptação e estudo, não havendo investigação que possa validar a utilização da CIF em termos educacionais. O ME iniciou a utilização da CIF com um instrumento criado para adultos e a versão para crianças e jovens, embora parcialmente traduzida, não se encontra ainda disponível para uma aplicação na realidade portuguesa.
b) A aplicação da CIF em Educação não obtém a aprovação, nem dos seus próprios mentores e autores, que evidenciaram muitas reticências quanto à forma como este documento está a ser usado em Portugal.
c) A CIF deve basear-se nas várias avaliações das equipas interdisciplinares. Pode aglutinar informação arrumando-a em códigos e ter linguagem comum, mas em Educação o seu uso é confuso e desnecessário. Avaliar e intervir com base na CIF é uma opção que retira qualidade à intervenção educacional.
d) Na sua utilização educacional, a CIF não tem eco nem nos EUA nem na Europa.
i. As principais dúvidas levantadas pelos participantes quanto à aplicação prática da CIF estavam relacionadas à: Confusão entre Actividades e Participação
ii. Subjectividade nos processos de graduação da gravidade.
iii. Excesso de tempo para o seu preenchimento e necessidade de estarem presentes todos os recursos envolvidos. Houve referência ao facto de ser antiético o preenchimento da parte médica da CIF por professores e foram reportadas repetidas opiniões de médicos que afirmavam “não ter tempo” ou “não saber” como se preenche a CIF.
6- Consideram fundamental reformular este documento legal ou, pelo menos, proceder a alterações urgentes, desta vez, com a participação de todos.
a) São considerados aspectos positivos: a obrigatoriedade do PEI; a promoção da transição para a vida pós-escolar, a confidencialidade do processo; a criação do Departamento de Educação Especial, o fim dos encaminhamentos para instituições e as sanções às escolas que se recusem a aceitar estes alunos.
b) Na impossibilidade de proceder a essa desejada reformulação, seria importante corrigir de imediato os seguintes pontos:
a. Retirar o ponto da CIF, pelas razões anteriormente citadas.
b. Reescrever uma parte do corpo do decreto face à retirada da CIF quanto à elegibilidade, estabelecendo critérios consensuais e científicos. Assumir que a avaliação e a intervenção em Educação Especial deve ser feita em função do currículo.
c. Retirar a necessidade de aprovação do PEI pelo CE e pelo CP, devendo este documento estar aprovado quando assinado pelos intervenientes. Num lado aparece o CE a aprovar e noutro o CP.
d. Retirar o termo “crianças” nos processos de transição e flexibilizar os prazos referidos como forma de permitir equilíbrio e bom-senso no peso das diversas componentes e respostas para estes alunos, numa perspectiva de prioridade à Inclusão na turma e no currículo comum.
e. Estabelecer que a coordenação da aplicação do PEI deveria ser do docente de Educação Especial e não do DT.
f. Apresentar as unidades e Escolas de Referência como excepção e último recurso, promovendo a Educação Inclusiva para as problemáticas severas, privilegiando soluções mais abertas, salas de transição e centros de recursos.
g. Dar a prioridade à cooperação, às parcerias, à prática pedagógica diferenciada e à permanência dos alunos com NEE na sua turma de referência, em detrimento de respostas mais restritivas excepcionais.
h. Educação Bilingue deveria ser objecto de medidas educativas de outro tipo, por se tratar de uma comunidade com uma identidade própria e com uma Língua específica.
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