quarta-feira, 5 de março de 2008

AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES

Fernando Basto

Chegou a integrar um grupo que fazia propostas para um novo sistema de avaliação, mas saiu. É professor coordenador com agregação da Escola Superior de Educação de Santarém. Tem 53 anos de idade e 33 de profissão docente. Já publicou 32 livros, edita um "website" sobre Pedagogia e tem três blogs na rede, sendo dois sobre Educação. É consultor da Fundação Calouste Gulbenkian.


Classifica o actual sistema de avaliação do desempenho dos professores como "injusto" e "demasiado burocrático". Ramiro Marques não tem dúvidas mais do que penalizador dos professores, o modelo vai, no seu entender, prejudicar os alunos.



JN| Fez parte da equipa técnica do Ministério da Educação (ME) encarregada de estudar as mudanças a introduzir na avaliação de desempenho dos professores?



Ramiro Marques|Cheguei a fazer parte de um pequeno grupo de trabalho que elaborou alguns princípios orientadores do modelo de avaliação. Participei apenas em duas reuniões, a convite do secretário de Estado Valter Lemos, de quem fui colega e a quem reconheço inteligência e grande capacidade de trabalho.



E abandonou a equipa porquê?

Porque reparei que a intenção era criar um mecanismo que obrigasse dois terços dos professores a ficarem a meio da carreira, ainda por cima sem a garantia de que os que iriam ter acesso ao topo da carreira fossem os melhores. Reparei também que havia a intenção de criar um processo extremamente burocrático e consumidor de tempo e de energias, que andaria associado a um processo de perda de autonomia e de liberdade pedagógica dos professores.



O ME alega que a avaliação de desempenho existente até aqui não passava de um processo de progressão automática. Concorda?

Não é inteiramente verdade. Durante alguns anos, os professores tiveram de se submeter a uma prova pública de avaliação curricular, perante um júri constituído por três personalidades exteriores à escola. Chamava-se a esse exame a prova pública para acesso ao 8.º escalão. Era isso que o estatuto da carreira docente exigia. A prova era dura demorava duas horas, o professor tinha de entregar um portefólio crítico e era interrogado sobre o seu curriculum profissional. Presidi durante mais de um ano a um desses júris. Quem não fosse aprovado nessa prova pública não passaria do 7.º escalão e, portanto, estaria impedido de chegar ao topo da carreira. Mas não havia quotas. Foi precisamente o Governo do PS que acabou com essa prova, instituindo, em consequência, um processo meramente administrativo de acesso ao topo da carreira. O senhor José Sócrates era, creio eu, nessa altura, ministro do Ambiente do Governo que acabou com essa prova pública. Foi cúmplice.



Os professores contestam o actual modelo, dizendo que é demasiado burocrático. Concorda?

É um modelo injusto e demasiado burocrático. É injusto porque, em consequência de um concurso, igualmente injusto e mal conduzido, de acesso à categoria de professor titular, coloca licenciados a avaliar doutorados e professores com menos anos de experiência e menor formação académica a avaliar colegas com mais formação académica e mais anos de experiência. Por outro lado, com a criação de mega-departamentos curriculares, este sistema de avaliação coloca professores de Biologia a avaliar professores de Matemática (e vice-versa) e professores de Informática a avaliar professores de Física, destruindo e espezinhando toda a lógica dos saberes constituídos.



E é burocrático porquê?

Porque obriga os professores à elaboração e preenchimento de um número desmesurado de fichas. Sem querer ser exaustivo, aponto apenas algumas ficha de objectivos individuais, ficha de auto-avaliação, ficha de avaliação do coordenador de departamento, ficha de observação de aulas, portefólio do professor avaliado, ficha de análise de conteúdo do portefólio, ficha de avaliação a cargo do presidente do Conselho Executivo, etc.



Quais são os aspectos mais negativos deste sistema?

São tantos que é difícil enumerar. Os prazos estabelecidos são completamente insensatos; a ausência de formação em supervisão para os avaliadores que irão observar as aulas é inaceitável; a possibilidade de o professor avaliado ter aulas observadas e ser avaliado por um professor de outra área curricular e de outro grupo de recrutamento é simplesmente uma aberração; a periodicidade da avaliação (de 2 em 2 anos) obrigará os professores a dedicarem grande parte do seu tempo, energia e os recursos à avaliação dos colegas, em vez de se concentrarem na preparação das aulas e na relação pedagógica. É por isso que eu digo que os principais prejudicados com este modelo de avaliação serão os alunos.



E vantagens?

Como ele está a ser montado, não reconheço nenhuma vantagem. O Decreto Regulamentar 2/2008 tem de ser profundamente alterado. Os prazos devem ser alargados, a observação das aulas deve fazer-se apenas quando os avaliadores tencionarem dar a classificação de Irregular ou, nos outros casos, a pedido do avaliado; a avaliação deve ser feita de 3 em 3 anos; os dados sobre a progressão dos alunos e as taxas de abandono escolar não devem ser tidos em conta no processo de avaliação dos professores.

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