sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Ministro da Educação - Ignorância e Preconceito

Kant, um filósofo moderno intelectualmente hiper honesto, defende uma teoria que não acredita que conheçamos o mundo tal como ele é. Podemos dizer que os modernos encontram em Kant as bases do construtivismo, coisa que Nuno Crato critica, manifestamente sem saber do que fala. Simplificando, segundo Kant, conhecemos o mundo como que usando uma espécie de lentes, digamos azuis. Todo o mundo nos parece, por isso, azulado; escapa-nos a sua verdadeira cor. O problema é que se retirarmos as lentes para o vermos melhor, veremos nada, porque ou o vemos assim construído pela nossa mente (ou entendimento) ou não o conhecemos. No seguimento desta teoria encontramos a Gestalt teoria e os seus famosos estudos das ilusões da perceção, e outras teorias, por via de regra, de natureza construtivista, como as constantes nos estudos epistemológicos de J. Piaget. Não tenho aqui a intenção de corrigir os disparates ditos a respeito do construtivismo no livro do Eduquês de Nuno Crato. Aquilo é muita ignorância concentrada. O construtivismo é criticável, mas não do modo como o autor o concebe como se fosse uma coisa que depende da vontade do próprio Crato. Tal como as críticas que faz a Rousseau, no mesmo sucedâneo de livro, ignoram a complexidade das suas conceções. Desde que li esse livro num sofá da FNAC que contesto firmemente a alegria infantil de muitos professores e opinadores, cansados certamente, e com razão, de reformas da educação para nada. Nuno Crato, embalado pela infantilidade crítica, guindou-se a ministro da educação. E agora temos que o aturar. E é aqui que está o problema.

Os erros dos concursos de professores não resultam então, a meu ver, exclusivamente de uma ideia errada sobre como devem ser feitos. Resultam muito mais de uma estrutura mental, de umas lentes, que impede que o ministro, os seus colaboradores e os próprios funcionários vejam as coisas como elas são. O que é normal, acho eu. Só que esta cegueira pode e deve ser interpretada. O problema em causa não é meramente ideológico. É anterior à construção da ideologia. Na verdade, Crato e os seus colaboradores gostariam de ver reduzidos, na admissão de novos professores, os direitos adquiridos por professores mais experientes. Estão cansados de aturar professores que percebem mais do sistema do que eles próprios. Alguns até são oportunistas e chegam a secretários de estado, recorrendo a um nível de conhecimento do sistema mais de natureza pessoal, o que não lhes serve de nada para o melhorar, mas é muito útil para aceder ao poder.

Então, a ideia seria a de ordenar com prioridade professores com baixa graduação profissional, portanto, recorrer a uma fórmula um pouco mais favorável para professores mais jovens que não precisariam de ter uma graduação profissional apresentável.

O segundo passo seria o de introduzir este procedimento numa parte do sistema de recrutamento que, gradualmente, haveria, por distração dos docentes, de reconfigurar a sua distribuição pelas escolas. A obsessão da administração da educação revelou-se de tal modo grave, psicótica mesmo, que, nem perante o erro óbvio da fórmula de ordenação, conseguiu detetar, primeiro, o que é que não estava bem e, depois, o que é que era preciso corrigir. Este é o verdadeiro problema. O ministro e a sua administração colocaram umas lentes que ofuscavam a realidade, mas que lhes davam a ilusão de estar a fazer uma reforma subtil.

Ora acontece que uma reforma da autonomia das escola com consequências no recrutamento de professores não pode ser feita desta maneira. Enquanto a autonomia se referir a um conjunto diminuto de escolas, mesmo incluindo as que se situam em TEIPs, não faz qualquer sentido que, para elas sejam recrutados docentes com critérios distintos dos que os colocam nos quadros: a desilusão, a sensação de injustiça e arbitrariedade serão inevitáveis e agravar-se-ão até que um novo ministro, com outras lentes e menos ignorante, corrija o problema.

Depois, e mais importante, a autonomia das escolas implica uma territorialização prévia do sistema educativo, isto é, uma definição rigorosa, democrática e consensual sobre como o sistema se implanta, com autonomias variáveis, no terreno. É no quadro desta territorialização que podem ser definidos diferentes critérios e procedimentos de recrutamente de docentes. Enquanto isso não for feito, os critérios devem ser nacionais e, sendo nacionais, tanto faz que o equipamento de ordenação e colocação esteja em Lisboa, em Bruxelas, em Hong Kong ou em Arruda dos Vinhos.

Um primeiro movimento de reforma da educação é a territorialização do sistema com a definição de direitos e deveres do Estado, das Autarquias, das Famílias, dos Agentes Locais, das Ecolas, dos Alunos, dos Professores e suas organizações.

Os disparates, a que o ministro da educação se está a dedicar empenhadamente, poderiam ser vistos como uma oportunidade (mais uma) para pensar no que é urgente fazer para melhorar o sistema educativo.


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