“Há um buraco negro na esquerda”, diz Alegre
Visto como o mais destacado crítico de Sócrates, Manuel Alegre diz que não pode criar uma tendência "por decreto”. E alerta para movimento sindical.
Manuel Alegre considera que "há um buraco negro na esquerda, que passa pela ausência de uma sensibilidade de esquerda visível no PS". O ex-candidato a líder do PS, que se apresentou contra José Sócrates no Congresso de 2005 e que se candidatou a Presidente da República contra candidato oficial do partido, Mário Soares, não hesita em afirmar: "Não foi só o comunismo que implodiu, foi também o socialismo. Onde estão as políticas socialistas? Estamos numa época de capitalismo global de orientação neoliberal, da flexi-segurança. As receitas são as mesmas em todo o lado".
Actualmente vice-presidente da Assembleia, Alegre acrescenta: "Hoje há partidos socialistas que têm sedes e bandeiras, mas políticas socialistas não há. Os partidos socialistas têm a gestão da economia de mercado dominada pelo capitalismo global. Vivemos uma época de partido único em relação às políticas".
Aquele que é visto como o mais proeminente dos que, dentro do PS, criticam a orientação política e ideológica da direcção de Sócrates considera, porém, que "há um sentimento socialista, mas está difuso, não tem expressão política organizada, nem dentro nem fora do PS". Prova disso é a dimensão do protesto contra a política do Governo que se realizou em Lisboa, a 18 de Outubro.
“Participei em algumas das grandes manifestações que se realizaram em Portugal, mas manifestações comparáveis com a de 18 de Outubro só o 1º de Maio e a Alameda", começa por defender Alegre, considerando que a “manifestação foi subestimada”. E sublinha que "nenhum aparelho partidário põe 200 mil pessoas na rua se psicologicamente não estiverem já na rua.
Alegre lembra que, "durante muitos anos, houve essa expressão no PS", partido que "podia ser alternativa a si mesmo". E frisa que "a história do socialismo é a história do movimento sindical", para lamentar: "Não percebo como é que no PS há quem diga
que tem como objectivo partir a espinha ao movimento sindical".
“Sou um socialista arcaico"
Respondendo aos que se questionam porque não se assume como líder de uma tendência interna, Alegre é peremptório: "Não me compete a mim decretar a organização de uma tendência". O ex-candidato a secretário-geral explica que o grupo que então o apoiou "não tinha grande homogeneidade e muitos foram para o Governo, outros estão na direcção do grupo parlamentar". Por outro lado, quando foi candidato a Presidente não teve o apoio do "Estado-maior do PS", embora acredite que tinha os socialistas: "Não tinha tido o resultado que tive se não tivesse o PS comigo".
Sobre o momento actual, Alegre não poupa críticas: "Há grande conformismo, o partido foi para o Governo e ficou anestesiado. A direcção do partido é o Governo. Há alguns lampejos no grupo parlamentar mas é pouco, muito pouco".
O vice-presidente da AR sublinha que o que se passa em Portugal não é um acto isolado. "As receitas que são ditadas pela OCDE, que é um instrumento do FMI, a que chamam reformas, nada têm a ver com o ideário socialista. E os partidos socialistas não se podem resignar a isso. Mas eu sou, com certeza, um socialista arcaico", ironiza.
Por outro lado, na Europa, diz Alegre, "a única campainha de alarme que se ouve soar é na Alemanha", onde o SPD diz que vai inflectir de novo à esquerda, pressionado pelo Partido da Esquerda. E alerta os seus camaradas para o que considera poder tornar-se num problema para o PS.
"Depois desta manifestação e das últimas sondagens, era bom que houvesse um despertar das consciências no PS. Se o PS não cria alternativa dentro de si, ela surgirá de fora, mais tarde ou mais cedo."
E insiste: "Acho que convinha reflectir por que razão há uma subida de 13 pontos de Jerónimo de Sousa [secretário-geral do PCP] nas sondagens e não há grande subida do BE. No meu entender, isso demonstra que há um buraco negro na esquerda, que passa pela ausência de uma sensibilidade de esquerda visível no PS".
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