O estado democrático surge, à partida, como o mais conforme à natureza humana, aquele que não envolve nenhuma réstia de contradição com o direito natural, e por isso Espinosa, neste caso ao arrepio de Hobbes, toma-o como uma espécie de matriz de todo o político. É que em democracia, diz-se um pouco mais adiante, ninguém transfere o seu direito natural para outrem ao ponto de este nunca mais ter de o consultar daí em diante: transfere-o, sim, para a maioria do todo social, de que ele próprio faz parte, e, nessa medida, todos continuam iguais, tal como acontecia anteriormente no estado de natureza.
Por outras palavras, a democracia aproxima-se no plano político da igualdade que se verifica no estado de natureza, onde não existe razão alguma para que alguém esteja na condição de dar ordens e, assim, reduzir a liberdade dos demais. Nessa medida, ela pode também considerar-se como o tipo de estado, ou de império, que melhor contribui para se atingir a finalidade de qualquer república.
Sendo, com efeito, a associação dos indivíduos feita com base numa cedência voluntãria do direito natural, seria impensável e contraditório ela destinar-se a tornar menos sui juris, isto é, menos potente, cada um dos associados. Um império será tanto menos racional e, por conseguinte, tanto mais contrário à natureza do homem quanto mais reduzir
a sua capacidade de expressão e de ação. Como diz
Espinosa, o fim último da república (72. TlP, XVI, G 111, 193, trad., cit, p. 330. 73. TlP, XVI, G I1I, 195, trad., cit., p. 332. LVIIl. Baruch de Esptnosa) não é dominar nem conter os homens pelo medo e submetê-los a um direito alheio; é, pelo contrário, libertar o indivíduo do medo, a fim de que ele preserve o melhor possível, sem prejuízo para si ou para os outros, o seu direito natural a existir e a agir. (. .. ) O verdadeiro fim da república é, de facto, a liberdade."
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