Decreto-Lei n.º 144/2008
O Programa do XVII Governo prevê o lançamento de uma nova geração de políticas locais e de políticas sociais de proximidade, assentes em passos decisivos e estruturados no caminho de uma efectiva descentralização de competências para os municípios.
O objectivo central do Programa do Governo neste capítulo é o reforço e a qualificação do poder local. Definido o modelo de relacionamento financeiro, de acordo com a previsão do fundo social municipal, na Lei de Finanças Locais, importa dar início a uma efectiva descentralização de competências que tenha como horizonte a transformação estrutural das políticas autárquicas, designadamente em matéria de educação, e no quadro do disposto na Lei de Bases do Sistema Educativo e do regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário.
As competências a transferir para os municípios, que constam do presente decreto -lei, resultam, pois, de um consenso negocial entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
O Governo entende que se impõe um aprofundamento da verdadeira descentralização, completando o processo de transferência de competências para os municípios, em paralelo com a alocação dos recursos correspondentes. A opção política do Governo, considerando a educação como factor insubstituível de democracia e desenvolvimento, traduz -se na adopção de práticas que visem obter avanços claros e sustentados na organização e gestão dos recursos educativos, na qualidade das aprendizagens e na oferta de novas oportunidades a todos os cidadãos para desenvolverem os seus níveis e perfis de formação.
Considerando como muito positiva a experiência desenvolvida pelos municípios no âmbito sistema educativo, de que são exemplo incontornável a implementação da educação pré -escolar, a criação e funcionamento dos conselhos municipais de educação e a realização das cartas educativas, cumpre -se, deste modo, o Programa do Governo na parte em que estabelece a necessidade de contratualizar com os municípios a resolução dos problemas e a redução das assimetrias que subsistem na prestação do serviço educativo.
Assim, no Orçamento do Estado para 2008 ficou o Governo autorizado a transferir para os municípios as dotações inscritas no orçamento dos ministérios relativas a competências a descentralizar nos domínios da educação, designadamente as relativas ao pessoal não docente do Ensino Básico, ao fornecimento de refeições e apoio
ao prolongamento de horário na educação pré -escolar, às actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do Ensino Básico, à gestão do parque escolar e à acção social nos 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico.
Importa, assim, consagrar em lei a transferência efectiva de competências para os órgãos dos municípios em matéria de educação, no que diz respeito à educação pré -escolar e ao Ensino Básico. O presente decreto-lei contempla, ainda, a possibilidade de nas escolas básicas nas quais também é ministrado o ensino secundário, com a designação escolas básicas e secundárias, serem exercidas pelos municípios as atribuições a que se refere o presente decreto-lei, mediante a celebração de um contrato específico com o Ministério da Educação. Esta transferência efectiva de competências para os órgãos dos municípios em matéria de educação concretiza-se, agora, estabelecendo-se mecanismos que visam a salvaguarda da situação jurídico-funcional do pessoal abrangido.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Foram observados os procedimentos decorrentes da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pelas alíneas a) a e) e h) do n.º 1 do artigo 22.º do Orçamento do Estado para 2008, aprovado pela Lei n.º 67-A/2007,
de 31 de Dezembro, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I Disposições gerais |
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto -lei desenvolve o quadro de transferência de competências para os municípios em matéria de educação, de acordo com o regime previsto na Lei
n.º 159/99, de 14 de Setembro, dando execução à autorização legislativa constante das alíneas a) a e) e h) do n.º 1 do artigo 22.º do Orçamento do Estado para 2008, aprovado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.
Artigo 2.º
Âmbito
1 — São transferidas para os municípios as atribuições e competências em matéria de educação nas seguintes áreas:
a) Pessoal não docente das escolas básicas e da educação pré-escolar;
b) Componente de apoio à família, designadamente o fornecimento de refeições e apoio ao prolongamento de horário na educação pré-escolar;
c) Actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do Ensino Básico;
d) Gestão do parque escolar nos 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico;
e) Acção social escolar nos 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico;
f) Transportes escolares relativos ao 3.º ciclo do Ensino Básico.
2 — A transferência de atribuições e competências a que se referem as alíneas a), c) e d) do número anterior depende da existência de carta educativa e da celebração de contratos de execução por cada município, nos termos do presente decreto-lei.
3 — Consideram -se feitas às câmaras municipais as referências constantes de outros diplomas legais sobre atribuições e competências de entidades e organismos da administração central, previstas no presente artigo.
Artigo 3.º
Princípio geral
O disposto no presente decreto -lei subordina-se aos princípios consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo e ao disposto no decreto -lei que aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.
CAPÍTULO II Tranferência de competências |
Artigo 4.º
Pessoal não docente
1 — É transferido para os municípios o pessoal não docente das escolas básicas e da educação pré-escolar a que se refere o artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 184/2004, de 29 de Julho, em exercício de funções à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
2 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério da Educação para pagamento das despesas com o pessoal a que se refere o número anterior.
3 — Quando o pessoal não docente seja em número inferior ao resultante do rácio definido em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da educação, da Administração Pública e da administração local, são transferidas para os municípios as dotações correspondentes ao pagamento das remunerações do pessoal não docente necessário para cumprir aquele indicador.
4 — Em 2009, as transferências de recursos para pagamento das despesas a que se refere o presente artigo são actualizadas nos termos equivalentes à variação prevista para as remunerações da função pública.
5 — A partir de 2010, as transferências de recursos financeiros a que se refere o presente artigo são incluídas no Fundo Social Municipal e actualizadas segundo as regras aplicáveis às transferências para as autarquias locais.
Artigo 5.º
Gestão do pessoal não docente
1 — Sem prejuízo do disposto no artigo 2.º, a câmara municipal passa a exercer as competências relativas ao pessoal não docente dos 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico nas seguintes matérias, designadamente:
a) Recrutamento;
b) Afectação e colocação do pessoal;
c) Gestão de carreiras e remunerações;
d) Poder disciplinar.
2 — O poder disciplinar a que se refere a alínea d) do número anterior integra a competência para aplicar pena superior a multa.
3 — Em matéria de avaliação do desempenho do pessoal não docente, cabem igualmente à câmara municipal as competências de homologação e de decisão de recursos.
4 — As competências referidas nos números anteriores podem ser objecto de delegação nos órgãos de direcção, administração e gestão dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas.
Artigo 6.º
Situação jurídico-funcional
1 — O pessoal a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º é transferido para os municípios, sem prejuízo da situação jurídico-funcional que detém à data da transferência, designadamente em matéria de vínculo, carreira e remuneração.
2 — Os funcionários e agentes mantêm, igualmente, o direito à mobilidade geral para quaisquer serviços ou organismos da administração central ou local e à mobilidade
especial, por solicitação, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º da Lei n.º 53/2006, de 7 de Dezembro.
3 — O pessoal a que se refere o n.º 1 deve, após assinatura do contrato de execução da respectiva transferência, por um período não inferior a dois anos escolares, continuar afecto em estabelecimento de educação ou ensino, salvo quando manifeste o seu acordo com diferente afectação ou quando, fundamentadamente, a mesma se revele imprescindível.
4 — Ao Ministério da Educação cabe, no âmbito das atribuições de coordenação geral do sistema educativo que lhe incumbe prosseguir, a orientação superior das áreas transferidas pelo presente decreto -lei no domínio dos serviços técnico-pedagógicos, designadamente no que se refere aos serviços de psicologia e orientação e de apoio educativo.
Artigo 7.º
Acção social escolar
1 — São transferidas para os municípios as atribuições ao nível da implementação de medidas de apoio sócio-educativo, gestão de refeitórios, fornecimento de refeições escolares e seguros escolares.
2 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério da Educação para pagamento das despesas a que se refere o número anterior.
3 — Em 2009, a transferência de recursos para pagamento das despesas a que se refere o presente artigo são actualizadas nos termos equivalentes à inflação prevista.
4 — A partir de 2010, as transferências de recursos financeiros a que se refere o presente artigo são incluídas no fundo social municipal e actualizadas segundo as regras aplicáveis às transferências para as autarquias locais.
Artigo 8.º
Construção, manutenção e apetrechamento de estabelecimentos de ensino
1 — São transferidas para os municípios as atribuições de construção, manutenção e apetrechamento das escolas básicas.
2 — O Ministério da Educação financia a construção de escolas básicas, mediante a definição de custos padrão, e define as orientações técnicas da sua instalação.
3 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério da Educação para pagamento das despesas de manutenção e apetrechamento de escolas básicas.
4 — Em 2009, a transferência de recursos para pagamento das despesas a que se refere o presente artigo são actualizadas nos termos equivalentes à inflação prevista.
5 — A partir de 2010, as transferências de recursos financeiros a que se refere o presente artigo são incluídas no fundo social municipal e actualizadas segundo as regras aplicáveis às transferências para as autarquias locais.
6 — O disposto no presente artigo não prejudica os concursos públicos já abertos pelo Ministério da Educação e que se destinam à construção, manutenção e apetrechamento das escolas básicas.
Artigo 9.º
Transportes escolares
1 — São transferidas para os municípios as atribuições em matéria de organização e funcionamento dos transportes escolares do 3.º ciclo do Ensino Básico.
2 — Em 2009, a transferência de recursos para pagamento das despesas a que se refere o presente artigo são actualizadas nos termos equivalentes à inflação prevista.
3 — A partir de 2010, as transferências de recursos financeiros a que se refere o presente artigo são incluídas no fundo social municipal e actualizadas segundo as regras aplicáveis às transferências para as autarquias locais.
Artigo 10.º
Educação pré-escolar da rede pública
1 — São transferidas para os municípios as seguintes atribuições em matéria de educação pré-escolar da rede pública:
a) Gestão de pessoal não docente, nas condições previstas no artigo 4.º;
b) Componente de apoio à família, designadamente o fornecimento de refeições e apoio ao prolongamento de horário;
c) Aquisição de material didáctico e pedagógico.
2 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério da Educação para pagamento das despesas a que se referem as alíneas a) e
c) do número anterior.
3 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social para pagamento das despesas a que se refere a alínea b) do n.º 1.
4 — Em 2009, a transferência de recursos para pagamento das despesas a que se refere o presente artigo são actualizadas nos termos equivalentes à inflação prevista.
5 — A partir de 2010, as transferências de recursos financeiros a que se refere o presente artigo são incluídas no fundo social municipal e actualizadas segundo as regras aplicáveis às transferências para as autarquias locais.
Artigo 11.º
Actividades de enriquecimento curricular
1 — São transferidas para os municípios as atribuições em matéria de actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do Ensino Básico, sem prejuízo das competências do Ministério da Educação relativamente à tutela pedagógica, orientações programáticas e definição do perfil de formação e habilitações dos professores.
2 — Consideram -se actividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do Ensino Básico as que incidam nos domínios desportivo, artístico, científico, tecnológico e das tecnologias da informação e comunicação, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e voluntariado e da dimensão europeia da educação, nomeadamente:
a) Ensino do Inglês;
b) Ensino de outras línguas estrangeiras;
c) Actividade física e desportiva;
d) Ensino da música;
e) Outras expressões artísticas e actividades que incidam nos domínios identificados.
3 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério da Educação para pagamento das despesas a que se refere o n.º 1.
4 — Em 2009, a transferência de recursos para pagamento das despesas a que se refere o presente artigo são actualizadas nos termos equivalentes à inflação prevista.
5 — A partir de 2010, as transferências de recursos financeiros a que se refere o presente artigo são incluídas no fundo social municipal e actualizadas segundo as regras
aplicáveis às transferências para as autarquias locais.
6 — O regime que define as normas sobre as actividades de enriquecimento curricular é desenvolvido em diploma próprio.
CAPÍTULO III Execução |
Artigo 12.º
Contratos de execução
1 — As condições de transferências das atribuições a que se referem as alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 2.º são definidas em contratos de execução a celebrar entre o Ministério da Educação e os municípios, contendo cláusulas obrigatórias relativas:
a) Identificação das entidades outorgantes;
b) Transferência para os municípios dos recursos humanos, patrimoniais e financeiros associados ao desempenho das competências previstas no presente decreto-lei;
c) Os direitos e obrigações das partes contratantes;
d) A definição dos instrumentos financeiros utilizáveis;
e) A forma de acompanhamento e controlo da execução do contrato por parte do Ministério da Educação;
f) As consequências resultantes do incumprimento de qualquer das partes contratantes.
2 — Os contratos de execução devem ser celebrados até Junho do ano lectivo anterior aquele a que respeitam.
3 — O incumprimento das obrigações previstas neste artigo determina a retenção do duodécimo das transferências do fundo social municipal em valor correspondente, até à regularização da situação.
4 — Nos casos em que o município não realize despesa elegível de montante pelo menos igual às transferências financeiras consignadas a um fim específico, efectuadas nos termos do presente decreto -lei, no ano subsequente é deduzida à verba a que teria direito ao abrigo do fundo social municipal a diferença entre a receita de este e a despesa correspondente.
5 — Nos casos em que o município não assegure o exercício das atribuições transferidas nos termos do presente decreto-lei, pode o Ministério da Educação assegurar, a título supletivo, as referidas competências.
Artigo 13.º
Escolas básicas e secundárias
Nas escolas básicas e secundárias, nos termos da designação do quadro n.º 1 anexo ao Decreto-Lei n.º 387/90, de 10 de Dezembro, na redacção dada pelos Decretos-Leis n.os 314/97, de 15 de Novembro, e 299/2007, de 22 de Agosto, podem ser igualmente exercidas pelos municípios as atribuições a que se refere o presente decreto-lei mediante a celebração de um contrato específico com o Ministério da Educação, seguindo as regras definidas no artigo anterior.
Artigo 14.º
Residências para estudantes
1 — São transferidas para os municípios, mediante a celebração de um contrato de execução com o Ministério da Educação, as residências para estudantes localizadas no respectivo concelho.
2 — No contrato de execução a que se refere o número anterior são definidas as condições em concreto para a transferência do património e do pessoal das residências
para estudantes.
CAPÍTULO IV Disposições finais |
Artigo 15.º
Âmbito de aplicação
1 — O presente decreto -lei aplica -se exclusivamente aos estabelecimentos públicos de ensino dependentes do Ministério da Educação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 — A aplicação do disposto no presente decreto-lei nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira efectua-se mediante decreto legislativo regional.
Artigo 16.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no mês seguinte à sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Junho de 2008.
— José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
— Emanuel Augusto dos Santos
— José António Fonseca Vieira da Silva
— Valter Victorino Lemos.
Promulgado em 15 de Julho de 2008.
Publique -se.
O Presidente da República, ANÍBAL CAVACO SILVA.
Referendado em 17 de Julho de 2008.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
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