quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Sistemas de acesso à profissão docente


Sistemas de acesso à profissão docente
Andreia Lobo| 2008-08-06
Estudo da UNESCO compara a forma como os professores são colocados nas escolas públicas da Europa e América.
A variedade de oferta de lugares docentes e a procura de trabalho por parte dos futuros professores impõe que o acesso à profissão no sector público se faça mediante um processo de selecção e recrutamento. Esta realidade consensual encontra apenas uma única excepção: Cuba onde todos os docentes têm um lugar assegurado.

Apesar de não ser uma matéria polémica, os sistemas de acesso à profissão docente no Ensino Básico foram objecto de um estudo por parte da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A análise comparativa de 55 países da Europa e América retrata as diferenças encontradas ao nível do método de selecção, dos requisitos necessários para o candidato se apresentar ao processo selectivo, da autoridade responsável pela contratação e da natureza da relação laboral estabelecida.

Mas se a necessidade de um processo de selecção não parece suscitar dúvidas, o mesmo não se pode afirmar quanto aos restantes aspectos da sua organização. Em Portugal, os sindicatos ligados ao ensino não esqueceram a contestação à implementação da prova de avaliação de conhecimentos e competências para o ingresso na carreira docente. E muitos candidatos terão ainda na memória os problemas informáticos suscitados nos concursos de colocação de professores que quase comprometeram o arranque do ano lectivo de 2004/2005.

De modo geral é possível distinguir dois modelos de acesso relacionados com a maior ou menor autonomia das escolas face à tutela ministerial. Nos países anglo-saxónicos, nórdicos e bálticos - com uma forte tradição de autonomia - cada escola ou autoridade local selecciona os docentes que pretende contratar utilizando os seus próprios processos de admissão. Já nos países de tradição mais centralista da Europa do Sul e do Centro e da América Latina, a selecção é feita pela administração central mediante algum sistema equitativo para todo o território.

Método de selecção
De modo geral existem três modelos de selecção e recrutamento de docentes que se aplicam aos candidatos ao ensino público: por concurso-oposição, ordenação por nota final de curso e selecção livre.

No concurso-oposição o critério básico de ordenação é a classificação obtida num exame ou prova de avaliação onde os candidatos demonstram os seus conhecimentos e aptidões para a docência e para a área de ensino a que concorrem. É possível encontrar este método na Europa, entre os países de tradição centralizada: Espanha, França, Grécia, Itália, Luxemburgo, Malta, Portugal e Roménia. E na América Latina: Bolívia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Paraguai, República Dominicana e Uruguai.

De notar que, em todos estes países se combina o sistema de acesso por concurso-oposição com um outro modelo: o concurso de méritos. Este método consiste basicamente na ordenação dos candidatos de acordo com a nota de final do curso de formação inicial de professores, mas onde podem também pesar outros cursos complementares e a experiência prévia do candidato. Optaram pelo recrutamento de docentes exclusivamente mediante este processo de selecção a Alemanha, a Áustria, a Bélgica e a maioria dos países da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Nicarágua, Panamá, Peru e Venezuela, bem como Califórnia e a Carolina do Norte.

Por último, o recrutamento pode ser realizado através de uma selecção livre de candidatos, ficando a cargo do próprio estabelecimento de ensino ou de uma autoridade local. Neste caso, não existe uma regulação que estabeleça critérios comuns para a selecção. Praticam esta forma de contratação os países europeus com uma forte tradição de autonomia escolar: Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Finlândia, Hungria, Irlanda, Islândia, Letónia, Liechtenstein, Noruega, Países Baixos, Polónia, Reino Unido, Republica Checa e Suécia. E entre os países da América Latina: Porto Rico e El Salvador.

Requisitos
Possuir um certificado de conclusão da formação inicial de professor é um dos requisitos para exercer a função na quase totalidade dos países. No entanto, dada a ausência de professores licenciados o título académico é facultativo na Bolívia, Costa Rica e Uruguai.

Ter a nacionalidade do país onde se candidatam ao concurso é um requisito exigido, em quase todos os países da América e nos que não pertencem à União Europeia. Também em alguns países da América Central onde existem acordos de reciprocidade, os candidatos podem ter uma ou outra nacionalidade, dado o património linguístico comum: o castelhano. Por último, nos Países Baixos, Reino Unido e Suécia podem aceder à função docente pessoas de qualquer nacionalidade.

Torna-se assim evidente que o conhecimento da língua oficial em que é ministrada a aprendizagem seja um requisito para os candidatos cujo título de docente tenha sido obtido noutra região linguística. Assim acontece na Estónia, Noruega, mas também na Bélgica, caso o candidato se tenha licenciado numa comunidade diferente daquela onde vai leccionar, e em Espanha se os futuros docentes desejarem trabalhar numa comunidade com duas línguas oficiais.

Menos frequentes são requisitos como o de demonstração de boa saúde ou de idade. Um requisito presente no recrutamento docente na Bolívia onde os candidatos devem ter mais de 18 anos e menos de 60. E ainda na Grécia onde são apenas aceites candidatos entre os 21 e os 35/40 anos com um limite máximo de idade que pode ser ampliado até aos 50 anos.

Responsáveis
O método de selecção utilizado está intrinsecamente ligado ao tipo de autoridade responsável pela mesma. De tal forma que, quando cabe à escola a contratação, esta se faz mediante processos menos burocráticos. Entre as entidades que podem ser responsáveis pelo processo de selecção destacam-se: a administração central, uma autoridade local e as próprias escolas.


Na Europa, cabe aos Ministérios da Educação a contratação no Chipre, França, Grécia, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Malta e Portugal. Em Espanha, essa função é cedida aos Conselhos de Educação das comunidades autónomas, na Alemanha aos ministérios da educação dos diferentes estados federados, na Áustria, aos governos de cada estado juntamente com o Ministério Federal da Educação e na Bélgica aos ministérios de educação das Comunidades linguísticas.

Entre os países da América Latina, no Brasil e no México, a selecção compete à autoridade educativa dos estados federados. Na Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela a responsabilidade recai no Ministério da Educação.

Noutros países a instância responsável pela selecção é uma autoridade educativa intermédia, ligada às autarquias ou às províncias. Tal é o caso da Argentina (províncias), Bolívia, Califórnia, Carolina do Norte (distrito escolar) e Paraguai (regiões) e entre os países europeus da Bélgica, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Islândia, Noruega, Reino Unido (Escócia) e Roménia.

A própria escola, seja através do conselho directivo ou da administração, pode ter autonomia para contratar o corpo docente de que necessita. Assim acontece na Eslováquia, Eslovénia, Hungria, Irlanda, Letónia, Lituânia, Países Baixos, República Checa, Reino Unido (Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte), Suécia, Porto Rico e El Salvador. De notar, no entanto, que no caso do Reino Unido a responsabilidade de contratação é repartida entre a escola e as autoridades locais, uma situação que também é frequente noutros países.

Relação contratual
Segundo o estudo, regra geral um professor a leccionar no ensino público goza de um estatuto de funcionário público, tem o seu posto de trabalho garantido por lei e beneficia de alguma segurança até à jubilação. Em alguns países este estatuto é alcançado logo que os candidatos superam o processo de selecção, seja por concurso (mais frequente) ou selecção livre.

Quase todos os países onde os professores são contratados mediante concurso-oposição estão nesta situação: Espanha, França, Grécia, Itália, Luxemburgo, Malta, Portugal, na Europa; Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua e Peru, na América Latina. Além destes, obtêm ainda o estatuto de funcionários públicos os professores da Finlândia e Islândia, ainda que sejam recrutados mediante um processo de selecção livre realizado pela própria escola.

Noutros casos, o estatuto de funcionário público não é adquirido imediatamente após o ingresso na profissão, mas após um período de tempo de serviço como contratado. Assim, se passa na Bélgica, Alemanha, Áustria, Chipre, Dinamarca, Liechtenstein e Hungria, bem como na Colômbia, Panamá, Paraguai, Porto Rico, República Dominicana Uruguai e Venezuela.

Sem estatuto de funcionário público, mas antes com um vínculo contratual com a administração da escola estão os professores na Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Irlanda, Letónia, Noruega, Países Baixos, Polónia, Reino Unido, Roménia e Suécia e ainda, Califórnia e Carolina do Norte).

Qualidade técnica
Qualquer que seja o processo de selecção e recrutamento ou as entidades por ele responsáveis, este "deve cumprir critérios básicos de equidade, transparência e qualidade técnica", ressalva a UNESCO. Um ponto fulcral que, de acordo com o estudo, parece ter sido alcançado por todos os países, apesar da diversidade de sistemas educativos.

"Importa reconhecer que o objectivo prioritário é o de seleccionar os melhores candidatos para exercer a função docente", salientam os autores do estudo. Resta saber quais as aptidões que distinguem um bom professor? Aos critérios de conhecimento da matéria e das competências de ensino, a UNESCO apela a que se acrescente a "vocação" para a docência.

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