Teresa Pinto de Almeida: "É necessário dar aos professores voz activa nos debates educativos"
Sara R. Oliveira| 2008-02-20
Teresa Pinto de Almeida, distinguida com o Prémio de Mérito Carreira, garante que não há fórmulas mágicas para ensinar. O professor deve desenhar projectos inovadores e apostar na sua formação.
Vinte e sete anos dedicados ao ensino. Teresa Pinto de Almeida, de 50 anos, é professora de Inglês na Secundária Carolina Michäelis no Porto há 16 e foi distinguida com o Prémio de Mérito Carreira. "Não me vejo como modelo, mas como uma professora que gosta da sua profissão, que gosta de ensinar e que tem a sorte de contar com o reconhecimento dos seus pares, dos seus alunos, dos seus formandos e da comunidade educativa", afirma. "Vejo sobretudo esta distinção como um modo de dignificar socialmente os professores, de promover a sua imagem, que tem sido tão injustamente maltratada pela opinião pública. Acho muito importante que seja dada à escola visibilidade, que se fale positivamente do que lá se passa", acrescenta.
Na sua opinião, os professores não têm sido ouvidos nas reformulações feitas no sistema de ensino. E há uma alteração que, em seu entender, não trará benefícios. O alargamento do horário de permanência dos docentes na escola retira-lhes flexibilidade para desenhar projectos inovadores. "Os professores não trabalham para obter um prémio. Enquanto professora e formadora, envolvida na formação contínua de professores em todo o país, testemunhei o arrojo criativo de inúmeros colegas meus, o empenho, dedicação e entusiasmo que diariamente colocam no desempenho das suas actividades, sem esperarem contrapartidas", sublinha.
Colocou uma turma do 8.º ano a entrevistar o treinador de futebol Bobby Robson. Investe em actividades que promovam a participação do conjunto e aposta em aulas que espicacem a curiosidade. Depois da distinção, mantém-se o entusiasmo por ensinar. A mesma dinâmica na sala de aula. No currículo, um mestrado em Estudos Anglo-Americanos, a autoria de programas de Inglês e de vários manuais escolares.
EDUCARE.PT: Dedicou o Prémio de Mérito Carreira a todos os professores que dão o seu melhor, numa altura em que ainda se digerem alterações feitas ao sistema de ensino. As mudanças têm sido benéficas?
Teresa Pinto de Almeida: Ainda é muito cedo para avaliar se as mudanças agora introduzidas irão efectivamente contribuir para a melhoria da qualidade do sistema de ensino. Em todo o caso, estas alterações e regulamentações têm gerado alguma instabilidade e inquietação entre a classe docente. A questão não se coloca tanto na pertinência das recentes alterações no sistema de ensino, mas no facto de todo o processo ter sido conduzido sem a participação dos professores. Claro que qualquer mudança implica resistência pois significa romper com práticas e rotinas estabelecidas. Por isso mesmo, é fundamental proporcionar um debate de ideias para que os professores se sintam mobilizados em torno de um desígnio comum, que considerem válido e pertinente. Procedimentos unilaterais e imposições só contribuem para aumentar a conflitualidade e o descontentamento, pouco compatíveis com a acção educativa.
E: O novo Estatuto do Aluno, a nova carreira da docência, os critérios para a criação dos conselhos executivos. As modificações eram necessárias?
TPA: Há muito que os professores vinham apontando deficiências no sistema de progressão da carreira, no processo de formação contínua de professores, no modelo organizativo das escolas, entre outras. No entanto, a voz de quem trabalha no terreno parece ter sido ignorada neste afã infindável de regulamentações e imposições. Reforço mais uma vez a necessidade de dar aos professores voz activa nos debates educativos.
E: Qual a alteração que mais lhe custou a aceitar?
TPA: O alargamento do horário de permanência dos professores na escola não me parece que vá traduzir-se na melhor qualidade das aprendizagens dos alunos. Pelo contrário. O tempo que o professor é obrigado a permanecer na escola retira-lhe espaço e flexibilidade para delinear projectos inovadores, para conceptualizar, para experimentar, para apostar na sua formação.
E: "Hoje é muito mais complexo ser professor." A frase é sua. Quais as maiores dificuldades e desafios da classe docente?
TPA: Há hoje mais expectativas e muito mais exigências relativamente à escola e aos professores. Ser professor hoje comporta várias vertentes. Não basta ´saber', ter competência científica e pedagógica; é importante dominar os meios auxiliares de ensino, ser detentor de uma certa literacia tecnológica e ter a humildade de aprender com os alunos neste âmbito das tecnologias.
Por outro lado, deve aliar a estas competências a capacidade reflexiva, analisar a sua prática, conceptualizar, experimentar, reformular... Ser capaz de questionar permanentemente as suas práticas, de se auto-avaliar, de introduzir alterações e ajustamentos de modo a responder ao contexto educativo em que se movimenta.
Mas os desafios do professor vão ainda mais além. Temos hoje públicos diversos, constituídos por várias etnias e oriundos de diferentes contextos, o que obriga a organizar a escola de modo diferente, de molde a dar resposta a esse enorme desafio que é o ensino para todos.
E: Sente que há uma perda de autonomia e da própria autoridade dos professores?
TPA: Há claramente uma perda de autonomia e uma crise de autoridade que é, no fundo, reflexo da crise de autoridade que se verifica na sociedade. No entanto, o papel do professor sofreu alterações significativas nos últimos 30 anos, assumindo novos contornos que implicaram a revisão do conceito de autoridade. A autoridade do professor traduz-se hoje no modo como é capaz de gerir a imprevisibilidade na sala de aula, de organizar as aprendizagens, de perspectivar métodos e práticas de ensino diferenciadas.
E: Como analisa os esforços que têm sido feitos para combater as saídas precoces do sistema de ensino?
TPA: Todos os esforços para combater o absentismo, o insucesso e o abandono escolar são importantes e passam, sem dúvida, pela adopção de políticas educativas inclusivas. Nessa medida parece-me uma excelente ideia a celebração por parte do Ministério de contratos de autonomia com várias instituições educativas, para que estas possam gerir de uma forma mais flexível os seus recursos educativos dando resposta às exigências e necessidades dos alunos que as frequentam. É fundamental alargar este processo a outras escolas conferindo-lhes maior poder e competências para combater as saídas precoces e promover percursos de sucesso.
E: Participou em projectos para integrar alunos desmotivados e de estratos sociais carenciados. O que pode ser feito nesta área? O que pode resultar?
TPA: Esta questão entronca na anterior. Além das estratégias inclusivas que possam ser adoptadas pela instituição educativa é necessário que haja um diálogo permanente, uma articulação escola-família implicando todos no processo de integração dos alunos. É necessário que se integrem aprendizagens informais e extracurriculares nas aprendizagens formais, de modo a motivar o aluno, desenvolvendo, sobretudo, a sua auto-estima.
E: A política de educação tem dado atenção aos alunos que não vêem na escola a possibilidade de um futuro melhor?
TPA: A política educativa só muito recentemente apostou numa diversificação de percursos que incluem os Cursos Profissionais, os Cursos de Educação e Formação e o Ensino Recorrente, implementando programas específicos, mais facilitadores, numa tentativa de atrair maior número de alunos e reduzir a taxa de desistência. Se, por um lado, se conseguiu reduzir a taxa de retenção há também quem questione a qualidade das aprendizagens destes alunos e, sobretudo, a possibilidade que lhes é dada de transitarem entre formações distintas sem a adequada preparação científica.
E: Usa as novas tecnologias, trata de temas da actualidade, faz simulações, roleplays. Encontrou uma fórmula de cativar a atenção dos alunos ou cada aula é um desafio à imaginação?
TPA: Não há fórmulas mágicas, cada aula tem a sua dinâmica própria e compete ao professor delinear actividades e estratégias que tenham em conta o perfil dos alunos de cada turma, os seus interesses, o seu nível de conhecimentos, a sua área de formação.
E: É autora de vários manuais escolares. Qual a avaliação que faz desses livros que estão no mercado, numa altura em que uma investigação coloca em causa a qualidade do conteúdo desse material?
TPA: Fazer uma apreciação generalizada da qualidade dos manuais no mercado com base apenas num estudo isolado e limitado é redutor e pouco rigoroso. Por outro lado, esse estudo incide sobre os livros do 1.º ciclo, não colocando em causa a qualidade científica ou pedagógica dos manuais do Ensino Secundário que, na sua maioria, me parecem bastante adequados, sendo objecto de uma análise cuidada por parte de revisores, consultores e especialistas. Em todo o caso, é sempre pertinente a existência de uma certificação externa que poderá contribuir para enriquecer a qualidade do trabalho realizado pelos autores e, consequentemente, a qualidade dos materiais pedagógicos.
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