Cidadania e formas de participação cívica ( I )
Revista Figueira 21,Outubro 2006, ano 1, nº 1
22.10.2006
1.
Com a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética julgou-se que tinha chegado a hora do socialismo democrático. Mas o que chegou foi a globalização, o neoliberalismo, o triunfo daquilo que alguém definiu como o "capitalismo total".
Pierre Rosanvallon foi um dos primeiros autores a chamar a atenção dos socialistas para a mutação do próprio sistema produtivo. O mundo de hoje não é o de há 30 anos. Os partidos políticos da esquerda, os sindicatos, nasceram na revolução industrial, no século XIX, com as grandes concentrações proletárias. Era fácil assegurar naquela altura a representação, fazer o discurso político da unificação. Hoje estamos na era da deslocalização, da dispersão, da fragmentação. E é por isso que surgem outras formas de fazer política e que os eleitorados se afastam das orientações dos partidos tradicionais. Veja-se o caso da França, que costuma ser pioneira, que recusou por referendo a Constituição europeia e voltou a recusar na rua o Contrato do Primeiro Emprego.
Os media não podem substituir-se à representação política, mas eles próprios estão em mutação face às novas tecnologias de comunicação e aos novos poderes mediáticos que dominam o planeta. Tanto na política como nos media há que repensar as formas de agir e encontrar novas respostas. É particularmente importante, hoje, o combate à corrupção, que se instala sempre que há opacidade nas decisões, promiscuidade nos agentes, possibilidade de obtenção fácil de ganhos ilícitos e inépcia do poder judicial. A impunidade gera o descrédito e mina a confiança das pessoas na democracia.
2.
Outra questão que importa abordar é a do modelo social europeu. Este modelo tem estado a ser posto em causa dentro da própria união Europeia. Há uma Constituição não escrita, uma Constituição económica neo-liberal, constituída pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento e pelas GOPE (Grandes Orientações de Política Económica). Essa Constituição ideológica, que impõe a todos os governos europeus um modelo neoliberal contra o próprio modelo social europeu. Embora o Tratado de Roma admita a coexistência de sector público e do sector privado, o modelo hoje resultante da conjugação do PEC e das GOPE instaurou a lógica do privado, mesmo no que respeita ao funcionamento dos serviços públicos. É por isso que há alternância sem haver alternativa, o que está na origem daquilo a que Pascal Bruckner chamou a "melancolia democrática".
Os governos estão prisioneiros das GOPE. Mesmo que um governo de esquerda suceda a um conservador, dificilmente se liberta da correia de forças das GOPE. É por isso também que se verifica um divórcio crescente entre a política e os cidadãos que cada vez mais deixam de acreditar na eficácia do seu voto. E é por isso ainda que a democracia participativa vai surgindo como resposta a estes bloqueios da democracia representativa.
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