Novidades, Números e Outras Nulidades
Paulo Guinote
O início do ano lectivo, nos últimos 35 anos, tem sido quase sempre caracterizado por algum aparato coreográfico.
Desde a reforma de Veiga Simão que o arranque das aulas é um acontecimento central na agenda política do início do Outono e agora de final de Verão.
A partir de meados dos anos 70, com a massificação do ensino e os problemas a ela inerentes em termos de gestão das estruturas e recursos humanos disponíveis, este foi o período privilegiado para o confronto entre Sindicatos e Ministério da Educação/Governo.
Até há alguns anos atrás o balanço era renhido, com versões contraditórias sobre o número de escolas que abriam, de professores que faltava colocar, de crianças que ficavam sem aulas. Ministério e sindicatos mobilizavam as caras do costume e a rotina foi-se instalando devido à falta de novidades.
Já sabíamos as jogadas e o desfecho.
Com este Governo as coisas mudaram.
A coreografia foi abandonada enquanto movimento a dois.
A partir de agora temos direito a um longo solo governamental.
Apostado, na área da Educação, numa política de ataque aos docentes, de intolerância para com as contestações e numa estratégia comunicacional concertada no sentido de impor a sua Verdade, o actual Governo marcou o arranque dos anos lectivos desde 2005/06 por fortíssimas investidas mediáticas.
No seu desejo de mostrar iniciativa e obra, o Ministério da Educação passou a bombardear a opinião pública desde o início do mês de Setembro com uma vaga de novidades, abrilhantada com apresentações de variados indicadores estatísticos destinados a mostrar como antigamente imperavam o caos e o desperdício e agora é tudo rigor e organização.
Para demonstrar isso fazem-se todos os esforços retóricos e adapta-se a realidade quando ela não se conforma com os interesses do discurso.
No passado recente optou-se por usar números inflacionados sobre o absentismo dos professores, apresentaram-se tabelas deturpadas da evolução do número de docentes e alunos e outros números de forma parcial, descontextualizada e apenas ao serviço dos objectivos pretendidos.
Este ano não é excepção.
Pelo contrário, até parece que este é o (enésimo) ano zero da Educação em Portugal: eles são os quadros interactivos, os computadores portáteis oferecidos, as segundas oportunidades, os manuais reutilizáveis, maravilhas como pérolas atiradas a um país em êxtase contemplativo.
A ministra apresentou 10 novidades - 10 - que, depois de espremidas, de novo quase nada trazem, apenas se reforçando as verbas para a Acção Social Escolar que nos anos anteriores tinham sido cortadas.
Anunciam-se maravilhosas medidas de gestão dos recursos humanos, ora afirmando que os alunos estão em decréscimo – para justificar a redução de professores – ora que estão em crescimento pela primeira vez desde os alvores da História – quando se trata de elogiar a acção do próprio Governo.
Quanto ao abandono escolar proclamam-se reduções milagrosas, que mais não fazem do que repor os valores já existentes há cinco anos e que desde então se vinham a degradar progressivamente.
O próprio Primeiro-Ministro chega ao desvario de afirmar que há 10 anos se gastava o dobro na Educação, para pagar a muitos mais professores que ensinavam muito menos alunos. O que facilmente se demonstra ser falso consultando os próprios dados oficiais do GIASE ou do GEPE.
Mas a comunicação social assume esses números como bons e multiplica a sua divulgação sem o exercício de qualquer crítica.
Neste momento, em matéria da Educação, o rigor dos factos tornou-se acessório e o respeito pelos indicadores reais uma desnecessidade para um poder político que quer fazer acreditar que o sucesso existe, mesmo quando ninguém mais o vê.
Ministra e Secretários de Estado atropelam a verdade como se ela fosse um obstáculo ao progresso e à Modernidade Tecnológica.
Dizem-se e desdizem-se de um dia para o outro.
Por vezes no mesmo dia.
Os concursos mudam de regras várias vezes enquanto decorrem.
Mas os governantes afirmam-se felizes.
Poucas vezes parecem ter dúvidas e nunca admitem ter errado.
Que bom.
Ignoram-se as causas reais do insucesso e abandono escolar, impõe-se um estatuto de carreira que os docentes demonstraram não querer, oferecem-se uns milhares de computadores para as televisões filmarem, facultam-se selectivamente dossiês de dados a jornalistas cordatos e dóceis.
Anunciam-se Planos disto e daquilo e ameaçam-se os professores que ou é desta ou então são eles que têm a culpa exclusiva.
E espera-se que desta salganhada incoerente nasça o Sucesso.
Nem que seja por Decreto.
Ou por despacho.
Mesmo que inconstitucional.
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