Disse, então, o Presidente que "aqueles que fizeram ouvir a sua voz têm de ser escutados".
Ora, esta frase é muito mais profunda ou complexa do que aquilo que possa parecer à primeira vista. Pelo menos duas interpretações são possíveis:
- Primeira interpretação: "aqueles que fizeram ouvir a sua voz têm de ser escutados" é uma evidência do tipo da frase "o triângulo tem três lados". Neste caso, aqueles que se fizeram escutar também têm de ser ouvidos, tal como uma figura de três lados é um triângulo, tanto quanto um triângulo é uma figura de três lados. E está tudo bem, neste caso.
- Segunda interpretação: se o que o Presidente quis dizer foi que "se alguém fez ouvir a sua voz, então tem de ser escutado", tal como poderíamos dizer "se está a chover, então o chão está molhado", a coisa fica mais complexa. É que, neste caso, ela não quer dizer que quem tem de ser escutado é quem se fez ouvir, tal como o facto de o chão estar molhado não quer dizer forçosamente que tenha chovido. Pode ser escutado até só quem não se fez ouvir, como por exemplo, o próprio Presidente que estaria a ser escutado sem ter de se fazer ouvir.
Não se pense portanto que estas afirmações presidenciais podem ser desprezadas. Elas devem, pelo contrário, ser levadas muito a sério, como eu faço, como estou a fazer agora mesmo. Na minha opinião, deveria mesmo ser organizado um Congresso para esclarecer o complexo pensamento do Presidente.
Em todo o caso, só há duas coisas que se fazem ouvir:
- uma é "não aguento mais";
- a outra é "ai aguentas, aguentas"
Por prudência, e tendo em conta que a única que tem alguma possibilidade de corresponder a algum saber sobre alguma coisa é "não aguento mais", porque aqui o sujeito fala de si mesmo (na frase 2, o sujeito fala de outros, que desconhece completamente), a única coisa de jeito que se faz ouvir é justamente "não aguento mais". Tudo o resto é treta para adormecer crianças.
Há por aí alguém que esteja a escutar isto?
Talvez seja melhor não me fazer ouvir, pode ser que alguém me escute.
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