domingo, 8 de março de 2009
Em entrevista ao Expresso Manuel Alegre quebra o silêncio
“Estiquei a corda até ao limite”
[Cristina Figueiredo, Semanário Expresso, 07-03-2009] |
Manuel Alegre revela que há uma vontade de José Sócrates em mantê-lo do seu lado na próxima legislatura. E põe as suas condições.
P - Já houve notícias de pelo menos duas reuniões suas com José Sócrates. Estão a tentar chegar a um entendimento para as legislativas?
R - Há uma vontade do secretário-geral de que isso aconteça. E há uma reflexão minha sobre isso.
P - A iniciativa partiu dele?
R - Estas coisas devem fazer-se sem vencedores nem vencidos. Há uma partilha de vontades. Mas não fui eu que tomei a iniciativa.
P - Já afirmou que, nessa discussão, não é uma lógica de mercearia que está em causa, mas uma questão de princípios.
R - O princípio fundamental é o reconhecimento do espaço próprio que eu represento, saber se isso é ou não compatível com uma relação com o PS. Sem abdicar de valores como a revogação do código laboral, a suspensão do modelo de avaliação dos professores, a abolição das taxas moderadoras, os serviços públicos a funcionar de acordo com uma lógica de interesse geral e não de parcerias público-privadas. Se isso for respeitado é possível conversar.
P - Para Sócrates aceitar essas condições tem de renegar o que tem vindo a fazer no Governo.
R - Não se trata de condições, trata-se da verdade! Não exijo que o Governo se renegue. Não quero é renegar-me a mim mesmo. Não pretendo fazer o programa de Governo, mas gostaria de ter alguma participação e mudar algumas políticas do Executivo.
P - Porque é que Sócrates haveria de ceder-lhe?
R - Não se trata de ceder. Trata-se de vontade e inteligência políticas: saber se, apesar de todas as diferenças, há ou não possibilidade de convergência.
P - Se essa convergência acontecer não é apenas por uma lógica aritmética, porque Sócrates faz as contas e sabe que o seu apoio lhe pode custar (ou valer) a maioria absoluta?
R - Isso ninguém sabe. A política é sempre uma relação de forças.
P - Esse entendimento pode vir a traduzir-se num grupo parlamentar dentro do grupo parlamentar?
R - (Silêncio). Tem de ter alguma tradução, mas não lhe chamaria assim. Essas conversas são muito complicadas e não quero fazer diktats a ninguém. As coisas têm de ser feitas com muita dignidade recíproca.
P - Se se entender com Sócrates. a restante esquerda fora do PS vai compreender isso?
R - Quem conversa comigo conversa com o militante do PS, a referência histórica do PS. É uma das minhas debilidades e uma das minhas forças.
P - A sua permanência no PS não está, portanto, em causa?
R - Eu estiquei a corda quase até ao limite. Dentro e fora do PS. Mas não posso eu sozinho ser a convergência da esquerda. Não é meu propósito nem minha vontade. A não ser que me forcem a isso. Um partido é um instrumento, não é um fim em si.
P - Vamos voltar a vê-lo na AR na próxima legislatura?
R - Isso não depende só de mim.
P - Vai fazer campanha ao lado de José Sócrates?
R - Neste momento não sei. Não estou a fazer tabu nem estou a ser ambíguo.
P - Gostava de ser presidente da AR?
R - Gostaria de ter sido em 2004. Agora não. Não ia entrar na mercearia de disputar isso com Jaime Gama, que considero politicamente. E ser presidente da AR seria uma mordaça de luxo, quando eu não me retirei do combate político, continuo a lutar por mudar as coisas no PS, na esquerda, na democracia - que está a ser confiscada por gente medíocre que se apoderou dos partidos.
P - E candidato presidencial em 2011?
R - Não está nos meus planos, como não estava em 2006 e de repente aconteceu. O inesperado pode sempre acontecer. Mas não está na minha agenda nem nos meus planos.
P - Há uma expectativa em relação ao que poderá vir a fazer.
R - Há uma grande abdicação cívica em Portugal. Já havia no tempo do fascismo. E quando isso acontece depositam-se as esperanças em duas ou três pessoas. Às vezes numa só. Isso não me obriga a fazer o que outros querem que eu faça. Com a minha candidatura presidencial surgiu uma nova esperança, um novo espaço político com expressão orgânica e não orgânica, dentro e fora do PS. Para mim é fundamental que a direcção do PS reconheça esse espaço. Se o fizer, óptimo, se não ...
P - ... O que acontece?
R - Veremos. As coisas têm a sua lógica. Eles sabem que este espaço existe, que teve expressão nas urnas. Alguns receiam até que tenha outra vez expressão em qualquer coisa.
P - E é um receio infundado?
R - O que vou fazer depende muito de questões políticas, não de questões pessoais. Não tenho nenhuma razão de queixa pessoal dos dirigentes do PS. Tenho é outra concepção do que deve ser a estratégia do PS e uma política de esquerda - não percebo que se faça um congresso de viragem à esquerda em que se elege como inimigo principal a outra esquerda e até a esquerda do partido! Suponho que, se não houver maioria absoluta, estão abertos a coligações com o PSD ou com o CDS.
P - Se os movimentos de cidadãos pudessem candidatar-se ao Parlamento avançava com o MIC já nas próximas legislativas?
R - Avançava.
P - Contra o PS?
R - Contra o statu quo e a favor de uma renovação da democracia. E se calhar criando condições para a renovação do próprio PS. Um dos meus objectivos políticos de reforma institucional é a possibilidade de cidadãos se poderem candidatar ao Parlamento.
P - E ‘não se faz um partido como quem faz um fato’ ...
R - Era muito fácil arranjar aí umas listas para uma votação negativa, de protesto. Mas isso não faço. Não sou um aventureiro político. Mas há uma lacuna na esquerda na Europa. Mário Soares fala da esquerdização do mundo. Era bom que ele falasse da esquerdização, ou não, do PS e da nossa democracia. Mas disso ele não fala. Diz é que a convergência atrapalha!
P - Os ataques (de Sócrates. mas sobretudo de António Costa) ao Bloco de Esquerda, durante o Congresso. não auguram convergência
R - Esse discurso não tem lógica; o que devia era haver um entendimento em Lisboa. Ser presidente da Câmara de Lisboa é mais importante que ser o número dois do PS. Mas ele lá sabe.
Chocado com a entronização de Sócrates, Alegre recusa alinhar nessa festa: "Não é uma festa, é um enterro", E lamenta que Soares o faça
P - Os seus camaradas vão perdoar-lhe dizer ao Expresso o que não lhes foi dizer a Espinho?
R - Espinho foi um congresso de uma nota só. Isso é perigoso, quer para o PS, quer para José Sócrates. Quando isso acontece é porque a pessoa está só, mais só do que parece, apesar dos apoios todos. Estou à vontade para o dizer porque não sou dependente, nem dele, nem de ninguém e talvez até seja capaz de compreender melhor a solidão dele do que muitos que lá foram bater-lhe palmas. Talvez ele precise de falar mais comigo do que com alguns dos seus indefectíveis. Sabe que lhe digo o que penso e não tenho nada a pedir.
P -As directas deram cabo dos congressos?
R - Fui das primeiras pessoas, senão a primeira, a defender as directas. Aliás, sou por uma abertura ainda maior, sou mais favorável a eleições primárias, à americana. Isso permitiria uma reforma dos partidos, se é que eles são reformáveis. A crise pode ter consequências muito profundas do ponto de vista social e se os partidos não se reformam os próprios processos sociais vão provocar o aparecimento de novos sujeitos políticos, à esquerda ... ou à direita. E a democracia pode ficar em risco.
P - Mas ainda é possível salvar a democracia com os partidos?
R - Os partidos não esgotam a democracia. Até a podem estragar. Sempre fui renitente em relação à lógica partidária. Mesmo na clandestinidade, fui um homem do partido por força das circunstâncias históricas, mas fui sempre um rebelde. As pessoas devem preocupar-se, a começar pelos líderes, com este fenómeno de os partidos se transformarem na entronização de um líder, seja ele qual for. É o grau zero da política, da discussão, da ideologia. Neste congresso nem a moção do secretário-geral foi discutida!
P - O editorial do "Público", na segunda-feira, dizia que há mais debate num congresso do PCP do que o que houve em Espinho.
R - Não me admira. O PCP tem os seus debates, segundo as suas regras próprias, mas tem-nos. O que se discutiu em Espinho? O desemprego, as falências, a fractura social, a justiça?
P - Há falta de debate no PS porque "há medo", como alertava Edmundo Pedro?
R - O Edmundo falou nisso, mas depois parece que ele próprio ficou com medo de ter dito que havia medo. Uma coisa extraordinária vinda de um homem que nunca teve medo e esteve dez anos no Tarrafal! Já lho disse. Não acho que Sócrates mande calar ninguém, que alguém no PS mande calar quem quer que seja. Mas porque é que as pessoas se calam? Posso perceber o comportamento de alguns, que criaram dependências do partido. Não percebo o de outros. Eu sei que se fosse lá punha o congresso de pé. Mas não sou um animador de congressos.
P - Não é o Santana Lopes do PS?
R- Não, não sou. Com todo o respeito e consideração pela pessoa, somos muito diferentes. Mário Soares empregou esta semana uma expressão muito infeliz. Comentando que as notícias do congresso viveram da expectativa se Manuel Alegre ia lá fazer uma 'peixeirada' ou não. Gostaria de saber se aqueles discursos que eu fiz e o ajudaram a ganhar alguns congressos (sobretudo o primeiro) também entram na categoria de 'peixeirada'. E fico muito preocupado por ver o modo como o fundador do PS, um homem que sempre se bateu pelo pluralismo, pela democracia, contra congressos unanimistas, se pronunciou acerca deste congresso. O país está muito doente quando uma pessoa com a responsabilidade histórica e política de Mário Soares diz, como disse, que não sabe o que seria do PS sem Sócrates.
Em Bruxelas não há Sol nem Sul
Dá a entender que foi sondado para se candidatar ao Parlamento Europeu e é gélido quando fala de Vital, "escolha do secretário-geral"
P - Está confiante no papel da UE na resolução desta crise?
R - Concordo com Mário Soares quando ele diz que há uma falta de líderes na UE. Há egoísmos. Houve durante muito tempo subordinação à política norte-americana. Durão Barroso saltou da conferência dos Açores para a Comissão Europeia. Terá sido por acaso?
P - Ser deputado europeu não o fascinava?
RNunca me fascinou. Desde a primeira delegação portuguesa que andaram em cima de mim. Nunca quis. E agora também, devo dizer
P - Foi convidado?
R - Houve gente que me tentou convencer. Mas eu passei 12 anos no exílio. Em Bruxelas não há Sol, não há Sul, não há mar, nem Alentejo.
P - Vital foi uma boa escolha?
R - Foi a escolha do secretário-geral, apresentada ao Congresso.
P - Vai votar nele ?
R - (Silêncio. Risos)
P - As Europeias vã ser um referendo à governação PS
R - Tendem sempre a ser. Aqui infelizmente, ainda se discute muito pouco a questão europeia e o que vai estar em causa é a política interna.
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