O ser humano tem dificuldade em processar as novidades. Mais do que não ser capaz de tomar imediatamente posição crítica sobre elas, parece ficar temporariamente limitado na sua faculdade de simplesmente as ajuizar. Não é que não as detecte; o que acontece é que não as vê como susceptíveis de serem ajuizadas, sem antes terem alguma consequência.
Grandes filósofos, como Heidegger relativamente ao nazismo, ou Ortega y Gasset relativamente ao franquismo católico, ou mesmo Agostinho da Silva face ao integralismo lusitano, cairam no logro da neutralidade por manifesto embotamento do juízo.
Mas é essa capacidade de ajuizar sobre algo, antes das suas consequência, que faz do ser humano um sujeito de si mesmo, e não um simples objecto manipulável em função do mercado livre das palavras. Que elas, as palavras, se compram e se vendem, já o sabemos há muito tempo. Que aceitemos tranquilamente as "regras do mercado" das palavras, porque essa seria a forma de assegurar a liberdade, isso já é preocupante, porque o mercado nunca é livre, é dominado por quem tem poder de compra.
Em todo o caso, se o brilhante Heidegger não foi capaz de ajuizar em todas as suas consequências a brutalidade do nazismo, porque já formara uma ideia sobre a catástrofe em que, antes dele, vivia a Alemanha, não podemos esperar que um jornalista, ou um editor de jornais seja capaz de fazer muito melhor quando um novo Governo toma posse. Primeiro, porque, em princípio, não é todos os dias que toma posse um Governo nazi ou fascista, o que, sendo verdade no campo das probabilidades, já é um primeiro sinal da origem do embotamento do juízo, depois porque, de facto, do jornalista espera-se que seja neutro, imparcial e, consequentemente, faça todos os esforços necessários e até alguns desnecessários para não pensar com a sua própria cabeça.
Por esta razão, e seguramente por outras também, Hitler, Mussolini, Staline, Franco, Salazar beneficiaram de um estado de graça, directamente proporcional ao estado de desgraça em que se encontravam os seus países quando tomaram posse. A desgraça era tanta que o estado de graça foi aquilo que se viu.
Nos regimes ditos democráticos, (ditos, porque para que os cidadãos exerçam o poder, não se dispensa a propaganda, a circulação de rios de dinheiro e outras coisas ainda menos dignas de ser mencionadas), os novos governos beneficiam também desse indispensável estado de graça, proporcional à desgraça que o anterior governo deixou. Todos deixam o país num estado mais ou menos de desgraça, mas nem sequer esta regularidade é suficiente para acordar as mentes adormecidas pela propaganda eleitoral, para a absoluta necessidade de combater esse estado de graça, que gratuitamente é concedido àqueles que, legitimamente, porque ganharam o concurso, falam em nome de todo o povo. A democracia actual, tal como a vemos em prática, é, na verdade, um concurso público, onde vale tudo, menos a competência e a seriedade. O poder soberano dos cidadãos é, na prática, utilizado indevidamente como uma oportunidade para todos aqueles que ambicionam o poder, nomeadamente o poder de fazer manguitos a quem os elege.
A concessão desse estado de graça aos novos governos é da responsabilidade dos agentes económicos desse enorme "mercado livre" da palavra, a que também se chama mass media, ou, mais modestamente, comunicação social. Alguém tem de gerir estas coisas, porque delas depende a liberdade, e a liberdade, assim parece pelo menos, não é aquilo que se pensa, a liberdade é o que resta, após a intervenção de tutores que assumem, com enorme sacrifício, a responsabilidade de alimentar o medo da liberdade nos cidadãos todos, inclusive em si mesmos enquanto cidadãos.
Seja como for, em todo o caso, o estado de graça, concedido aos governos, tem origem no embotamento do juízo que, por seu turno, nasce do medo da liberdade, gerado pelos tutores da liberdade, que são afinal os mesmos que decretam o estado de graça para os novos governos, como um ritual de afirmação quase religiosa, seguramente dogmática.
O Governo de Sócrates, para o qual contribuí com o meu voto, teve muito tempo de estado de graça, o tal tempo proporcional à desgraça que o antecedeu; mas há que ter cuidado: por este andar, aquele que lhe sucederá, após a queda do Partido Socialista, nas próximas ou nas seguintes eleições, será tendencialmente eterno, se o estado de graça continuar proporcional à desgraça.
Em nome da democracia, ainda que por democracia se entenda tão só a alternância no poder na sequência da propaganda e das eleições, é bom que Sócrates tenha a coragem de mudar o rumo da política do seu governo.
Só a título de exemplo, conviria que o Ministério da Educação iniciasse realmente uma reforma, e não se limitasse a alterar estatutos, dos professores e dos alunos, e a outras banalidades sem nexo. Para isso, é preciso que a responsável pelo Ministério da Educação tenha alguma ideia partilhável. Não pode continuar, qual forcado, a desafiar o touro até ao fim do seu mandato. O touro já está desmaiado das farpas que lhe espetaram; já nem ouve. Não pode continuar, portanto, naquela figura ridícula, a gritar "eh touro". Por seu turno, os sindicatos não podem continuar a assistir a uma pega absolutamente ridícula, exigindo só que , em vez de gritar "eh touro", passe a gritar "eh tourinho". A Ministra deu sinais, logo no início do seu mandato, de que a sua prioridade era saltar para a arena e fazer mais ou menos o que está a fazer. Pelo menos, foi assim que interpretei a sua primeira medida pública. Infelizmente não me enganei.
Temos de tirar as vendas. Todos. E ver o que é que realmente mudou (para melhor ou para pior, não é o que vem agora ao caso), para além das palavras, dos decretos e dos desaforos, nas escolas portuguesas, e que não mudaria, se o Ministério da Educação tivesse estado, este tempo todo, fechado para balanço.
É altura de ajuizar sobre a acção deste Governo. E já é muito tarde.
Grandes filósofos, como Heidegger relativamente ao nazismo, ou Ortega y Gasset relativamente ao franquismo católico, ou mesmo Agostinho da Silva face ao integralismo lusitano, cairam no logro da neutralidade por manifesto embotamento do juízo.
Mas é essa capacidade de ajuizar sobre algo, antes das suas consequência, que faz do ser humano um sujeito de si mesmo, e não um simples objecto manipulável em função do mercado livre das palavras. Que elas, as palavras, se compram e se vendem, já o sabemos há muito tempo. Que aceitemos tranquilamente as "regras do mercado" das palavras, porque essa seria a forma de assegurar a liberdade, isso já é preocupante, porque o mercado nunca é livre, é dominado por quem tem poder de compra.
Em todo o caso, se o brilhante Heidegger não foi capaz de ajuizar em todas as suas consequências a brutalidade do nazismo, porque já formara uma ideia sobre a catástrofe em que, antes dele, vivia a Alemanha, não podemos esperar que um jornalista, ou um editor de jornais seja capaz de fazer muito melhor quando um novo Governo toma posse. Primeiro, porque, em princípio, não é todos os dias que toma posse um Governo nazi ou fascista, o que, sendo verdade no campo das probabilidades, já é um primeiro sinal da origem do embotamento do juízo, depois porque, de facto, do jornalista espera-se que seja neutro, imparcial e, consequentemente, faça todos os esforços necessários e até alguns desnecessários para não pensar com a sua própria cabeça.
Por esta razão, e seguramente por outras também, Hitler, Mussolini, Staline, Franco, Salazar beneficiaram de um estado de graça, directamente proporcional ao estado de desgraça em que se encontravam os seus países quando tomaram posse. A desgraça era tanta que o estado de graça foi aquilo que se viu.
Nos regimes ditos democráticos, (ditos, porque para que os cidadãos exerçam o poder, não se dispensa a propaganda, a circulação de rios de dinheiro e outras coisas ainda menos dignas de ser mencionadas), os novos governos beneficiam também desse indispensável estado de graça, proporcional à desgraça que o anterior governo deixou. Todos deixam o país num estado mais ou menos de desgraça, mas nem sequer esta regularidade é suficiente para acordar as mentes adormecidas pela propaganda eleitoral, para a absoluta necessidade de combater esse estado de graça, que gratuitamente é concedido àqueles que, legitimamente, porque ganharam o concurso, falam em nome de todo o povo. A democracia actual, tal como a vemos em prática, é, na verdade, um concurso público, onde vale tudo, menos a competência e a seriedade. O poder soberano dos cidadãos é, na prática, utilizado indevidamente como uma oportunidade para todos aqueles que ambicionam o poder, nomeadamente o poder de fazer manguitos a quem os elege.
A concessão desse estado de graça aos novos governos é da responsabilidade dos agentes económicos desse enorme "mercado livre" da palavra, a que também se chama mass media, ou, mais modestamente, comunicação social. Alguém tem de gerir estas coisas, porque delas depende a liberdade, e a liberdade, assim parece pelo menos, não é aquilo que se pensa, a liberdade é o que resta, após a intervenção de tutores que assumem, com enorme sacrifício, a responsabilidade de alimentar o medo da liberdade nos cidadãos todos, inclusive em si mesmos enquanto cidadãos.
Seja como for, em todo o caso, o estado de graça, concedido aos governos, tem origem no embotamento do juízo que, por seu turno, nasce do medo da liberdade, gerado pelos tutores da liberdade, que são afinal os mesmos que decretam o estado de graça para os novos governos, como um ritual de afirmação quase religiosa, seguramente dogmática.
O Governo de Sócrates, para o qual contribuí com o meu voto, teve muito tempo de estado de graça, o tal tempo proporcional à desgraça que o antecedeu; mas há que ter cuidado: por este andar, aquele que lhe sucederá, após a queda do Partido Socialista, nas próximas ou nas seguintes eleições, será tendencialmente eterno, se o estado de graça continuar proporcional à desgraça.
Em nome da democracia, ainda que por democracia se entenda tão só a alternância no poder na sequência da propaganda e das eleições, é bom que Sócrates tenha a coragem de mudar o rumo da política do seu governo.
Só a título de exemplo, conviria que o Ministério da Educação iniciasse realmente uma reforma, e não se limitasse a alterar estatutos, dos professores e dos alunos, e a outras banalidades sem nexo. Para isso, é preciso que a responsável pelo Ministério da Educação tenha alguma ideia partilhável. Não pode continuar, qual forcado, a desafiar o touro até ao fim do seu mandato. O touro já está desmaiado das farpas que lhe espetaram; já nem ouve. Não pode continuar, portanto, naquela figura ridícula, a gritar "eh touro". Por seu turno, os sindicatos não podem continuar a assistir a uma pega absolutamente ridícula, exigindo só que , em vez de gritar "eh touro", passe a gritar "eh tourinho". A Ministra deu sinais, logo no início do seu mandato, de que a sua prioridade era saltar para a arena e fazer mais ou menos o que está a fazer. Pelo menos, foi assim que interpretei a sua primeira medida pública. Infelizmente não me enganei.
Temos de tirar as vendas. Todos. E ver o que é que realmente mudou (para melhor ou para pior, não é o que vem agora ao caso), para além das palavras, dos decretos e dos desaforos, nas escolas portuguesas, e que não mudaria, se o Ministério da Educação tivesse estado, este tempo todo, fechado para balanço.
É altura de ajuizar sobre a acção deste Governo. E já é muito tarde.
Sem comentários:
Enviar um comentário